segunda-feira, 8 de setembro de 2025

O marketing da extrema direita. Por Miguel de Almeida

O Globo

Quem não ajoelhar diante do pneu terá de procurar outro altar

Parece ser vontade confessa dos líderes do PL transmutar-se em partido de extrema direita de tendência apenas bolsonarista. Para a eleição de 2026, desejam apresentar somente candidatos identificados com o credo. Quem não ajoelhar diante do pneu terá de procurar outro altar.

Em princípio, é boa jogada de marketing. No mundo das redes, o que importa são as identidades. Nada opaco prospera, haja vista o deslustrado Hugo Motta, que não é nem cruz nem caldeirinha. Daí que uma marca, mesmo polêmica, soa como artifício publicitário adequado. Gruda na memória.

Com o tempo, até Geraldo Alckmin rendeu-se em paz à imagem de picolé de chuchu, e o PSDB nunca quis descer do muro, porque tucano voa baixo. Jânio Quadros jamais negou gostar bastante de uma birita — “bebo porque é líquido”, celebrizou. Difícil mesmo é não pensar no general Figueiredo e sua preferência olfativa por cheiro de cavalo. São adjetivos que ficam.

Apesar de indecisões típicas de quem ouve vozes, Jair Bolsonaro deixou na internet vídeos em que escande sua visão preconceituosa sobre a vida alheia. Lembro-me de alguns de seus bordões:

— Não te estupro porque você não merece;

— Preferia um filho morto do que (sic) gay;

— Eu sou favorável à tortura.

E o afamado “E daí? Não sou coveiro”. À sua maneira, são slogans.

Ao contrário de Dilma Rousseff, com suas tiradas surrealistas, o glossário do capitão é feito de ódio, preconceito e rasantes mentais. Penso que seja algo a constar do programa partidário do ideológico PL: mandamentos e execuções.

Caso avance, a proposta de um partido de extrema direita radicalmente bolsonarista expurgará alguns moderados abrigados na legenda. Não conheço nenhum deles, mas o líder Sóstenes Cavalcante diz identificá-los e os ameaça com a “sostenização” dos quadros. Reivindica o apoio férreo do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto.

Existem paralelos históricos no passado para o lançamento de partidos monotemáticos. À direita e à esquerda. Os exemplos não são auspiciosos, porque acabaram em prisão, exílio e torturas. Nem sempre nessa ordem.

O fracasso das iniciativas talvez se deva ao caráter ambíguo do nosso povo. Sempre identificados com a ideia de um partido-feira, os eleitores preferem barracas com ofertas múltiplas — abobrinha, batata ou peixe. Ao gosto do freguês, quero dizer, para não perder a viagem. Estaríamos distante de uma agremiação com um único produto — picles? —, dado que o eleitor nem sempre é honesto consigo mesmo. Depois de tantos posts, as pesquisas dão apenas 15% para quem se diz da extrema direita bolsonarista. Espremendo, o número pode ser maior ou menor, devido ao folclore do eleitor-urso, que abraça um candidato e vota no outro.

Talvez o PL de Sóstenes se espelhe no exemplo macabro da Ação Integralista Brasileira (AIB), ativa e histérica a partir da década de 1930. De imediato, lembro a tentativa de golpe e a identificação dos militantes com o mito deles, Plínio Salgado. Católico radical, emulou a obsessão de Mussolini por um uniforme militar. O desejo de guerras e sangue vinha como método de afirmação política. Salgado, pequeno, magro, ostentava um bigode ridículo, era um extremista de direita capaz de horrorizar até Getúlio Vargas. Os integralistas se fantasiavam de verde (da nossa bandeira) e desfilavam em arranjo militar. Não acreditavam na democracia e no voto popular. Postulavam que o populacho não sabia distinguir salame de mortadela. Portanto, liberdade vigiada para a turba.

Muitos de seus seguidores, como o ideólogo Gustavo Barroso, eram antissemitas e violentos. Se o bolsonarismo raiz buscou o ombro do governo americano, os integralistas tinham o colo financeiro da embaixada italiana. Depois de uma tentativa de golpe, Plínio Salgado foi exilado em Portugal e então aderiu — adivinha! — à ditadura militar, aquela defendida pelo capitão.

Na outra mão, o Partido Comunista, fundado entre outros pelo capitão Luís Carlos Prestes, apoiou a política do ditador Getúlio Vargas. Mesmo perseguido, Prestes emitia sinais de simpatia ao caudilho e, como Plínio e Jair, também tentou seu golpe. Coincidência ou não, os comunistas obedeciam aos sinais de rígida disciplina partidária emanados da URSS de Stálin.

Pelo jeito, do PL de Bolsonaro e do PC de Prestes ao integralismo de Plínio Salgado, o que os une são as tentativas de golpe. À direita ou à esquerda, é uma marca, e isso sempre acaba em exílio ou cadeia.

 

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