O Estado de S. Paulo
Com Propag, a oferta de cursos técnicos deve crescer. Mas isso trará os efeitos esperados, tornando este ensino mais difundido, acessível, melhor e mais relevante para quem o procura?
À esquerda e à direita, todos parecem se preocupar com o tema da educação técnica e profissional. Em 1971, o governo militar concluiu que as escolas brasileiras só formavam bacharéis e decidiu que todos os estudantes de nível médio teriam de ter uma qualificação profissional. Depois tivemos o Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (Planfor) – governo Fernando Henrique, 1995 –, o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) – Lula, 2003 – e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) – Dilma, 2011. Nada funcionou direito. Em 2017, tivemos a reforma do ensino médio, com um novo itinerário técnico de nível médio – governo Temer –, que foi reformulado em 2024 antes de entrar em vigor, e agora temos o Programa de Expansão da Educação Nacional de Qualidade (Propag), que permite que os Estados destinem parte dos recursos de suas dívidas com a União ao ensino técnico, com valores que podem chegar a R$ 12 bilhões. Será que agora vai?
É fácil se perder em meio a tantas regras e
programas que se sucedem, com cada Estado e cada uma das redes escolares
tomando iniciativas que apontam para diferentes lados. Um pouco de luz pode
surgir se olharmos os dados, mas é preciso primeiro esclarecer do que estamos
falando. Não se trata de formação nas áreas de ciências exatas, naturais e
engenharias (Stem) em contraste com a formação em ciências sociais e
humanidades. Isso é importante, mas é outro assunto. No Brasil, “educação
técnica” é o nome que se dá aos cursos que levam a um diploma profissional de
nível médio. Ter um diploma desse tipo não impede que a pessoa continue
estudando em nível universitário, mas, tipicamente, ele é destinado a pessoas
que precisam entrar logo no mercado de trabalho. Quantas pessoas procuram esse
diploma e quanto ele vale?
Pelos dados da Pnad Contínua, em 2024 26% da
população jovem de 18 a 29 anos de idade tinha educação superior e 46,8%
educação média, cerca de 18,2 milhões. Destes, 1,4 milhão tinha concluído um
curso técnico. Outro 1,1 milhão tinha completado um curso técnico e entrado no
nível superior. A renda média mensal de quem tinha educação superior era de R$
3.880; a de quem só tinha nível médio, de R$ 1.810; e de quem só tinha
concluído um curso técnico, de R$ 2.105. Então, ter um diploma universitário
aumentava a renda de quem só tinha nível médio em 114%; e ter um diploma
técnico, em 11%. Um ganho ainda significativo, mas ilusório, porque há muito
mais pessoas com diplomas técnicos vivendo no Sudeste, onde os rendimentos
médios são mais altos. Em São Paulo, por exemplo, a renda média de quem tem
nível médio era de R$ 2.200, sem diferença entre os que tinham ou não tinham
diplomas técnicos. Outro dado significativo é que ter ou não ter diploma técnico
não faz diferença em termos de conseguir emprego e trabalho formal ou informal,
nestes tempos de pleno emprego.
Essas médias podem esconder diferenças
importantes e o curso técnico pode ser vantajoso por diferentes razões se, por
exemplo, for mais acessível do que um curso médio regular ou se a pessoa
precisar começar a trabalhar mais cedo, ou, ainda, caso precise preparar-se
melhor para entrar numa universidade. Um dos objetivos da lei de reforma do
ensino médio de 2017 foi reduzir a carga de matérias obrigatórias, abrindo mais
espaço para diferentes itinerários de formação, entre os quais técnicos, mas
isso foi revertido pela reforma da reforma de 2024.
Apesar de todas as incertezas, as matrículas
em cursos técnicos aumentaram significativamente no Brasil desde então,
passando de 1,7 milhão para 2,3 milhões entre 2017 e 2024. Destes, um terço
está em escolas estaduais e outro terço em escolas privadas. O terceiro terço é
dividido em proporções parecidas entre os institutos federais, o Sistema S
(Senai, Senac) e o Centro Paula Souza, do Estado de São Paulo. Olhando para as
áreas de formação, nota-se que 60% dos alunos estão em cursos de Gestão e
Negócios, Ambiente e Saúde, e Informação e Comunicação. Outros 11% estão na
área de produção industrial, que tem maior i mportância para o Sistema S e nos
institutos federais.
Uma possível explicação para o crescimento
recente do ensino técnico é a expansão do tempo integral, que hoje cobre cerca
de 20% das matrículas de nível médio nas redes estaduais. A maior parte do dia
é dedicada às matérias obrigatórias, mas agora sobra espaço para itinerários
técnicos e cursos não tradicionais de diferentes tipos, sobretudo em áreas que
não requerem equipamentos especializados nem experiência efetiva de trabalho
supervisionado no setor produtivo, mais típicos de instituições especializadas
como as do Sistema S. Com os recursos que devem chegar pelo Propag, a oferta de
cursos técnicos de todo tipo deve aumentar.
A dúvida é se isso trará os efeitos esperados, tornando o ensino técnico mais difundido, acessível, de mais qualidade e mais relevante para quem o procura. Olhando no mundo em volta, o que observamos é uma prioridade crescente dada aos sistemas de aprendizagem em parceria com o setor produtivo, em detrimento da formação técnica escolarizada; a ênfase em competências básicas digitais e tecnológicas ao lado de competências socioemocionais; maior integração entre a formação média e a superior; itinerários flexíveis e individualizados; e sistemas especializados de certificação. Sem essas coisas, as matrículas podem inchar, sem produzir, no entanto, os resultados esperados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário