O Globo
No Parlamento, há muitas iniciativas que
podem contribuir para a lisura pública. Ou para sua opacidade
Há muitos modos e meios de o crime organizado
se infiltrar na política institucional. A megaoperação contra o PCC — do
Ministério Público, da Polícia
Federal, da Receita
Federal, da União e de estados — escancarou um esquema gigantesco: entre
2020 e 2024, foram R$ 52 bilhões “lavados” ou sonegados em postos de
combustíveis e usinas, além de recursos passando por fintechs e fundos da Faria
Lima — movimentações que somam até R$ 140 bilhões.
Não é apenas caso de polícia: quando o crime organizado entra no coração financeiro do país, contamina também a política. Como isso se dá já há tanto tempo? Financiando candidaturas, apresentando ou barrando projetos de lei, propondo emendas. O jornalismo investigativo e organizações de defesa da ética pública revelarão quem são esses “legisladores” das negociatas. Há Excelências “sensíveis” a excrescências e, “com gravata e capital”, acreditam que nunca se darão mal...
Combater isso exige, além da consciência
cidadã, transparência total, regulação firme do sistema financeiro e defesa
inequívoca do financiamento público e austero de campanhas — para que o poder
econômico, legal ou ilegal, não siga sequestrando o Estado brasileiro.
A Receita Federal já regulamentou o
enquadramento das fintechs como instituições financeiras, obrigando-as a
cumprir as mesmas regras dos grandes bancos, inclusive na prestação de contas e
no uso de inteligência artificial para detectar lavagem de dinheiro.
O desafio agora é aprovar uma Lei Antimáfia,
cujo projeto o Ministério da Justiça finaliza. Atenção: haverá quem questione
sua urgência e os que proporão emendas que desfigurem seu objetivo. Urge
garantir que a democracia pese mais que o dinheiro sujo, com seu poder dissolvente.
No Parlamento, há muitas iniciativas que
podem contribuir para a lisura pública. Ou para sua opacidade, amparando
“tenebrosas transações”. Que, quando flagradas, enchem bolsos e esvaziam a já
débil credibilidade dos partidos e da política.
A subsecretária de fiscalização da Receita,
Andrea Chaves, lembra que a fake news do deputado Nikolas
Ferreira (PL-MG) sobre a “taxação do Pix” — com mais de
200 milhões de visualizações — pressionou pela revogação da norma que ampliaria
a supervisão das fintechs, de que o governo, no início do ano, recuou. Com
isso, garantiu-se, por meses, a manutenção de caminhos livres para fraudes e
esquemas bilionários como esse do PCC, recém-desmantelado.
O esquema espúrio intoxica o Legislativo. PL
e Centrão assumiram publicamente a “necessidade premente” da votação da mal
chamada “PEC das Prerrogativas” — reforço da autoproteção e blindagem dos
parlamentares, com apequenamento do Judiciário e do Ministério Público. Um
habeas corpus preventivo e permanente.
Há pouco, houve interrupção por quase dois
dias dos trabalhos do Congresso, ato indecoroso e violento (que, aliás, o
corporativismo tende a esquecer). Tudo para aprovar uma “anistia” a quem
atentou contra o Estado Democrático de Direito, crime que nenhum “chefe”
reconheceu ou de que se arrependeu. Outro pleito dos “bloqueadores” era para garantir,
a toque de caixa, o desaforo do fim do foro e a PEC da Blindagem. Um convite à
criminalidade:
— Venha para o manto protetor dos mandatos
políticos. É segurança para as negociatas!
Mas coincidiu, felizmente, com a Operação
Carbono Oculto. Ela adiou, por enquanto, essa tentativa de, com a máscara da
“imunidade”, consagrar a impunidade e a “gangsterização” da política. O
julgamento final do núcleo crucial do golpismo e o virtuoso golpe sobre o PCC,
com seus vínculos no “andar de cima” e dutos na política partidária, provam que
é possível, na nossa maltratada República, chegar a outro patamar.
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