quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O STF pode se reformar por dentro

Por O Estado de S. Paulo

Estudo da Fundação FHC mostra que o Supremo tem como resgatar a colegialidade, a clareza dos precedentes e a ética institucional sem precisar esperar que o Congresso faça alguma reforma

Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF) deixou de ser apenas a mais alta Corte do País e se tornou um protagonista político hipertrofiado e sobrecarregado. Decisões monocráticas prevalecem sobre o debate colegiado. Inquéritos heterodoxos se arrastam por anos. Voluntarismos interpretativos fabricam “constituições paralelas”. A pretexto de “omissões” dos outros Poderes, o STF edita leis e dita políticas públicas, precipitando corrosão institucional e repulsa social.

Parte do problema está nos vícios de origem da Constituição, que atribuiu ao STF competências tão vastas quanto difusas. Mas a crise se deve, sobretudo, à forma como os ministros exercem esse poder. Falta sobriedade, autocontenção, respeito aos limites éticos da magistratura. Acrescente-se a isso a litigância abusiva de partidos que tentam reverter com sentenças o que perderam no voto.

Assim, o STF, que deveria ser fiador do Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. No século 20, as Forças Armadas se auto-outorgaram a tarefa de “corrigir” os rumos da política, com resultados conhecidos. No século 21, o STF parece vestir esse figurino em versão togada: árbitro de tudo, responsável por “recivilizar” o País – à custa da erosão da democracia representativa.

Não é necessário aguardar reformas legais para sanear esse “estado de coisas inconstitucional”. Remédios urgentes estão ao alcance da Corte. Essa é a mensagem do relatório A Responsabilidade pela Última Palavra, elaborado pela Fundação FHC a partir da opinião de juristas e cientistas sociais, que propõe três eixos de reformas exequíveis por meio de resoluções internas.

O primeiro é o aperfeiçoamento do processo decisório. O STF precisa frear o ativismo de seus ministros. Isso significa restringir severamente as decisões monocráticas, delimitar pedidos de vista e devolver à colegialidade o que lhe pertence. Significa ainda ordenar a pauta de maneira transparente e racional e reformar o plenário virtual para que seja instrumento eficiente com controle recíproco, e não de opacidade.

O segundo eixo é a qualificação do sistema de precedentes. A Corte deve falar com uma só voz. Precedentes precisam ser estáveis, compreensíveis e vinculantes, sob pena de o Tribunal se tornar uma loteria hermenêutica. É preciso padronizar ementas, identificar com clareza a tese decisória e exigir fundamentação robusta para qualquer superação. Assim se constrói segurança jurídica e previsibilidade a cidadãos, empresas e instituições.

O terceiro eixo é o fortalecimento da reputação pública. Um Código de Conduta é indispensável: ministros não podem se expor em eventos patrocinados por atores políticos ou econômicos que litigam ou podem vir a litigar na Corte, muito menos se engajar em manifestações de militância partidária. Regras de impedimento e suspeição precisam ser claras e respeitadas. A comunicação deve ser institucional e colegiada, não personalista. A confiança da opinião pública depende menos de declarações solenes e mais de comportamentos discretos, éticos e consistentes.

Essas três frentes não são utopias acadêmicas. São medidas concretas que o STF pode adotar já, sem depender de ações e retaliações dos outros Poderes. Ao fazê-lo, estará não só preservando a sua autoridade, mas também resgatando o equilíbrio do sistema republicano.

Ao assumir a presidência do STF, o ministro Edson Fachin acenou claramente nessa direção, reiterando aquele que desponta como o lema de sua gestão: “Ao Direito o que é do Direito; à política o que é da política”. Mas, para dimensionar o tamanho do desafio, basta pensar que seu predecessor foi o “iluminista-em-chefe”, Luís Roberto Barroso, e seu sucessor será o “delegado-geral da democracia”, Alexandre de Moraes.

Cada decisão monocrática voluntarista, cada inquérito sem fim, cada gesto de arrogância institucional esfarela mais um tijolo da legitimidade da Corte. É preciso que os ministros entendam: a melhor maneira de defender o STF contra ataques externos é erradicar arbítrios internos. Se o Supremo continuar a trilhar o caminho da onipotência, deixará de ser guardião da Constituição para se tornar réu da História.

A precária situação fiscal dos municípios

Por O Estado de S. Paulo

Mesmo com uma chuva de recursos, 36% das cidades do País têm situação fiscal difícil ou crítica, o que só reforça a necessidade de um plano urgente para viabilização econômica dos municípios

Mais de um terço dos municípios brasileiros está em situação fiscal difícil ou crítica, revela o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Ou seja, são cidades incapazes de se sustentar com recursos próprios.

Com pontuação que varia de zero a um, o IFGF é composto por quatro indicadores – autonomia, gastos com pessoal, investimentos e liquidez. Municípios com resultado abaixo de 0,4 ponto são entendidos como em situação fiscal crítica, enquanto aqueles com índice entre 0,4 e 0,6 ponto são os que enfrentam dificuldades. Já as cidades com nota entre 0,6 e 0,8 estão em situação boa. Por fim, pontuação acima de 0,8 indica gestão fiscal excelente.

Vitória, capital do Espírito Santo, é a única do País com IFGF máximo (nota 1), enquanto Cuiabá, no Mato Grosso, foi a capital com pior resultado (0,5237). Na média, as capitais tiveram IFGF de 0,7888, contra 0,6531 dos 5.129 municípios do País avaliados pela Firjan, nos quais residem 95,6% da população brasileira.

Um alarmante número de 1.282 cidades não produz receita suficiente para pagar nem mesmo os salários dos prefeitos e dos vereadores. Ao mesmo tempo, 540 prefeituras comprometem mais de 54% de seus orçamentos com o pagamento de salários e aposentadorias; destas, 131 ultrapassam o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com pessoal, que é de 60%.

Assustadores, os dados escancaram a existência de municípios inviáveis do ponto de vista econômico, sendo extremamente dependentes do dinheiro da União. E tudo isso em um cenário muito favorável do lado das receitas. No ano passado, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) alcançou o maior valor da série histórica: R$ 177 bilhões. Além disso, repasses por meio de outras fontes, como as famigeradas emendas parlamentares, têm chovido na horta dos municípios.

O momento das receitas municipais é de ouro, como classificou a Firjan. Mesmo assim, 36% das cidades brasileiras têm quadro fiscal crítico ou difícil, e a tendência é de que a situação, que já é ruim, venha a piorar, uma vez que a enxurrada de recursos hoje destinada às cidades não tem caráter permanente – as expectativas para o crescimento do PIB, por sinal, são de desaceleração. Ademais, o IFGF demonstra que, isoladamente, o elevado montante de recursos atualmente destinado a municípios não elimina problemas estruturais nem desigualdades.

Nesse sentido, um estudo da Warren Investimentos, que analisou as finanças das prefeituras brasileiras entre 2010 e 2024, é demolidor. Cada vez mais dependentes de repasses da União, os municípios usam mais recursos para contratar pessoal do que para investir, criando despesas rígidas em vez de, por exemplo, fomentarem atividades econômicas que tragam retornos financeiros. A arrecadação aumentou, mas os gastos subiram ainda mais, fazendo com que as prefeituras registrassem déficit de 0,3% do PIB em 2024.

De acordo com o economista-chefe da Warren, Felipe Salto, os municípios são os entes mais expansionistas entre os três níveis de governo, o que dificulta a gestão de política fiscal por parte da União, que não tem nenhuma autoridade sobre as contas municipais.

Diante de tal quadro, é urgente a revisão das regras que acabaram por incentivar a criação de municípios no País, no mais das vezes um subterfúgio para o atendimento exclusivo dos interesses escusos que grassam no Brasil.

Mas há problemas em muitas outras frentes, que exigem atenção plena, embora o Congresso Nacional esteja cada vez mais capturado por interesses que nada têm a ver com os dos cidadãos. Faltam planejamento e incentivo para que as cidades reduzam seus gastos com pessoal e aumentem o investimento no bem-estar dos munícipes.

Não menos importante, as discussões em andamento no Congresso sobre a reforma tributária deveriam ser encaradas como uma oportunidade para que as regras de distribuição de recursos do FPM sejam revistas. A divisão do fundo com bases em critérios meramente populacionais, por exemplo, é equivocada, uma vez que cidade pequena não é necessariamente cidade pobre, como argumenta a Firjan.

Como morrem as ‘campeãs nacionais’

Por O Estado de S. Paulo

Antecipação de falência da Oi é o retrato do fracasso dos planos delirantes do lulopetismo

A Justiça do Rio de Janeiro determinou a antecipação parcial dos efeitos da falência da Oi. Foram decretadas a suspensão do pagamento dos débitos da empresa e a destituição do conselho de administração e da diretoria, que será substituída por interventores para a transição da prestação de serviços essenciais. A empresa está em seu segundo processo de recuperação judicial em nove anos. No primeiro pedido, em 2016, declarou dívidas de R$ 65,4 bilhões; em 2023, em novo pedido, a dívida era de R$ 44,3 bilhões.

O ocaso da “supertele nacional” – como a operadora foi batizada por Lula da Silva em 2008, em seu segundo mandato presidencial, quando alterou por decreto o Plano Geral de Outorgas para permitir a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Telemar – é o retrato da estupidez de pretender fabricar, por provimento governamental, empresas “campeãs nacionais”. Um plano fracassado que direcionou centenas de bilhões de reais do Estado a empresas “companheiras”.

No dia seguinte à ordem expedida pela juíza Simone Gastesi Chevrand, da 7.ª Vara Empresarial do Rio, a Oi entrou com pedido de liminar contra a decisão que, segundo alega, implica na “convolação da principal recuperação judicial da América Latina”. Acostumada a ser socorrida por medidas que garantiram a continuidade de sua operação, parece estar à espera de uma nova ajuda governamental.

É fato que o processo que deu origem à Oi começou errado desde o primeiro instante, na privatização do Sistema Telebras. O consórcio que adquiriu a então Telemar contraiu empréstimos bilionários no BNDES para financiar a compra, o que foi feito com a colaboração do governo Fernando Henrique Cardoso para evitar o fracasso da venda.

O endividamento passou a ser a marca da gestão da empresa e piorou quando, dez anos depois da privatização, o decreto de Lula autorizou – com o apoio fundamental de fundos de pensão de estatais – a fusão de duas operadoras igualmente endividadas, Telemar e BrT, para atuar em todo o território brasileiro. Essa foi a base da “supertele” de capital nacional com que Lula imaginou barrar o que considerava uma invasão estrangeira no setor.

Em agosto de 2019, quando a manchete do Estadão noticiou, em primeira mão, que o caixa da Oi – já em sua primeira recuperação judicial – chegara ao “mínimo necessário” e a Anatel estudava a intervenção, este jornal sentenciava que a cassação da concessão seria a solução menos dolorosa aos contribuintes. Seis anos se passaram e o calvário só piorou.

Ainda em 2019, o novo marco regulatório autorizou a migração das operadoras do regime de concessão de telefonia fixa para o de autorização. Uma das consequências foi o aval para a venda dos chamados bens reversíveis, como prédios e infraestrutura de prestação de serviços. Como maior operadora de telefonia fixa, a Oi foi também a que tirou mais proveito do novo marco. Na decisão em que antecipou os efeitos de uma falência, a juíza citou preocupação com o esvaziamento patrimonial da empresa. Que o fim agonizante da “supertele” sirva de lição aos megalômanos.

Trump imita Venezuela e tenta subverter as Forças Armadas

Por Folha de S. Paulo

Presidente exige de generais lealdade a valores da direita populista e usa tropas contra cidades americanas

Foi o que fez a esquerda chavista, culminando na ditadura de Maduro; ironicamente, ela mesma ameaçada de ataques diretos pelos EUA

Para alguém que nunca serviu às Forças Armadas, o americano Donald Trump demonstra um apreço especial à ritualística militar.

Coalhou o Salão Oval com símbolos bélicos e promoveu no seu aniversário o maior desfile fardado em décadas na capital, Washington. Ao reunir-se com Vladimir Putin no Alasca, montou um show aéreo para impressionar o russo, ele próprio acostumado a exibições do tipo em casa.

Trump lidera a maior potência bélica da história, que consome 40% dos recursos de defesa do planeta. Tal musculatura é lustrada pelo legalismo de um estamento que, desde a Guerra Civil finda em 1865, não vê viabilidade para rupturas em seus quadros.

Fiel ao seu projeto de demolição do edifício da democracia americana, o republicano promoveu uma pantomima inédita na terça (30), convocando todos os cerca de 800 oficiais-generais sob seu comando para uma reunião.

Nela, ele e seu agora renomeado secretário da Guerra, Pete Hegseth, protagonizaram um espetáculo em que a fanfarronice exemplificada pela crítica ao sobrepeso de generais escamoteia um aspecto perverso do trumpismo: a tentativa de dobrar as hostes armadas a seus caprichos.

Hegseth foi direto: "Se as palavras que eu digo hoje estão deixando seus corações apertados, então vocês deveriam fazer a coisa honrada e renunciar".

Como já expurgou mais de uma dúzia de militares de alto escalão, notadamente negros e mulheres, o secretário insinua um movimento mais amplo de indicação de alinhados ao projeto da direita populista americana.

Foi exatamente isso que fez a esquerda chavista na Venezuela, culminando na ditadura de Nicolás Maduro —ironicamente, ela mesma ameaçada de ataques diretos pelos Estados Unidos.

Trump ainda desenhou planos. Disse que seu país está "sob uma invasão interna" e que os militares usariam as "cidades inseguras como campo de treinamento", referência aos polêmicos envios de tropas a lugares que considera tomados pelo crime.

Não por acaso, já foram e serão alvos da ação cidades governadas pela oposição democrata. Num país cuja unidade foi forjada no combate à secessão, o que se insinua é preocupante.

No primeiro mandato, o alto escalão fardado foi essencial para conter os impulsos golpistas de Trump, chamado posteriormente de "aspirante a ditador" pelo general mais graduado do país. Agora, os freios e contrapesos ainda não seguraram o republicano, apesar de a Constituição exigir militares apolíticos.

O belicismo do presidente não parece constrangido pelo caos de sua gestão. Enquanto a Casa Branca defende ampliação das Forças, o governo paralisa suas atividades devido à falta de consenso em torno do Orçamento.

Em tal cenário, fica a dúvida se a investida de Trump será esvaziada pela ligeireza com que trata temas sérios ou se prosperará em meio à confusão reinante.

Impasse de orçamento nos EUA paralisa serviços e adia dados

Por Valor Econômico

Com Donald Trump mais irredutível e agressivo em relação à oposição, não se sabe quanto tempo durará a suspensão dos serviços não essenciais

As atividades do governo americano começaram a ser paralisadas ontem, depois que democratas e republicanos não chegaram a um acordo para liberar os recursos do Orçamento do ano fiscal de 2026, que começou em 1 de outubro. O impasse orçamentário tornou-se rotineiro, mas tem se agravado com a radicalização política partidária. Os mercados financeiros praticamente não reagiram à interrupção dos serviços, que, nos episódios passados, não causou prejuízos relevantes à economia. Com Donald Trump mais irredutível no segundo mandato, e muito mais agressivo em relação à oposição, não se sabe quanto tempo durará a suspensão dos serviços não essenciais.

Paralisações “normais” costumam custar 0,1% do PIB por semana, segundo o Comitê de Orçamento do Congresso, ou 0,1% a 0,2%, de acordo com consultorias privadas, como a Oxford Economics. Segundo o comitê, o último “shutdown” trouxe US$ 11 bilhões em perdas públicas e privadas, das quais US$ 3 bilhões não eram recuperáveis. Perdas monetárias, no entanto, significam apenas uma fração dos problemas que paradas súbitas e recorrentes do funcionamento do Estado trazem — as repercussões políticas são frequentemente mais importantes.

Disposto a todo tipo de confronto legal, o presidente Trump disse que a paralisação lhe permitirá fazer demissões em massa, em uma sequência que começou com os cortes massivos e sem critério da gestão do bilionário Elon Musk no Departamento de Eficiência Governamental. O departamento de Orçamento do governo emitiu um comunicado às agências federais para que “usem esta oportunidade para considerar redução na força de trabalho”. A intenção evidente de Trump é culpar os democratas por sua intransigência, que culminaria com vários males se abatendo sobre a população, a começar por milhares de postos de trabalho fechados.

Não será fácil, entretanto, atribuir a disputa à tenacidade dos democratas em enfrentar o governo, que faz falta há um bom tempo. A “bela” lei orçamentária de Trump que o Congresso, com maioria republicana nas duas Casas, aprovou pressupõe redução de impostos para empresas e faixas de maior renda da população, e cortes de serviços públicos para as de menor renda. Trump pediu que o financiamento no montante atual permanecesse até 21 de novembro, prazo no qual os dois partidos poderiam chegar a um acordo, mas os democratas colocaram como condições para isso a prorrogação dos créditos que permitem que o seguro saúde seja acessível a milhões de americanos — eles expiram no fim do ano — e a revogação dos cortes no Medicare, seguro de saúde federal para pessoas acima de 65 anos e deficientes.

Enquanto o impasse persistir, estima-se que 750 mil funcionários públicos serão dispensados, sem remuneração, da mesma forma que os de serviços essenciais, como segurança, continuarão trabalhando, sem salário. Em geral, com a normalização dos serviços, os salários atrasados são pagos. A estimativa é que a paralisação custará US$ 400 milhões por dia.

As bolsas americanas deixaram de lado o início da paralisação — tiveram alta discreta —, e os títulos do Tesouro de 10 anos caíram 0,6%, para 4,13%. Os efeitos imediatos não costumam ser significativos, mas crescem à medida que o conflito se prolonga. A disputa orçamentária causa menos preocupação que a disputa pelo aumento do teto da dívida pública, que já obrigou o Tesouro a interromper emissão de dívidas e pagamentos das repartições do Estado, podendo, potencialmente, trazer um calote aos detentores dos títulos.

As divergências orçamentárias e sobre o montante da dívida — que foi ampliado em US$ 5 trilhões, para US$ 41,5 trilhões em julho — colocaram uma sombra de dúvidas sobre a capacidade de o sistema político americano funcionar em seus aspectos mais básicos, como chegar a um acordo sobre como verbas públicas serão gastas e até onde o governo pode se endividar para cumprir suas obrigações com os cidadãos. A ameaça de um calote do Tesouro americano, cujas títulos sempre foram os mais seguros do mundo, pelo menos até Trump assumir de novo a Presidência, passou a ser levada a sério. As agências de classificação de risco rebaixaram os títulos soberanos americanos em 2023 (Fitch) e 2025 (Moody’s).

Discordantes quanto às prioridades da alocação de despesas, democratas e republicanos têm em comum a disposição para elevar o déficit público e o endividamento. A dívida pública, que em 1996 era de US$ 5,2 trilhões (65% do PIB), chegou este ano a US$ 37 trilhões, ou 127% do PIB. O aumento traz juros mais altos no longo prazo e desconfianças crescentes sobre sua sustentabilidade.

De imediato, a paralisação interrompe a divulgação de estatísticas, em um momento de definição do rumo dos juros nos EUA. Os dados sobre emprego, que seriam apresentados na sexta, foram adiados. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) aguarda mais informações sobre o mercado de trabalho para decidir se faz mais cortes de juros, pois se baseou no seu enfraquecimento para começar a reduzi-los em sua última reunião. Mercados e Fed ficarão no escuro para tomar decisões enquanto o impasse perdurar.

O resultado do descaso: metanol vendido em bebidas

Por Correio Braziliense

O tamanho da produção de bebidas no Brasil é impreciso. Pior: uma pesquisa estima que 36% das bebidas no Brasil são falsificadas, fraudadas ou contrabandeadas

Tragédias são uma equação que reúne sempre as variantes descompromisso, descontrole, negligência, irresponsabilidade e corrupção. As mortes de seis pessoas em São Paulo e agora a suspeita de três óbitos em Pernambuco e de outros 36 casos de intoxicação também em terras paulistas por consumo de bebida adulterada com metanol têm esses elementos. Aliás, uma marca das administrações públicas — habituadas a não se anteciparem aos danos por conta da lógica acaciana de que, se não há problema, nada há a prevenir.

Prevenção, aliás, é considerada um gasto inútil neste país, e a não antecipação ao dano está diretamente relacionada ao que se vê agora. Em 2008, foi criado o Sistema de Controle de Bebidas (Sicobe) para coibir a sonegação de impostos praticada por fabricantes. Equipamentos instalados nas linhas de produção possibilitavam o acompanhamento do volume envasado. Bastava, assim, cruzar esses dados com notas fiscais, declarações de estoque e selos de controle emitidos pela Receita Federal.

Ainda que o objetivo fosse arrecadatório, o Sicobe construiu para o governo federal uma base de dados organizada e capaz de, no caso de alguma emergência sanitária — tal como agora, com a contaminação por metanol —, facilitar a rastreabilidade da bebida que circulava no mercado. Mas isso mudou em 2016, com a edição do Ato Declaratório Executivo 75, pelo qual a própria Receita Federal suspendeu o Sicobe. O  Art. 1º é sucinto: "Ficam os estabelecimentos industriais envasadores de bebidas, relacionados no anexo único deste ato, desobrigados — a partir de 13 de dezembro de 2016 — da utilização do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) de que trata a Instrução Normativa RFB nº 869, de 2008".

Removido o Sicobe, passa a vigorar a autodeclaração da produção, pela qual, a rigor, permite-se que qualquer coisa seja registrada. O sistema saiu de cena a título de "simplificação tributária", "redução da burocracia", que, claro, "impactam nos custos de produção". O curioso é que o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Sicobe fosse retomado, mas a própria União foi contra ao alegar que geraria um impacto fiscal de aproximadamente R$ 2 bilhões anuais. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Cristiano Zanin deu ganho de causa ao governo.

O tamanho da produção de bebidas no Brasil é impreciso. Pior: uma pesquisa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares de São Paulo (Fhoresp) estima que 36% das bebidas no Brasil são falsificadas, fraudadas ou contrabandeadas — a vodca é a mais adulterada. Ou seja, praticamente um terço do que é oferecido ao público em todo o país — mais três em cada 10 bebidas servidas. E o que é utilizado nessas misturas? Qualquer coisa, inclusive metanol.

Descreve-se, assim, o imenso buraco da desídia administrativa, que mata e incapacita.

Metanol exige ação coordenada federal, estadual e municipal

Por O Globo

Intoxicação é suspeita de ter provocado pelo menos nove mortes em São Paulo e Pernambuco, sem que se conheçam culpados

A intoxicação por metanol em bebida alcoólica é suspeita de ter provocado ao menos seis mortes em São Paulo, com pelo menos dez episódios confirmados e 27 em investigação. Em Pernambuco, autoridades investigam quatro casos suspeitos, com três mortes. O Ministério da Saúde reconhece que esses números revelam uma situação anormal. Só os registros em São Paulo em setembro equivalem à metade da média anual em todo o país. A contaminação em duas regiões, mesmo que restrita, impõe dificuldades e traz dúvidas. O mais importante é que haja coordenação entre todas as esferas de governo para debelar os focos e chegar aos responsáveis.

O perfil das vítimas, de acordo com o ministro Alexandre Padilha, foge ao habitual. Casos do tipo, diz ele, costumam estar associados à ingestão acidental do produto venenoso por desavisados. Nos episódios recentes, as vítimas tomaram bebidas alcoólicas em bares ou estabelecimentos comerciais, alguns em áreas nobres de São Paulo. Para os consumidores, é praticamente impossível perceber a adulteração pelo olfato ou paladar. Daí os relatos estarrecedores. Uma mulher de 43 anos precisou ser internada depois de tomar três caipirinhas com vodca numa confraternização — e perdeu a visão. Outros pacientes ficaram cegos ou em coma. Os efeitos do metanol podem variar, dependendo da quantidade ingerida e da suscetibilidade da vítima, mas costumam ser devastadores. Além de dor de cabeça, náuseas, vômitos e dores abdominais, ele pode levar à cegueira e à morte. O socorro precisa ser o mais rápido possível — e é fundamental que unidades de saúde tenham antídotos para reverter os danos ao organismo.

Diversas dúvidas precisam ser esclarecidas sobre a origem e os motivos da contaminação. Em agosto, uma operação em São Paulo para asfixiar as finanças do Primeiro Comando da Capital (PCC) revelou que os criminosos usavam metanol para adulterar combustíveis e aumentar seus lucros. Inicialmente, cogitou-se que o PCC era culpado pela venda de bebidas adulteradas. Na terça-feira, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou não haver evidência disso. A Polícia Federal disse, porém, que nada pode ser descartado. Se criminosos adulteram bebidas com um produto que mata, o fato é gravíssimo.

Em meio às incertezas, são positivas as ações deflagradas pelas autoridades nos últimos dias para fechar destilarias clandestinas, investigar estabelecimentos que venderam bebidas contaminadas e identificar a origem dos produtos responsáveis por mortes e internações. É preciso reconstituir todo o caminho deles, da produção à venda, para descobrir onde estão as falhas. É correta também a decisão do Ministério da Saúde de tornar obrigatórias as notificações de casos suspeitos ou confirmados de intoxicação por metanol. Isso permitirá conhecer os focos.

É fundamental investigar, identificar e punir os culpados por esses crimes. Tão importante quanto isso é mapear a origem das bebidas adulteradas, para impedir que sejam consumidas e continuem a fazer vítimas. Como o problema não está restrito a São Paulo, é necessária ação nacional coordenada envolvendo diferentes níveis de governo. Pela gravidade do caso, não é hora de disputas políticas pelo protagonismo na investigação, como infelizmente tem ocorrido. Quanto mais rápido as autoridades descobrirem a origem do problema, mais vidas serão poupadas.

Vetos de Lula são insuficientes para restaurar força da Lei da Ficha Limpa

Por O Globo

Presidente sancionou mudança que alivia critérios de inelegibilidade para criminosos condenados

A Lei da Ficha Limpa continua enfraquecida, mesmo depois dos vetos impostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva às mudanças recentes promovidas nela pelo Congresso. Antes, políticos condenados por órgãos colegiados ficavam inelegíveis por oito anos, contados a partir do fim do cumprimento da pena. Para diversos crimes, o Parlamento aliviou esse critério — os oito anos de inelegibilidade passaram a contar do momento da condenação. Lula sancionou essa mudança. Levando em conta a morosidade da Justiça para tomar sua decisão final, isso acabará reduzindo substancialmente a punição no caso de condenações por crimes contra a economia popular, patrimônio público, patrimônio privado, meio ambiente, crimes eleitorais e abuso de autoridade.

Lula vetou apenas o trecho relativo a condenações eleitorais por abuso de poder econômico e político, mas a jurisprudência em vigor no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) torna esse veto inócuo. Outro trecho vetado impede que os efeitos da lei sejam retroativos, em benefício de políticos já condenados ou já cassados. É uma garantia de maior segurança jurídica, mas, novamente, a interpretação vigente em casos desse tipo, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), já é essa. Na prática, também foi outro veto inócuo. “Mesmo com os vetos, o texto desfigura o coração da Lei da Ficha Limpa, estabelecendo reduções generalizadas nos prazos de inelegibilidade, além de aliviar substancialmente sua forma de contagem”, afirmou em nota o Instituto Não Aceito Corrupção.

Felizmente o Senado havia aprovado uma emenda reduzindo a relação de crimes para os quais a inelegibilidade valerá a partir do momento da condenação. Para crimes contra a administração pública, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo, tratamento análogo à escravidão, crimes contra a vida e dignidade sexual ou crimes praticados por organizações criminosas, quadrilha ou bando continua valendo a regra original. Apesar disso, a lei sai bastante enfraquecida, sobretudo no que diz respeito aos crimes eleitorais.

A Lei da Ficha Limpa resultou de uma proposta de iniciativa popular que contou com 1,6 milhão de assinaturas e se tornou, nas palavras de seu idealizador, o jurista Márlon Reis, “a mais eficiente ferramenta jurídica já construída no Brasil para deter a corrupção”. Infelizmente os vetos de Lula são insuficientes para restaurar sua força, e prevalece no texto sancionado a visão corporativista do Parlamento na defesa do interesse dos políticos. No momento em que o Brasil toma consciência do risco da infiltração das instituições por organizações criminosas, é hora de fortalecer os mecanismos capazes de evitar isso, além de criar outros — e não de enfraquecer aquilo que funciona.

 PF vai investigar adulteração de bebidas

Por O Povo (CE)

Será imperdoável se a questão principal, a de acabar com essa prática ilegal e prender os responsáveis pelos danos causados, for sobreposta por mesquinhas disputas ideológicas ou partidárias

A adulteração de bebidas alcoólicas destiladas, com o uso de metanol, substância altamente tóxica, parecia restrita ao estado de São Paulo. No entanto, com o surgimento de três casos em Pernambuco, o episódio começa a ganhar contornos nacionais.

Se a situação já era preocupante, torna-se agora mais grave, exigindo trabalho conjunto de autoridades locais e federais para resolver o caso. Pelo menos cinco mortes decorrentes do consumo de bebidas com o produto tóxico foram registradas.

Quanto à investigação, existe divergência entre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o diretor da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues.

O governo paulista descarta a participação do crime organizado na adulteração das bebidas. Segundo Tarcísio, algumas destilarias clandestinas identificadas pela polícia não tinham relação entre elas.

Para o superintendente da Polícia Federal, essa possibilidade está aberta: "A investigação dirá se tem conexões com o crime organizado", disse ele.

Em casos assim, o melhor é não afastar nenhuma hipótese, até a conclusão das investigações, ainda mais quando se sabe que as facções diversificaram sua atuação, inclusive infiltrando-se na economia formal.

Recentemente, a operação Carbono Oculto, da PF, descobriu que o Primeiro Comando da Capital (PCC) utilizava uma rede de postos de gasolina para lavar dinheiro — e ainda importava metanol para misturar o produto no combustível para aumentar o lucro. No entanto, isso também não autoriza um vínculo automático com o caso da contaminação de bebidas.

Independentemente das avaliações divergentes, o importante é a união de forças para evitar que mais pessoas consumam produtos contaminados. O Ministério da Saúde determinou que todos os casos suspeitos de intoxicação sejam notificados ao Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde, antes mesmo da confirmação do diagnóstico, ajudando a prevenir novos casos.

As autoridades de saúde pública também recomendam que bebidas alcoólicas sejam adquiridas apenas em estabelecimentos confiáveis, verificando o lacre de segurança e possíveis irregularidades no rótulo do produto.

Também preciso ficar atento ao comportamento das autoridades políticas que vão lidar com o caso, em qualquer nível. Seria inaceitável que um assunto dessa gravidade, um crime que põe em risco a integridade física e a vida das pessoas, se transformasse em motivo de disputas políticas. Possíveis divergências metodológicas quanto ao tratamento do assunto, devem ser debatidas em seu nível técnico.

Será imperdoável se a questão principal, a de acabar com essa prática ilegal e prender os responsáveis pelos danos causados, for sobreposta por mesquinhas disputas ideológicas ou partidárias.

 


 

 

 

 

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