Folha de S. Paulo
Por mais fundamentada que venha a ser
condenação de ex-presidente, muitos de seus simpatizantes a considerarão
ilegítima
Dentro
de mais alguns dias, conheceremos os votos dos ministros do STF encarregados
de julgar Jair
Bolsonaro e a pena imposta ao ex-presidente. O preocupante é que, por
mais bem fundamentada que venha a ser a condenação, parcela não desprezível do
eleitorado a considerará ilegítima.
No plano objetivo e abstraindo quaisquer considerações jurídicas, é zero a dúvida de que Bolsonaro atentou contra a democracia. Apenas tentar produzir razões "legais" para não entregar o poder após ter perdido uma eleição, algo que ele admite que fez, já viola as regras do jogo institucional. A essência da democracia é justamente fazer com que governantes que perdem eleições deixem o poder sem resistir.
Ainda que o ex-presidente achasse que a
eleição foi marcada por irregularidades, não caberia a um candidato decretar
isso. No mais, é difícil defender a ideia de que houve algum tipo de fraude
contra o grupo político do ex-presidente quando se considera que vários
governadores bolsonaristas foram eleitos e que seu partido fez a maior bancada
da Câmara
dos Deputados.
A pergunta que fica, então, é como milhões de
brasileiros, que até prova em contrário não são doidos, ainda defendem
Bolsonaro. A melhor hipótese que me ocorre para explicar isso é a levantada por
Hugo Mercier e Dan Sperber, a cujo trabalho sempre aludo aqui.
Para a dupla, a razão não evoluiu para nos tornar capazes de apurar fatos
objetivos e encontrar verdades (ainda que possa em certas situações fazer
isso), mas para nos capacitar a vencer debates e ficar bem diante do grupo.
Hoje, com as redes sociais, cada um carrega
seu próprio grupo no bolso e com ele interage o tempo todo, o que leva à
multiplicação dos reforços positivos que o indivíduo recebe cada vez que se
mostra leal aos consensos de seus pares. O resultado desse processo é a
cristalização e até a radicalização das posições do grupo.
Punir os golpistas é uma necessidade para
desestimular ataques futuros, mas não deve mudar muito o quadro de polarização
afetiva que divide o país.
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