quinta-feira, 2 de outubro de 2025

À espera de Trump. Por Malu Gaspar

O Globo

Já faz uma semana que Donald Trump contou ter cruzado com Lula nos bastidores da ONU, disse que rolou uma “química” entre eles e prometeu marcar um encontro. Desde então, já houve muita especulação sobre como seria a conversa: por telefone, presencial, na residência de veraneio de Trump, em Washington ou mesmo em Kuala Lumpur, numa reunião de cúpula de países asiáticos. Até agora, não há nada definido. Trump nem sequer indicou com quem se devem combinar os pormenores, mesmo o Brasil já tendo se apresentado para jogo.

Tudo indica que o plano para a paz entre Israel e Hamas, a crise que paralisou a máquina administrativa americana por falta de orçamento e, muito provavelmente, a ação do Departamento de Estado — adversário declarado de Lula — ajudaram a adiar a definição. Não é segredo que o Brasil não é prioridade na agenda dos Estados Unidos; portanto, ainda serão necessários novos empurrõezinhos para fazer a coisa andar.

Mas só a perspectiva da conversa já movimentou ministérios e lobbies em Brasília. Nos últimos dias, vários auxiliares do presidente, do Itamaraty ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, passando por Justiça e Advocacia-Geral da União (AGU), receberam a missão de reunir documentos e preparar relatórios para ajudar Lula a desenhar sua estratégia.

Para o Brasil, a escolha óbvia e mais sensata seria concentrar as discussões na agenda comercial, e é nisso que vem trabalhando o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin. Na terça-feira, ele teve uma reunião virtual com o secretário de Comércio americano, Howard Lutnick, para começar a combinar as pautas que serão discutidas entre Trump e Lula. Sabendo disso, vários grupos empresariais já enviaram ao time de Alckmin números, documentos e argumentos que os ajudem a figurar no topo da lista de assuntos.

Tanto aqui como lá, porém, há uma disputa sobre que narrativa prevalecerá quando os dois estiverem frente a frente. Empresários com quem conversei contam que os lobistas, advogados e consultores que contrataram nos Estados Unidos relatam uma divisão explícita no governo Trump entre “o pessoal do business” e a “banda ideológica” sobre como agir em relação ao Brasil.

O primeiro grupo é justamente o de Lutnick, especialmente preocupado com os investimentos no Brasil, com os empregos gerados por lá por companhias brasileiras e com a possível alta de preços dos produtos atingidos pelo tarifaço. Por enquanto, esse lado não teve tanta força quanto a banda ideológica, liderada pelo Departamento de Estado de Marco Rubio, aliado do bolsonarismo que tem se manifestado pública e enfaticamente por mais sanções contra o Brasil.

Esse mesmo tipo de postura é espelhado por aqui. Uma ala no entorno de Lula vem sugerindo que nenhuma negociação poderia ir adiante sem que ele explique a Trump que nossa Justiça é soberana e que, portanto, não faz sentido condicionar o fim do tarifaço à anistia a Bolsonaro.

Ou, ainda, que o brasileiro precisaria antes provar ao americano que as sanções contra seu governo ou contra Alexandre de Moraes e companhia são injustas e esdrúxulas. Tudo isso é verdade, mas insistir com Trump não só deve ser inútil, como pode azedar a química entre os dois.

É compreensível que os ministros e suas famílias se sintam injustiçados e que muita gente esteja indignada com a tentativa de Trump de interferir nos assuntos internos do Brasil. Mas a experiência dos chefes de Estado que já conseguiram superar ruídos com ele ensina que não adianta bater de frente.

O melhor é contornar o conflito oferecendo algo que ele queira muito. Nesse ponto, a queda nas barreiras ao etanol, o acesso a terras-raras e a abertura de negociação com as big techs podem ter muito mais resultado que o discurso em favor da nossa soberania.

No momento, mesmo empresários que vêm sofrendo com o tarifaço apostam que a lógica dos negócios deverá acabar se sobrepondo à ideológica. Do contrário, Trump não teria aberto espaço ao papo com Lula na ONU. O único problema é que, enquanto o famigerado encontro não acontece, pouco se faz internamente para aliviar o impacto da ofensiva americana.

A tramitação da Lei da Reciprocidade nas tarifas foi colocada em pausa, e as negociações de bastidores por uma lei antiembargo para barrar os efeitos da Magnitsky no Brasil, que vinham avançando em segredo, também estão emboladas. Ninguém quer dar aos americanos motivo para recuar nas negociações que ainda nem começaram. Por mais incômodo que seja, os ministros do Supremo terão de esperar por Trump.

 

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