Valor Econômico
Ânimos seguem alterados porque o governo não
se compromete com o calendário de pagamento das emendas
No fim de junho, o Congresso impôs derrota
acachapante ao governo, revogando os decretos presidenciais que aumentavam o
Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O placar na Câmara foi expressivo:
383 votos para derrubar a norma, contra 98. Como se 383 deputados bradassem em
uníssono: “Estamos descontentes!”
O resultado irritou, em especial, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para além da perda de receita, estimada em R$ 12 bilhões para este ano, a avaliação interna foi de que a edição do decreto é prerrogativa do presidente da República prevista na Constituição, e não havia nódoa de inconstitucionalidade no texto. A peleja foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, a indignação no governo com o
Congresso era tamanha que, pela primeira vez, decidiu-se trocar a tradicional
tática conciliatória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo
enfrentamento. Um petista influente observou à coluna que, há meses, Lula e
ministros eram pressionados a partir para o confronto com a oposição, e o
episódio do IOF em junho mostrou que o único caminho para o governo se
fortalecer é “fazer a disputa política”.
Foi nesse contexto, e de uma conversa informal
entre Haddad e o marqueteiro do PT, Otávio Antunes, que naquele fim de junho,
nasceu a ideia do trinômio “BBB” - bilionários, bancos e bets - como palavra de
ordem da esquerda para elevar a pressão sobre o Congresso, tendo como mote a
perda da receita do IOF e o argumento de que prejudicaria programas sociais.
Mais que a resposta àquela derrota, o
trinômio “BBB” se consagrou como o fio condutor de um dos pilares da
comunicação do governo e do PT: despertar a população para a ideia de “justiça
tributária”, a partir do projeto que isentou quem ganha até R$ 5 mil do Imposto
de Renda (IR), e que foi aprovado pela unanimidade de deputados e senadores.
São pilares da comunicação pilotada pelo
ministro Sidônio Palmeira, e deverão nortear a campanha de Lula à reeleição: o
combate à desigualdade e aos privilégios, onde se insere a ideia de justiça
tributária; “cuidar do povo”, no contexto de justiça social; e a defesa do
Brasil, sendo inegociáveis a soberania e a democracia, na esteira do “tarifaço”
de Donald Trump.
Lançada naquele fim de junho, a estratégia
“BBB” vingou, e por vários dias, o termo “Congresso inimigo do povo” ficou
entre os “trending topics” da rede X, deixando os congressistas acuados, mas,
também, irritados.
Quase quatro meses depois, a ofensiva “BBB”
voltou com força às redes, em reação do governo e do PT ao enterro da medida
provisória (MP) do IOF, que recompunha perdas do imposto com o aumento de
outros tributos sobre bets, fintechs e criptomoedas, entre outros. Nessa
quinta-feira (9), passaram o dia entre os temais mais publicados na rede X as
expressões “Congresso inimigo do povo” (mais de 200 mil), “Bets” (mais de 200
mil), e “Cortem as emendas” (mais de 88 mil), no auge das citações.
Nos bastidores, o governo investe na ideia da
taxação de “BBBs”, mas não endossa a viralização de “Congresso inimigo do
povo”. Há uma risca no chão de onde não se deve ultrapassar no embate com o
Legislativo. Afinal, há outras pautas relevantes pela frente, mais um ano e
meio de governo, e uma eleição no horizonte.
Ao comentar a iminente derrota da MP do IOF,
Lula disse, na quarta-feira (8), que esperava “maturidade” dos parlamentares,
mas que não tinha nada a reclamar do Congresso. Em sintonia, Haddad lamentou a
postura dos congressistas, mas elogiou o papel de Hugo Motta na discussão da
matéria, e o agradeceu publicamente.
Haddad e a ministra de Relações
Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), entretanto, se voltaram para o governador
Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial adversário de Lula na sucessão,
acusando-o de atuar contra a MP do IOF. Gleisi lançou sobre ele a pecha de
aliado dos “BBB”: “Tarcísio quer esconder do eleitor que ele é o candidato dos
bilionários, das bets e dos golpistas”, disparou.
O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante
(RJ), agradeceu da tribuna o apoio de Tarcísio pela derrubada da MP, mas o
governador foi a público negar a informação. Mostrando que está pronto para o
embate com o PT, ele subiu o tom, acusou o partido de fazer campanha contra
ele, e desafiou, em vídeo nas redes: "Tenha vergonha, Haddad, respeite os
brasileiros, cortem gastos”.
O contra-ataque do governo vai além, e
implica o congelamento das emendas parlamentares, e retirada de cargos do
Centrão. Não se cogita, por exemplo, desalojar o presidente da Caixa Econômica Federal,
Carlos Vieira, indicação atribuída ao deputado Arthur Lira (PP-AL). Vieira tem
até a simpatia de Lula, mas o grupo de Lira pode perder outras indicações, como
as cobiçadas vice-presidências do banco.
Se o governo tem munição contra o Centrão, a
maior força do Congresso tem chumbo grosso em estoque. Além da derrota da MP,
os deputados também aprovaram uma bomba fiscal: a emenda constitucional (PEC)
que garante aposentadoria integral aos agentes de saúde, com impacto estimado
em R$ 11 bilhões em três anos. E os ânimos seguem alterados porque o governo
não se compromete com o calendário de pagamento das emendas no ano eleitoral.
O líder do governo, José Guimarães (PT-CE),
alertou que chegou a hora da onça beber água. O risco é o zagaieiro que estará
à espreita.
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