O Globo
Favoritos para o lugar de Barroso são todos
homens, e nomeação de mulher só ocorrerá com mobilização social semelhante à
que barrou a PEC da Blindagem
A política dita as conversas, que já correm
adiantadas, para a escolha do sucessor de Luís Roberto Barroso no Supremo
Tribunal Federal, agora que o ministro confirmou sua aposentadoria antecipada.
Para que a indicação de uma mulher à Corte passe a ser cogitada por Lula,
precisará haver pressão social de tal monta que ele entenda que isso será fator
crucial na campanha eleitoral de 2026 — algo que, até aqui, não é considerado.
Por ora, a avaliação que faz a todos que o abordam sobre a questão de gênero na escolha é que “nunca antes neste país” um presidente indicou tantas mulheres para Cortes superiores quanto ele. No atual mandato, foram cinco as designadas a tribunais superiores: Maria Marluce Caldas Bezerra e Daniela Teixeira para o Superior Tribunal de Justiça, Verônica Sterman para o Superior Tribunal Militar e Edilene Lôbo e Estela Aranha para o Tribunal Superior Eleitoral.
Ao fazer um “pacotão” dessas vagas, Lula
finge não saber que o STF tem outro peso no jogo institucional e político e no
plano simbólico da luta pela igualdade de gênero. Se não for cobrado pelos
movimentos feminista e negro — já que uma das mais justas reivindicações é pela
designação da primeira mulher negra da História da mais alta Corte de Justiça
do Brasil — com a mesma veemência que seria um presidente de centro ou de
direita, ele seguirá com um dos dois roteiros que vêm se desenhando nos
bastidores, com três homens, todos eles brancos, muito jovens e com forte
lastro político, como favoritos.
Lula foi, de longe, o presidente que mais
escolheu integrantes para o Supremo: dez até agora. A vacância da cadeira de
Barroso é mais um dos muitos golpes de sorte com que ele vem sendo agraciado
neste semestre. O ministro tem só 67 anos, e só cairia na “expulsória” em março
de 2033 — depois, portanto, até do próximo mandato, quando três ministros já
terão de ser substituídos.
Como muitos desses indicados votaram contra
seu governo em casos como o mensalão e a Lava-Jato, Lula tem priorizado a
expectativa de fidelidade dos novos ungidos. Daí por que a questão de gênero precisará
de mobilização semelhante à que levou ao sepultamento da PEC da Blindagem para
enfrentar essa convicção de que a proximidade com o chefe do Executivo é o
principal critério para a escolha.
Nessa modalidade de currículo, a vantagem é
do advogado-geral da União, Jorge Messias, que não desfruta, no entanto, o
mesmo rol de apoios políticos que os outros dois cotados para a vaga: o
ministro do Tribunal de Contas da União Bruno Dantas e o senador Rodrigo
Pacheco. Existe ainda a costura de uma triangulação em que Dantas iria para o
STF e Pacheco para sua vaga no TCU. Os dois têm apoio amplo no Senado, Casa que
tem sido importante para a governabilidade limitada de Lula no Congresso.
Enquanto a bolsa de apostas corre, vale um
olhar detido sobre o anúncio de Barroso. Não deixa de ser uma demonstração rara
de desprendimento diante do poder quase incomparável que desfrutam os 11
integrantes da Corte a decisão de se retirar antes da hora. Como legado, o ministro,
recém-saído da presidência, deve brandir a firmeza na defesa da democracia no
período especialmente turbulento em que comandou o tribunal.
Na saideira, a principal dúvida é se Barroso
deixará um voto a respeito da questão mais controversa sobre sua mesa: a ADPF
442, proposta pelo PSOL, que pretende descriminalizar o aborto até as 12
semanas. Mesmo em entrevistas recentes, ele tem dito que o país não está pronto
para ampliar as hipóteses de aborto legal. Considera que insistir nisso via STF
pode levar a uma reação do Congresso que vá no sentido contrário.
São duas, portanto, as frentes em que as
expectativas dos movimentos feministas podem sair frustradas na troca de
cadeiras do STF. A política, como sempre, está no centro das decisões.
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