O STF pode se reformar por dentro
Por O Estado de S. Paulo
Estudo da Fundação FHC mostra que o Supremo
tem como resgatar a colegialidade, a clareza dos precedentes e a ética
institucional sem precisar esperar que o Congresso faça alguma reforma
Há tempos o Supremo Tribunal Federal (STF)
deixou de ser apenas a mais alta Corte do País e se tornou um protagonista
político hipertrofiado e sobrecarregado. Decisões monocráticas prevalecem sobre
o debate colegiado. Inquéritos heterodoxos se arrastam por anos. Voluntarismos
interpretativos fabricam “constituições paralelas”. A pretexto de “omissões”
dos outros Poderes, o STF edita leis e dita políticas públicas, precipitando
corrosão institucional e repulsa social.
Parte do problema está nos vícios de origem da Constituição, que atribuiu ao STF competências tão vastas quanto difusas. Mas a crise se deve, sobretudo, à forma como os ministros exercem esse poder. Falta sobriedade, autocontenção, respeito aos limites éticos da magistratura. Acrescente-se a isso a litigância abusiva de partidos que tentam reverter com sentenças o que perderam no voto.
Assim, o STF, que deveria ser fiador do
Estado de Direito, é visto por muitos como ameaça à sua integridade. No século
20, as Forças Armadas se auto-outorgaram a tarefa de “corrigir” os rumos da
política, com resultados conhecidos. No século 21, o STF parece vestir esse
figurino em versão togada: árbitro de tudo, responsável por “recivilizar” o
País – à custa da erosão da democracia representativa.
Não é necessário aguardar reformas legais
para sanear esse “estado de coisas inconstitucional”. Remédios urgentes estão
ao alcance da Corte. Essa é a mensagem do relatório A Responsabilidade pela Última Palavra,
elaborado pela Fundação FHC a partir da opinião de juristas e cientistas
sociais, que propõe três eixos de reformas exequíveis por meio de resoluções
internas.
O primeiro é o aperfeiçoamento do processo
decisório. O STF precisa frear o ativismo de seus ministros. Isso significa
restringir severamente as decisões monocráticas, delimitar pedidos de vista e
devolver à colegialidade o que lhe pertence. Significa ainda ordenar a pauta de
maneira transparente e racional e reformar o plenário virtual para que seja
instrumento eficiente com controle recíproco, e não de opacidade.
O segundo eixo é a qualificação do sistema de
precedentes. A Corte deve falar com uma só voz. Precedentes precisam ser
estáveis, compreensíveis e vinculantes, sob pena de o Tribunal se tornar uma
loteria hermenêutica. É preciso padronizar ementas, identificar com clareza a
tese decisória e exigir fundamentação robusta para qualquer superação. Assim se
constrói segurança jurídica e previsibilidade a cidadãos, empresas e
instituições.
O terceiro eixo é o fortalecimento da
reputação pública. Um Código de Conduta é indispensável: ministros não podem se
expor em eventos patrocinados por atores políticos ou econômicos que litigam ou
podem vir a litigar na Corte, muito menos se engajar em manifestações de
militância partidária. Regras de impedimento e suspeição precisam ser claras e
respeitadas. A comunicação deve ser institucional e colegiada, não personalista.
A confiança da opinião pública depende menos de declarações solenes e mais de
comportamentos discretos, éticos e consistentes.
Essas três frentes não são utopias
acadêmicas. São medidas concretas que o STF pode adotar já, sem depender de
ações e retaliações dos outros Poderes. Ao fazê-lo, estará não só preservando a
sua autoridade, mas também resgatando o equilíbrio do sistema republicano.
Ao assumir a presidência do STF, o ministro
Edson Fachin acenou claramente nessa direção, reiterando aquele que desponta
como o lema de sua gestão: “Ao Direito o que é do Direito; à política o que é
da política”. Mas, para dimensionar o tamanho do desafio, basta pensar que seu
predecessor foi o “iluminista-em-chefe”, Luís Roberto Barroso, e seu sucessor
será o “delegado-geral da democracia”, Alexandre de Moraes.
Cada decisão monocrática voluntarista, cada
inquérito sem fim, cada gesto de arrogância institucional esfarela mais um
tijolo da legitimidade da Corte. É preciso que os ministros entendam: a melhor
maneira de defender o STF contra ataques externos é erradicar arbítrios
internos. Se o Supremo continuar a trilhar o caminho da onipotência, deixará de
ser guardião da Constituição para se tornar réu da História.
A precária situação fiscal dos municípios
Por O Estado de S. Paulo
Mesmo com uma chuva de recursos, 36% das
cidades do País têm situação fiscal difícil ou crítica, o que só reforça a
necessidade de um plano urgente para viabilização econômica dos municípios
Mais de um terço dos municípios brasileiros
está em situação fiscal difícil ou crítica, revela o Índice Firjan de Gestão
Fiscal (IFGF), da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Ou
seja, são cidades incapazes de se sustentar com recursos próprios.
Com pontuação que varia de zero a um, o IFGF
é composto por quatro indicadores – autonomia, gastos com pessoal,
investimentos e liquidez. Municípios com resultado abaixo de 0,4 ponto são
entendidos como em situação fiscal crítica, enquanto aqueles com índice entre
0,4 e 0,6 ponto são os que enfrentam dificuldades. Já as cidades com nota entre
0,6 e 0,8 estão em situação boa. Por fim, pontuação acima de 0,8 indica gestão
fiscal excelente.
Vitória, capital do Espírito Santo, é a única
do País com IFGF máximo (nota 1), enquanto Cuiabá, no Mato Grosso, foi a
capital com pior resultado (0,5237). Na média, as capitais tiveram IFGF de
0,7888, contra 0,6531 dos 5.129 municípios do País avaliados pela Firjan, nos
quais residem 95,6% da população brasileira.
Um alarmante número de 1.282 cidades não
produz receita suficiente para pagar nem mesmo os salários dos prefeitos e dos
vereadores. Ao mesmo tempo, 540 prefeituras comprometem mais de 54% de seus
orçamentos com o pagamento de salários e aposentadorias; destas, 131
ultrapassam o teto da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com
pessoal, que é de 60%.
Assustadores, os dados escancaram a
existência de municípios inviáveis do ponto de vista econômico, sendo
extremamente dependentes do dinheiro da União. E tudo isso em um cenário muito
favorável do lado das receitas. No ano passado, o Fundo de Participação dos
Municípios (FPM) alcançou o maior valor da série histórica: R$ 177 bilhões.
Além disso, repasses por meio de outras fontes, como as famigeradas emendas
parlamentares, têm chovido na horta dos municípios.
O momento das receitas municipais é de ouro,
como classificou a Firjan. Mesmo assim, 36% das cidades brasileiras têm quadro
fiscal crítico ou difícil, e a tendência é de que a situação, que já é ruim,
venha a piorar, uma vez que a enxurrada de recursos hoje destinada às cidades
não tem caráter permanente – as expectativas para o crescimento do PIB, por
sinal, são de desaceleração. Ademais, o IFGF demonstra que, isoladamente, o
elevado montante de recursos atualmente destinado a municípios não elimina
problemas estruturais nem desigualdades.
Nesse sentido, um estudo da Warren
Investimentos, que analisou as finanças das prefeituras brasileiras entre 2010
e 2024, é demolidor. Cada vez mais dependentes de repasses da União, os
municípios usam mais recursos para contratar pessoal do que para investir,
criando despesas rígidas em vez de, por exemplo, fomentarem atividades
econômicas que tragam retornos financeiros. A arrecadação aumentou, mas os gastos
subiram ainda mais, fazendo com que as prefeituras registrassem déficit de 0,3%
do PIB em 2024.
De acordo com o economista-chefe da Warren,
Felipe Salto, os municípios são os entes mais expansionistas entre os três
níveis de governo, o que dificulta a gestão de política fiscal por parte da
União, que não tem nenhuma autoridade sobre as contas municipais.
Diante de tal quadro, é urgente a revisão das
regras que acabaram por incentivar a criação de municípios no País, no mais das
vezes um subterfúgio para o atendimento exclusivo dos interesses escusos que
grassam no Brasil.
Mas há problemas em muitas outras frentes,
que exigem atenção plena, embora o Congresso Nacional esteja cada vez mais
capturado por interesses que nada têm a ver com os dos cidadãos. Faltam
planejamento e incentivo para que as cidades reduzam seus gastos com pessoal e
aumentem o investimento no bem-estar dos munícipes.
Não menos importante, as discussões em
andamento no Congresso sobre a reforma tributária deveriam ser encaradas como
uma oportunidade para que as regras de distribuição de recursos do FPM sejam
revistas. A divisão do fundo com bases em critérios meramente populacionais,
por exemplo, é equivocada, uma vez que cidade pequena não é necessariamente
cidade pobre, como argumenta a Firjan.
Como morrem as ‘campeãs nacionais’
Por O Estado de S. Paulo
Antecipação de falência da Oi é o retrato do
fracasso dos planos delirantes do lulopetismo
A Justiça do Rio de Janeiro determinou a
antecipação parcial dos efeitos da falência da Oi. Foram decretadas a suspensão
do pagamento dos débitos da empresa e a destituição do conselho de
administração e da diretoria, que será substituída por interventores para a
transição da prestação de serviços essenciais. A empresa está em seu segundo
processo de recuperação judicial em nove anos. No primeiro pedido, em 2016,
declarou dívidas de R$ 65,4 bilhões; em 2023, em novo pedido, a dívida era de
R$ 44,3 bilhões.
O ocaso da “supertele nacional” – como a
operadora foi batizada por Lula da Silva em 2008, em seu segundo mandato
presidencial, quando alterou por decreto o Plano Geral de Outorgas para
permitir a compra da Brasil Telecom (BrT) pela Telemar – é o retrato da
estupidez de pretender fabricar, por provimento governamental, empresas
“campeãs nacionais”. Um plano fracassado que direcionou centenas de bilhões de
reais do Estado a empresas “companheiras”.
No dia seguinte à ordem expedida pela juíza
Simone Gastesi Chevrand, da 7.ª Vara Empresarial do Rio, a Oi entrou com pedido
de liminar contra a decisão que, segundo alega, implica na “convolação da
principal recuperação judicial da América Latina”. Acostumada a ser socorrida
por medidas que garantiram a continuidade de sua operação, parece estar à
espera de uma nova ajuda governamental.
É fato que o processo que deu origem à Oi
começou errado desde o primeiro instante, na privatização do Sistema Telebras.
O consórcio que adquiriu a então Telemar contraiu empréstimos bilionários no
BNDES para financiar a compra, o que foi feito com a colaboração do governo
Fernando Henrique Cardoso para evitar o fracasso da venda.
O endividamento passou a ser a marca da
gestão da empresa e piorou quando, dez anos depois da privatização, o decreto
de Lula autorizou – com o apoio fundamental de fundos de pensão de estatais – a
fusão de duas operadoras igualmente endividadas, Telemar e BrT, para atuar em
todo o território brasileiro. Essa foi a base da “supertele” de capital
nacional com que Lula imaginou barrar o que considerava uma invasão estrangeira
no setor.
Em agosto de 2019, quando a manchete do Estadão noticiou, em
primeira mão, que o caixa da Oi – já em sua primeira recuperação judicial –
chegara ao “mínimo necessário” e a Anatel estudava a intervenção, este jornal
sentenciava que a cassação da concessão seria a solução menos dolorosa aos
contribuintes. Seis anos se passaram e o calvário só piorou.
Ainda em 2019, o novo marco regulatório autorizou a migração das operadoras do regime de concessão de telefonia fixa para o de autorização. Uma das consequências foi o aval para a venda dos chamados bens reversíveis, como prédios e infraestrutura de prestação de serviços. Como maior operadora de telefonia fixa, a Oi foi também a que tirou mais proveito do novo marco. Na decisão em que antecipou os efeitos de uma falência, a juíza citou preocupação com o esvaziamento patrimonial da empresa. Que o fim agonizante da “supertele” sirva de lição aos megalômanos.
Trump imita Venezuela e tenta subverter as
Forças Armadas
Por Folha de S. Paulo
Presidente exige de generais lealdade a
valores da direita populista e usa tropas contra cidades americanas
Foi o que fez a esquerda chavista, culminando
na ditadura de Maduro; ironicamente, ela mesma ameaçada de ataques diretos
pelos EUA
Para alguém que nunca serviu às Forças
Armadas, o americano Donald Trump demonstra
um apreço especial à ritualística militar.
Coalhou o Salão Oval com símbolos bélicos e
promoveu no seu aniversário o maior desfile fardado em décadas na capital,
Washington. Ao reunir-se com Vladimir Putin no Alasca, montou um show aéreo
para impressionar o russo, ele próprio acostumado a exibições do tipo em casa.
Trump lidera a maior potência bélica da história,
que consome 40% dos recursos de defesa do planeta. Tal musculatura é lustrada
pelo legalismo de um estamento que, desde a Guerra Civil finda em 1865, não vê
viabilidade para rupturas em seus quadros.
Fiel ao seu projeto de demolição do edifício
da democracia americana, o republicano
promoveu uma pantomima inédita na terça (30), convocando todos os
cerca de 800 oficiais-generais sob seu comando para uma reunião.
Nela, ele e seu agora renomeado secretário da
Guerra, Pete Hegseth, protagonizaram um espetáculo em que a
fanfarronice exemplificada pela crítica ao sobrepeso de generais escamoteia
um aspecto perverso do trumpismo: a tentativa de dobrar as hostes armadas a
seus caprichos.
Hegseth foi direto: "Se as palavras que
eu digo hoje estão deixando seus corações apertados, então vocês deveriam fazer
a coisa honrada e renunciar".
Como já expurgou mais de uma dúzia de
militares de alto escalão, notadamente negros e mulheres, o secretário insinua
um movimento mais amplo de indicação de alinhados ao projeto da direita
populista americana.
Foi exatamente isso que fez a esquerda
chavista na Venezuela,
culminando na ditadura de Nicolás
Maduro —ironicamente, ela mesma
ameaçada de ataques diretos pelos Estados
Unidos.
Trump ainda desenhou planos. Disse que seu
país está "sob uma invasão interna" e que os militares usariam as
"cidades inseguras como campo de treinamento", referência aos
polêmicos envios de tropas a lugares que considera tomados pelo crime.
Não por acaso, já foram e serão alvos da ação
cidades governadas pela oposição democrata. Num país cuja unidade foi forjada
no combate à secessão, o que se insinua é preocupante.
No primeiro mandato, o alto escalão fardado
foi essencial para conter os impulsos golpistas de Trump, chamado
posteriormente de "aspirante a ditador" pelo general mais graduado do
país. Agora, os freios e contrapesos ainda não seguraram o republicano, apesar
de a Constituição exigir militares apolíticos.
O belicismo do presidente não parece
constrangido pelo caos de sua gestão. Enquanto a Casa Branca defende ampliação
das Forças, o governo paralisa suas atividades devido à falta de consenso em
torno do Orçamento.
Em tal cenário, fica a dúvida se a investida de Trump será esvaziada pela ligeireza com que trata temas sérios ou se prosperará em meio à confusão reinante.
Impasse de orçamento nos EUA paralisa
serviços e adia dados
Por Valor Econômico
Com Donald Trump mais irredutível e agressivo
em relação à oposição, não se sabe quanto tempo durará a suspensão dos serviços
não essenciais
As atividades do governo americano começaram
a ser paralisadas ontem, depois que democratas e republicanos não chegaram a um
acordo para liberar os recursos do Orçamento do ano fiscal de 2026, que começou
em 1 de outubro. O impasse orçamentário tornou-se rotineiro, mas tem se
agravado com a radicalização política partidária. Os mercados financeiros
praticamente não reagiram à interrupção dos serviços, que, nos episódios
passados, não causou prejuízos relevantes à economia. Com Donald Trump mais
irredutível no segundo mandato, e muito mais agressivo em relação à oposição,
não se sabe quanto tempo durará a suspensão dos serviços não essenciais.
Paralisações “normais” costumam custar 0,1%
do PIB por semana, segundo o Comitê de Orçamento do Congresso, ou 0,1% a 0,2%,
de acordo com consultorias privadas, como a Oxford Economics. Segundo o comitê,
o último “shutdown” trouxe US$ 11 bilhões em perdas públicas e privadas, das
quais US$ 3 bilhões não eram recuperáveis. Perdas monetárias, no entanto,
significam apenas uma fração dos problemas que paradas súbitas e recorrentes do
funcionamento do Estado trazem — as repercussões políticas são frequentemente
mais importantes.
Disposto a todo tipo de confronto legal, o
presidente Trump disse que a paralisação lhe permitirá fazer demissões em
massa, em uma sequência que começou com os cortes massivos e sem critério da
gestão do bilionário Elon Musk no Departamento de Eficiência Governamental. O
departamento de Orçamento do governo emitiu um comunicado às agências federais
para que “usem esta oportunidade para considerar redução na força de trabalho”.
A intenção evidente de Trump é culpar os democratas por sua intransigência, que
culminaria com vários males se abatendo sobre a população, a começar por
milhares de postos de trabalho fechados.
Não será fácil, entretanto, atribuir a
disputa à tenacidade dos democratas em enfrentar o governo, que faz falta há um
bom tempo. A “bela” lei orçamentária de Trump que o Congresso, com maioria
republicana nas duas Casas, aprovou pressupõe redução de impostos para empresas
e faixas de maior renda da população, e cortes de serviços públicos para as de
menor renda. Trump pediu que o financiamento no montante atual permanecesse até
21 de novembro, prazo no qual os dois partidos poderiam chegar a um acordo, mas
os democratas colocaram como condições para isso a prorrogação dos créditos que
permitem que o seguro saúde seja acessível a milhões de americanos — eles
expiram no fim do ano — e a revogação dos cortes no Medicare, seguro de saúde
federal para pessoas acima de 65 anos e deficientes.
Enquanto o impasse persistir, estima-se que
750 mil funcionários públicos serão dispensados, sem remuneração, da mesma
forma que os de serviços essenciais, como segurança, continuarão trabalhando,
sem salário. Em geral, com a normalização dos serviços, os salários atrasados
são pagos. A estimativa é que a paralisação custará US$ 400 milhões por dia.
As bolsas americanas deixaram de lado o
início da paralisação — tiveram alta discreta —, e os títulos do Tesouro de 10
anos caíram 0,6%, para 4,13%. Os efeitos imediatos não costumam ser
significativos, mas crescem à medida que o conflito se prolonga. A disputa
orçamentária causa menos preocupação que a disputa pelo aumento do teto da
dívida pública, que já obrigou o Tesouro a interromper emissão de dívidas e
pagamentos das repartições do Estado, podendo, potencialmente, trazer um calote
aos detentores dos títulos.
As divergências orçamentárias e sobre o
montante da dívida — que foi ampliado em US$ 5 trilhões, para US$ 41,5 trilhões
em julho — colocaram uma sombra de dúvidas sobre a capacidade de o sistema
político americano funcionar em seus aspectos mais básicos, como chegar a um
acordo sobre como verbas públicas serão gastas e até onde o governo pode se
endividar para cumprir suas obrigações com os cidadãos. A ameaça de um calote
do Tesouro americano, cujas títulos sempre foram os mais seguros do mundo, pelo
menos até Trump assumir de novo a Presidência, passou a ser levada a sério. As
agências de classificação de risco rebaixaram os títulos soberanos americanos
em 2023 (Fitch) e 2025 (Moody’s).
Discordantes quanto às prioridades da
alocação de despesas, democratas e republicanos têm em comum a disposição para
elevar o déficit público e o endividamento. A dívida pública, que em 1996 era
de US$ 5,2 trilhões (65% do PIB), chegou este ano a US$ 37 trilhões, ou 127% do
PIB. O aumento traz juros mais altos no longo prazo e desconfianças crescentes
sobre sua sustentabilidade.
De imediato, a paralisação interrompe a divulgação de estatísticas, em um momento de definição do rumo dos juros nos EUA. Os dados sobre emprego, que seriam apresentados na sexta, foram adiados. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) aguarda mais informações sobre o mercado de trabalho para decidir se faz mais cortes de juros, pois se baseou no seu enfraquecimento para começar a reduzi-los em sua última reunião. Mercados e Fed ficarão no escuro para tomar decisões enquanto o impasse perdurar.
O resultado do descaso: metanol vendido em
bebidas
Por Correio Braziliense
O tamanho da produção de bebidas no Brasil é
impreciso. Pior: uma pesquisa estima que 36% das bebidas no Brasil são
falsificadas, fraudadas ou contrabandeadas
Tragédias são uma equação que reúne sempre as
variantes descompromisso, descontrole, negligência, irresponsabilidade e
corrupção. As mortes de seis pessoas em São Paulo e agora a suspeita de três
óbitos em Pernambuco e de outros 36 casos de intoxicação também em terras
paulistas por consumo de bebida adulterada com metanol têm esses elementos.
Aliás, uma marca das administrações públicas — habituadas a não se anteciparem
aos danos por conta da lógica acaciana de que, se não há problema, nada há a
prevenir.
Prevenção, aliás, é considerada um gasto
inútil neste país, e a não antecipação ao dano está diretamente relacionada ao
que se vê agora. Em 2008, foi criado o Sistema de Controle de Bebidas (Sicobe)
para coibir a sonegação de impostos praticada por fabricantes. Equipamentos
instalados nas linhas de produção possibilitavam o acompanhamento do volume
envasado. Bastava, assim, cruzar esses dados com notas fiscais, declarações de
estoque e selos de controle emitidos pela Receita Federal.
Ainda que o objetivo fosse arrecadatório, o
Sicobe construiu para o governo federal uma base de dados organizada e capaz
de, no caso de alguma emergência sanitária — tal como agora, com a contaminação
por metanol —, facilitar a rastreabilidade da bebida que circulava no mercado.
Mas isso mudou em 2016, com a edição do Ato Declaratório Executivo 75, pelo
qual a própria Receita Federal suspendeu o Sicobe. O Art. 1º é sucinto:
"Ficam os estabelecimentos industriais envasadores de bebidas, relacionados
no anexo único deste ato, desobrigados — a partir de 13 de dezembro de 2016 —
da utilização do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) de que
trata a Instrução Normativa RFB nº 869, de 2008".
Removido o Sicobe, passa a vigorar a
autodeclaração da produção, pela qual, a rigor, permite-se que qualquer coisa
seja registrada. O sistema saiu de cena a título de "simplificação
tributária", "redução da burocracia", que, claro, "impactam
nos custos de produção". O curioso é que o Tribunal de Contas da União
(TCU) determinou que o Sicobe fosse retomado, mas a própria União foi contra ao
alegar que geraria um impacto fiscal de aproximadamente R$ 2 bilhões anuais. A
questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), e o ministro Cristiano Zanin
deu ganho de causa ao governo.
O tamanho da produção de bebidas no Brasil é
impreciso. Pior: uma pesquisa da Federação de Hotéis, Restaurantes e Bares de
São Paulo (Fhoresp) estima que 36% das bebidas no Brasil são falsificadas,
fraudadas ou contrabandeadas — a vodca é a mais adulterada. Ou seja,
praticamente um terço do que é oferecido ao público em todo o país — mais três
em cada 10 bebidas servidas. E o que é utilizado nessas misturas? Qualquer
coisa, inclusive metanol.
Descreve-se, assim, o imenso buraco da desídia administrativa, que mata e incapacita.
Metanol exige ação coordenada federal,
estadual e municipal
Por O Globo
Intoxicação é suspeita de ter provocado pelo
menos nove mortes em São Paulo e Pernambuco, sem que se conheçam culpados
A intoxicação por metanol em bebida alcoólica
é suspeita de ter provocado ao menos seis mortes em São Paulo, com pelo
menos dez episódios confirmados e 27 em investigação. Em Pernambuco,
autoridades investigam quatro casos suspeitos, com três mortes. O Ministério
da Saúde reconhece que esses números revelam uma situação anormal. Só
os registros em São Paulo em setembro equivalem à metade da média anual em todo
o país. A contaminação em duas regiões, mesmo que restrita, impõe dificuldades
e traz dúvidas. O mais importante é que haja coordenação entre todas as esferas
de governo para debelar os focos e chegar aos responsáveis.
O perfil das vítimas, de acordo com o
ministro Alexandre
Padilha, foge ao habitual. Casos do tipo, diz ele, costumam estar
associados à ingestão acidental do produto venenoso por desavisados. Nos
episódios recentes, as vítimas tomaram bebidas alcoólicas em bares ou
estabelecimentos comerciais, alguns em áreas nobres de São Paulo. Para os
consumidores, é praticamente impossível perceber a adulteração pelo olfato ou
paladar. Daí os relatos estarrecedores. Uma mulher de 43 anos precisou ser
internada depois de tomar três caipirinhas com vodca numa confraternização — e
perdeu a visão. Outros pacientes ficaram cegos ou em coma. Os efeitos do metanol
podem variar, dependendo da quantidade ingerida e da suscetibilidade da vítima,
mas costumam ser devastadores. Além de dor de cabeça, náuseas, vômitos e dores
abdominais, ele pode levar à cegueira e à morte. O socorro precisa ser o mais
rápido possível — e é fundamental que unidades de saúde tenham antídotos para
reverter os danos ao organismo.
Diversas dúvidas precisam ser esclarecidas
sobre a origem e os motivos da contaminação. Em agosto, uma operação em São
Paulo para asfixiar as finanças do Primeiro Comando da Capital (PCC) revelou
que os criminosos usavam metanol para adulterar combustíveis e aumentar seus
lucros. Inicialmente, cogitou-se que o PCC era culpado pela venda de bebidas
adulteradas. Na terça-feira, o governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos), afirmou não haver evidência disso. A
Polícia Federal disse, porém, que nada pode ser descartado. Se criminosos
adulteram bebidas com um produto que mata, o fato é gravíssimo.
Em meio às incertezas, são positivas as ações
deflagradas pelas autoridades nos últimos dias para fechar destilarias
clandestinas, investigar estabelecimentos que venderam bebidas contaminadas e
identificar a origem dos produtos responsáveis por mortes e internações. É
preciso reconstituir todo o caminho deles, da produção à venda, para descobrir
onde estão as falhas. É correta também a decisão do Ministério da Saúde de
tornar obrigatórias as notificações de casos suspeitos ou confirmados de
intoxicação por metanol. Isso permitirá conhecer os focos.
É fundamental investigar, identificar e punir os culpados por esses crimes. Tão importante quanto isso é mapear a origem das bebidas adulteradas, para impedir que sejam consumidas e continuem a fazer vítimas. Como o problema não está restrito a São Paulo, é necessária ação nacional coordenada envolvendo diferentes níveis de governo. Pela gravidade do caso, não é hora de disputas políticas pelo protagonismo na investigação, como infelizmente tem ocorrido. Quanto mais rápido as autoridades descobrirem a origem do problema, mais vidas serão poupadas.
Vetos de Lula são insuficientes para restaurar força da Lei da Ficha
Limpa
Por O Globo
Presidente sancionou mudança que alivia
critérios de inelegibilidade para criminosos condenados
A Lei da Ficha Limpa continua enfraquecida,
mesmo depois dos vetos impostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva às mudanças recentes promovidas nela pelo Congresso. Antes, políticos
condenados por órgãos colegiados ficavam inelegíveis por oito anos, contados a
partir do fim do cumprimento da pena. Para diversos crimes, o Parlamento
aliviou esse critério — os oito anos de inelegibilidade passaram a contar do
momento da condenação. Lula sancionou essa mudança. Levando em conta a
morosidade da Justiça para tomar sua decisão final, isso acabará reduzindo
substancialmente a punição no caso de condenações por crimes contra a economia
popular, patrimônio público, patrimônio privado, meio ambiente, crimes
eleitorais e abuso de autoridade.
Lula vetou apenas o trecho relativo a
condenações eleitorais por abuso de poder econômico e político, mas a
jurisprudência em vigor no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) torna esse veto
inócuo. Outro trecho vetado impede que os efeitos da lei sejam retroativos, em
benefício de políticos já condenados ou já cassados. É uma garantia de maior
segurança jurídica, mas, novamente, a interpretação vigente em casos desse
tipo, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), já é essa. Na prática,
também foi outro veto inócuo. “Mesmo com os vetos, o texto desfigura o coração
da Lei da Ficha Limpa, estabelecendo reduções generalizadas nos prazos de
inelegibilidade, além de aliviar substancialmente sua forma de contagem”,
afirmou em nota o Instituto Não Aceito Corrupção.
Felizmente o Senado havia aprovado uma emenda
reduzindo a relação de crimes para os quais a inelegibilidade valerá a partir
do momento da condenação. Para crimes contra a administração pública, lavagem
de dinheiro, tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo, tratamento
análogo à escravidão, crimes contra a vida e dignidade sexual ou crimes
praticados por organizações criminosas, quadrilha ou bando continua valendo a
regra original. Apesar disso, a lei sai bastante enfraquecida, sobretudo no que
diz respeito aos crimes eleitorais.
A Lei da Ficha Limpa resultou de uma proposta de iniciativa popular que contou com 1,6 milhão de assinaturas e se tornou, nas palavras de seu idealizador, o jurista Márlon Reis, “a mais eficiente ferramenta jurídica já construída no Brasil para deter a corrupção”. Infelizmente os vetos de Lula são insuficientes para restaurar sua força, e prevalece no texto sancionado a visão corporativista do Parlamento na defesa do interesse dos políticos. No momento em que o Brasil toma consciência do risco da infiltração das instituições por organizações criminosas, é hora de fortalecer os mecanismos capazes de evitar isso, além de criar outros — e não de enfraquecer aquilo que funciona.
PF vai investigar adulteração de bebidas
Por O Povo (CE)
Será imperdoável se a questão principal, a de
acabar com essa prática ilegal e prender os responsáveis pelos danos causados,
for sobreposta por mesquinhas disputas ideológicas ou partidárias
A adulteração de bebidas alcoólicas
destiladas, com o uso de metanol, substância altamente tóxica, parecia restrita
ao estado de São Paulo. No entanto, com o surgimento de três casos em
Pernambuco, o episódio começa a ganhar contornos nacionais.
Se a situação já era preocupante, torna-se
agora mais grave, exigindo trabalho conjunto de autoridades locais e federais
para resolver o caso. Pelo menos cinco mortes decorrentes do consumo
de bebidas com o produto tóxico foram registradas.
Quanto à investigação, existe
divergência entre o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), e o diretor da Polícia Federal (PF), Andrei Rodrigues.
O governo paulista descarta a participação
do crime organizado na adulteração das bebidas. Segundo Tarcísio,
algumas destilarias clandestinas identificadas pela polícia não tinham relação
entre elas.
Para o superintendente da Polícia Federal,
essa possibilidade está aberta: "A investigação dirá se tem conexões
com o crime organizado", disse ele.
Em casos assim, o melhor é não afastar
nenhuma hipótese, até a conclusão das investigações, ainda mais quando se sabe
que as facções diversificaram sua atuação, inclusive infiltrando-se
na economia formal.
Recentemente, a operação Carbono Oculto,
da PF, descobriu que o Primeiro Comando da Capital (PCC) utilizava uma rede de
postos de gasolina para lavar dinheiro — e ainda importava metanol para
misturar o produto no combustível para aumentar o lucro. No entanto, isso
também não autoriza um vínculo automático com o caso da contaminação de
bebidas.
Independentemente das avaliações divergentes,
o importante é a união de forças para evitar que mais pessoas consumam produtos
contaminados. O Ministério da Saúde determinou que todos os casos
suspeitos de intoxicação sejam notificados ao Centro de Informações
Estratégicas em Vigilância em Saúde, antes mesmo da confirmação do diagnóstico,
ajudando a prevenir novos casos.
As autoridades de saúde pública também
recomendam que bebidas alcoólicas sejam adquiridas apenas em
estabelecimentos confiáveis, verificando o lacre de segurança e possíveis
irregularidades no rótulo do produto.
Também preciso ficar atento ao comportamento
das autoridades políticas que vão lidar com o caso, em qualquer
nível. Seria inaceitável que um assunto dessa gravidade, um crime que põe em
risco a integridade física e a vida das pessoas, se transformasse em motivo de
disputas políticas. Possíveis divergências metodológicas quanto ao tratamento
do assunto, devem ser debatidas em seu nível técnico.
Será imperdoável se a questão principal, a de
acabar com essa prática ilegal e prender os responsáveis pelos danos causados,
for sobreposta por mesquinhas disputas ideológicas ou partidárias.
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