Folha de S. Paulo
O debate sobre a transição e a consolidação
de regimes democráticos opõe pessimistas e otimistas
As democracias
se consolidam ao longo do tempo? O debate sobre transição e consolidação
democrática nas décadas de 1980 e 1990, no contexto da chamada terceira onda da
democracia, opôs visões otimistas e pessimistas. Os primeiros, inspirados pela
noção de fim da história, sustentavam que a democratização era inexorável e
irreversível, impulsionada pela elevação generalizada da renda e pela expansão
dos mercados em escala global.
Os pessimistas alertavam que nada garantia a perpetuação da democracia. Entre eles, Przeworski que, no entanto, estimou que a probabilidade de derrocada da democracia nos EUA era de 1 em 1,8 milhão. Seu ceticismo derivava da concepção da estabilidade democrática como um equilíbrio autoimposto, no qual a estratégia dominante dos atores é seguir as regras do jogo democrático. Trata-se, porém, de um equilíbrio instável: mantém-se apenas quando os stakes do jogo não são excessivamente altos e os ganhos sob a democracia superam os de uma alternativa autoritária. Para Przeworski, a leitura dominante da transição como um "pacto" entre elites era excessivamente ingênua.
A questão da consolidação ressurgiu com vigor
diante do retrocesso democrático sob Trump, nos EUA —um dos regimes mais
longevos e, supostamente, consolidados do mundo. A crença na consolidação da
democracia americana contribui em grande medida para o paradoxo da limitada reação institucional, diante
dos crescentes abusos de poder por parte de Trump. A questão também nos
interessa: nossas instituições democráticas estão consolidadas?
As evidências apontam de forma robusta para a
renda como o principal preditor da democratização e, posteriormente, da
consolidação. Contudo, há exceções relevantes —especialmente entre países ricos
em riqueza mineral (gás, petróleo, diamantes etc). Nesse contexto, o timing é
crucial. A sequência virtuosa ocorre quando sua descoberta sucede o
estabelecimento de instituições democráticas; caso contrário, tende a
configurar uma maldição, pois a disputa política por tais riquezas possui forte
potencial desestabilizador.
Huntington propôs, como métrica para
classificar regimes em consolidados, o critério de duas alternâncias pacíficas
de poder entre forças rivais. Os EUA registraram 22 alternâncias. Já o Brasil
atenderia a esse critério, dada a ausência de ruptura institucional e o fracasso
do golpe em 2022.
Svolik, um otimista, modelou a consolidação
como um processo latente, em que a probabilidade de mudança de regime cai
abruptamente de 1/3 para 1/200 após 17 a 20 anos de democracia contínua. Assim, a própria
experiência democrática —controlada pela renda e outros fatores— emerge como um
dos melhores preditores da consolidação.
Contudo, o mesmo Svolik demonstrou que,
embora democracias consolidadas sejam imunes a golpes militares, permanecem
vulneráveis ao chamado incumbent takeover, a erosão interna. Ainda que raras
—cai a zero após 50 anos— tais ocorrências são dez vezes mais prováveis em
regimes presidencialistas e sete vezes mais frequentes em países exportadores
de petróleo.
A reação
institucional a Trump começa a se mostrar efetiva. Ainda é cedo para
conclusões.
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