O Globo
Já faz uma semana que Donald Trump contou
ter cruzado com Lula nos
bastidores da ONU, disse que rolou uma “química” entre eles e prometeu marcar
um encontro. Desde então, já houve muita especulação sobre como seria a
conversa: por telefone, presencial, na residência de veraneio de Trump, em
Washington ou mesmo em Kuala Lumpur, numa reunião de cúpula de países asiáticos.
Até agora, não há nada definido. Trump nem sequer indicou com quem se devem
combinar os pormenores, mesmo o Brasil já tendo se
apresentado para jogo.
Tudo indica que o plano para a paz entre Israel e Hamas, a crise que paralisou a máquina administrativa americana por falta de orçamento e, muito provavelmente, a ação do Departamento de Estado — adversário declarado de Lula — ajudaram a adiar a definição. Não é segredo que o Brasil não é prioridade na agenda dos Estados Unidos; portanto, ainda serão necessários novos empurrõezinhos para fazer a coisa andar.
Mas só a perspectiva da conversa já
movimentou ministérios e lobbies em Brasília.
Nos últimos dias, vários auxiliares do presidente, do Itamaraty ao Ministério
do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, passando por Justiça e
Advocacia-Geral da União (AGU),
receberam a missão de reunir documentos e preparar relatórios para ajudar Lula
a desenhar sua estratégia.
Para o Brasil, a escolha óbvia e mais sensata
seria concentrar as discussões na agenda comercial, e é nisso que vem
trabalhando o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin.
Na terça-feira, ele teve uma reunião virtual com o secretário de Comércio
americano, Howard Lutnick, para começar a combinar as pautas que serão
discutidas entre Trump e Lula. Sabendo disso, vários grupos empresariais já
enviaram ao time de Alckmin números, documentos e argumentos que os ajudem a
figurar no topo da lista de assuntos.
Tanto aqui como lá, porém, há uma disputa
sobre que narrativa prevalecerá quando os dois estiverem frente a frente.
Empresários com quem conversei contam que os lobistas, advogados e consultores
que contrataram nos Estados Unidos relatam uma divisão explícita no governo Trump
entre “o pessoal do business” e a “banda ideológica” sobre como agir em relação
ao Brasil.
O primeiro grupo é justamente o de Lutnick,
especialmente preocupado com os investimentos no Brasil, com os empregos
gerados por lá por companhias brasileiras e com a possível alta de preços dos
produtos atingidos pelo tarifaço. Por enquanto, esse lado não teve tanta força
quanto a banda ideológica, liderada pelo Departamento de Estado de Marco Rubio,
aliado do bolsonarismo que tem se manifestado pública e enfaticamente por mais
sanções contra o Brasil.
Esse mesmo tipo de postura é espelhado por
aqui. Uma ala no entorno de Lula vem sugerindo que nenhuma negociação poderia
ir adiante sem que ele explique a Trump que nossa Justiça é soberana e que,
portanto, não faz sentido condicionar o fim do tarifaço à anistia a Bolsonaro.
Ou, ainda, que o brasileiro precisaria antes
provar ao americano que as sanções contra seu governo ou contra Alexandre de
Moraes e companhia são injustas e esdrúxulas. Tudo isso é
verdade, mas insistir com Trump não só deve ser inútil, como pode azedar a
química entre os dois.
É compreensível que os ministros e suas
famílias se sintam injustiçados e que muita gente esteja indignada com a
tentativa de Trump de interferir nos assuntos internos do Brasil. Mas a
experiência dos chefes de Estado que já conseguiram superar ruídos com ele
ensina que não adianta bater de frente.
O melhor é contornar o conflito oferecendo
algo que ele queira muito. Nesse ponto, a queda nas barreiras ao etanol, o
acesso a terras-raras e a abertura de negociação com as big techs podem ter
muito mais resultado que o discurso em favor da nossa soberania.
No momento, mesmo empresários que vêm
sofrendo com o tarifaço apostam que a lógica dos negócios deverá acabar se
sobrepondo à ideológica. Do contrário, Trump não teria aberto espaço ao papo
com Lula na ONU. O único problema é que, enquanto o famigerado encontro não
acontece, pouco se faz internamente para aliviar o impacto da ofensiva
americana.
A tramitação da Lei da Reciprocidade nas
tarifas foi colocada em pausa, e as negociações de bastidores por uma lei
antiembargo para barrar os efeitos da Magnitsky no Brasil, que vinham avançando
em segredo, também estão emboladas. Ninguém quer dar aos americanos motivo para
recuar nas negociações que ainda nem começaram. Por mais incômodo que seja, os
ministros do Supremo terão de esperar por Trump.
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