Folha de S. Paulo
Estudo descreve uma quase ausência de
posições polares entre pessoas que se alinham à esquerda ou à direita
Muita coisa mudou no Brasil em pouco mais de
20 anos. Todo mundo tem opiniões fortes – mas nem sempre fundamentadas – sobre
o que ocorreu aqui nas primeiras décadas do século.
Para avaliar com rigor e método como se
alteraram as formas de pensar e os valores dos compatriotas entre 2002 e 2202,
o cientista político Alberto Carlos Almeida replicou a sua alentada pesquisa no
ano em que o PSDB perdeu o Palácio do Planalto para o PT.
Os resultados estão no livro recém-publicado "A cabeça dos brasileiros, vinte anos depois: o que mudou". Além da introdução e da conclusão assinadas por Almeida, a obra contém capítulos escritos por colaboradores do projeto. Aos entrevistados se perguntou sobre temas sempre presentes na discussão pública: religião, cor e raça; respeito à lei; relações de gênero; política; liberalismo econômico e segurança pública. Destaco algumas conclusões especialmente importantes para o debate político.
Desde logo, quase todos os brasileiros
continuam acreditando, como há 20 anos, que Deus guia seus passos. Hoje, como
no passado, religião é uma dimensão fundamental de suas vidas.
Por outro lado, diminuiu o contingente de
cidadãos aptos a se situar no espectro político. No grupo que o conseguiu, foi
significativa a redução dos que se colocaram ao centro; cresceram os que se
localizaram à esquerda e à direita. Os autoproclamados esquerdistas são hoje
29% da população e os direitistas 43%; os centristas minguaram de 39% para 28%.
Entretanto, o aumento dos que se enxergam
como esquerdistas ou direitistas não ampliou a distância entre eles no que diz
respeito a questões substantivas.
Com pequenas diferenças, uns e outros, além
dos centristas, são favoráveis a que o Estado se responsabilize por serviços
públicos e regule a economia; e todos são moderadamente liberais quando se
trata de abrir o mercado interno a produtos estrangeiros.
No terreno político, os três grupos diferem
no que respeita à liberdade de manifestação, embora todos tenham caminhado na
direção de posições mais restritivas. Os brasileiros são também lenientes com o
patrimonialismo e igualmente desconfiados das pessoas e das instituições – ou
seja, de tudo! Para surpresa de ninguém, a sondagem indicou que as posições
punitivistas na segurança pública cresceram por toda parte. No entanto, a
discriminação racial e o preconceito diminuíram nos três grupos. Só um par de
questões opuseram de forma crescente esquerda e direita: a liberdade sexual e
o direito ao aborto.
No conjunto, o estudo descreve uma quase
ausência de posições polares entre pessoas que se alinham à esquerda ou à
direita. Há significativa convergência em torno de posições comumente
classificadas como conservadoras, apesar avanços importantes na redução do
preconceito racial, do machismo, e na
aceitação da diversidade de gênero.
A radicalização alimentada por Bolsonaro e
seus seguidores não parece ser explicada por mudanças significativas nas
atitudes dos brasileiros: vem de cima, intencionalmente promovida por
lideranças políticas de extrema-direita. Não está na cabeça dos brasileiros.
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