quinta-feira, 2 de outubro de 2025

O que os brasileiros têm na cabeça. Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Estudo descreve uma quase ausência de posições polares entre pessoas que se alinham à esquerda ou à direita

Muita coisa mudou no Brasil em pouco mais de 20 anos. Todo mundo tem opiniões fortes – mas nem sempre fundamentadas – sobre o que ocorreu aqui nas primeiras décadas do século.

Para avaliar com rigor e método como se alteraram as formas de pensar e os valores dos compatriotas entre 2002 e 2202, o cientista político Alberto Carlos Almeida replicou a sua alentada pesquisa no ano em que o PSDB perdeu o Palácio do Planalto para o PT.

Os resultados estão no livro recém-publicado "A cabeça dos brasileiros, vinte anos depois: o que mudou". Além da introdução e da conclusão assinadas por Almeida, a obra contém capítulos escritos por colaboradores do projeto. Aos entrevistados se perguntou sobre temas sempre presentes na discussão pública: religião, cor e raça; respeito à lei; relações de gênero; política; liberalismo econômico e segurança pública. Destaco algumas conclusões especialmente importantes para o debate político.

Desde logo, quase todos os brasileiros continuam acreditando, como há 20 anos, que Deus guia seus passos. Hoje, como no passado, religião é uma dimensão fundamental de suas vidas.

Por outro lado, diminuiu o contingente de cidadãos aptos a se situar no espectro político. No grupo que o conseguiu, foi significativa a redução dos que se colocaram ao centro; cresceram os que se localizaram à esquerda e à direita. Os autoproclamados esquerdistas são hoje 29% da população e os direitistas 43%; os centristas minguaram de 39% para 28%.

Entretanto, o aumento dos que se enxergam como esquerdistas ou direitistas não ampliou a distância entre eles no que diz respeito a questões substantivas.

Com pequenas diferenças, uns e outros, além dos centristas, são favoráveis a que o Estado se responsabilize por serviços públicos e regule a economia; e todos são moderadamente liberais quando se trata de abrir o mercado interno a produtos estrangeiros.

No terreno político, os três grupos diferem no que respeita à liberdade de manifestação, embora todos tenham caminhado na direção de posições mais restritivas. Os brasileiros são também lenientes com o patrimonialismo e igualmente desconfiados das pessoas e das instituições – ou seja, de tudo! Para surpresa de ninguém, a sondagem indicou que as posições punitivistas na segurança pública cresceram por toda parte. No entanto, a discriminação racial e o preconceito diminuíram nos três grupos. Só um par de questões opuseram de forma crescente esquerda e direita: a liberdade sexual e
o direito ao aborto.

No conjunto, o estudo descreve uma quase ausência de posições polares entre pessoas que se alinham à esquerda ou à direita. Há significativa convergência em torno de posições comumente classificadas como conservadoras, apesar avanços importantes na redução do preconceito racial, do machismo, e na aceitação da diversidade de gênero.

A radicalização alimentada por Bolsonaro e seus seguidores não parece ser explicada por mudanças significativas nas atitudes dos brasileiros: vem de cima, intencionalmente promovida por lideranças políticas de extrema-direita. Não está na cabeça dos brasileiros.

 

 

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