Folha de S. Paulo
Isenção do IR, reforma tributária,
investimentos evidenciam conflito distributivo
Lobbies fortes impedem solução da crise de
forma justa e eficiente em termos econômicos
O debate
do projeto da isenção do Imposto de
Renda é mais um episódio do conflito cada vez mais frequente a
respeito de quem vai pagar a conta do desarranjo sinistro das contas públicas e
do conserto do que resta da capacidade operacional do Estado.
Os lobbies das pessoas de renda mais alta
queriam, bidu, evitar até pagar o mínimo de 10% de imposto, um escândalo.
Foi assim também na reforma dos impostos
sobre consumo, tem sido assim em qualquer conversa sobre redução de isenção
tributária, tem sido assim na tentativa de aumentar a tributação sobre certas
categorias de investimentos.
O acordão de extração de rendas do Estado é forte e inimigo da eficiência econômica, da redução da dívida, da justiça tributária e social. A situação fica mais e mais crítica, o conflito distributivo fica mais e mais escancarado.
Em 2027, o novo governo do Brasil terá de
propor algum conserto das contas públicas. O conserto pode variar, a depender
do desejo do freguês, com mais ou menos aumento de imposto, com freada maior ou
menor da despesa —ideal seria a revisão geral de prioridades. Mas conserto terá
de vir.
A crise pode não explodir em 2027, mas vai
pesar no crescimento econômico, na desigualdade de renda etc. O risco de
acidente aumenta. Já vimos algo assim em 2015. Ou em tantas outras vezes nos
anos 1980 ou 1990 e na virada do século.
Se não for por prudência mínima, o novo
governo terá ao menos de dar um jeito no arcabouço fiscal criado por Lula 3. Os
gastos obrigatórios vão chegar perto do teto legal, esmagando as demais
despesas de tal modo que nem o funcionamento básico do governo será possível.
Vão à breca também investimentos para atenuar
a ruína da infraestrutura, da pesquisa científica ou do financiamento de
instituições essenciais de Estado, já em precarização gritante (IBGE, agências
reguladoras, de fiscalização, a supervisão do Banco Central, a CVM etc.).
Gasto tributário, aumento do gasto da
Previdência, o sistema confuso de assistência social, tudo teria de ser
revisto, a fundo.
Mas note-se o tamanho do conflito. Nesta
quarta, lobbies tentavam evitar a tributação extra, mínima, de certos grupos
das pessoas de renda mais alta. Daí viria o dinheiro para cobrir a isenção ou
redução do IR.
Nestes dias, corre solto o lobby para evitar
o aumento
do imposto sobre certos investimentos, grosso modo, certificados de
empréstimos diretos ou indiretos para a agropecuária, para o setor imobiliário
etc. como LCI e LCA, que criam distorções financeiras e privilégios.
Na reforma tributária, dezenas de lobbies
conseguiram arrumar impostos menores para si —empresas, profissionais ricos e
até setores econômicos, além de certas regiões. Empurraram a conta do imposto
maior para outrem, mantiveram distorções econômicas, ineficiências.
Causou escândalo, até para o desavisado
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a divulgação maior da informação de que o
valor total isenções de impostos federais ("gastos tributários")
passariam de R$ 500 bilhões neste 2025, em parte criadas pelos governos
petistas, mais de três vezes a despesa anual do Bolsa Família.
Quando o governo propõe a redução do gasto
tributário, a providência é barrada no Congresso ou lá nem chega, por causa de
lobbies (não, o gasto tributário não vai apenas para "milionários",
beneficia o país quase inteiro, em especial o quarto de renda mais alta).
É um programa de autodestruição.
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