terça-feira, 2 de setembro de 2025

Brasil sobe a ladeira da memória, por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Solavancos de setembro não serão suficientes para abalar um país que já superou inúmeras adversidades

Serão dez dias marcados por tensão política e ineditismo histórico, de 2 a 12 deste setembro trepidante.

Haverá solavancos, mas não suficientes para abalar um país que já enfrentou dois impeachments de presidentes, passou por um século de episódios golpistas, sofreu duas ditaduras, articulou uma transição democrática e agora está prestes a superar na Justiça uma tentativa de interrupção destes 40 anos de legalidade. O Brasil apanha e resiste. É como o samba: "Agoniza, mas não morre".

Pela primeira vez, um ex-presidente da República será julgado por atentar contra a ordem institucional e será também inédito o fato de militares de alta patente figurarem na condição de réus no Supremo Tribunal Federal.

A tensão ficará por conta dos reflexos do embate interno das forças de governo e oposição e na expectativa da reação vinda do ambiente externo, contaminado pela sanha agressora de Donald Trump e sua ideia delirante de se imiscuir no processo.

Da lista de adversidades superadas não nos esqueçamos da morte do presidente civil eleito em colégio eleitoral e hospitalizado na véspera da posse, em 14 de março de 1985. Antes disso, a rejeição da emenda Dante de Oliveira, seguida da exitosa movimentação popular em prol de eleições diretas, retomadas em 1989.

Naquele meio-tempo, tivemos uma Assembleia Constituinte que, a despeito da ditadura militar ainda nos calcanhares, aprovou, nas palavras de Ulysses Guimarães, a Carta Cidadã —que até hoje nos conduz com seus erros e muitos acertos.

Suplantamos, também, a hiperinflação com o engajamento da sociedade num projeto de Estado pautado pelo compromisso público de Fernando Henrique Cardoso e respaldado pelo então presidente Itamar Franco, vice do impedido Fernando Collor.

Isso aconteceu sob a égide da incerteza, mas fomos em frente entre os trancos das circunstâncias. Não há, portanto, razão para não ultrapassarmos mais esse obstáculo no rumo de uma nação que preserva a liberdade fundada na defesa da legalidade.

 

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