sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Em reação, governo e PT dobram aposta nas redes. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Ânimos seguem alterados porque o governo não se compromete com o calendário de pagamento das emendas

No fim de junho, o Congresso impôs derrota acachapante ao governo, revogando os decretos presidenciais que aumentavam o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O placar na Câmara foi expressivo: 383 votos para derrubar a norma, contra 98. Como se 383 deputados bradassem em uníssono: “Estamos descontentes!”

O resultado irritou, em especial, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Para além da perda de receita, estimada em R$ 12 bilhões para este ano, a avaliação interna foi de que a edição do decreto é prerrogativa do presidente da República prevista na Constituição, e não havia nódoa de inconstitucionalidade no texto. A peleja foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF).

Porém, a indignação no governo com o Congresso era tamanha que, pela primeira vez, decidiu-se trocar a tradicional tática conciliatória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo enfrentamento. Um petista influente observou à coluna que, há meses, Lula e ministros eram pressionados a partir para o confronto com a oposição, e o episódio do IOF em junho mostrou que o único caminho para o governo se fortalecer é “fazer a disputa política”.

Foi nesse contexto, e de uma conversa informal entre Haddad e o marqueteiro do PT, Otávio Antunes, que naquele fim de junho, nasceu a ideia do trinômio “BBB” - bilionários, bancos e bets - como palavra de ordem da esquerda para elevar a pressão sobre o Congresso, tendo como mote a perda da receita do IOF e o argumento de que prejudicaria programas sociais.

Mais que a resposta àquela derrota, o trinômio “BBB” se consagrou como o fio condutor de um dos pilares da comunicação do governo e do PT: despertar a população para a ideia de “justiça tributária”, a partir do projeto que isentou quem ganha até R$ 5 mil do Imposto de Renda (IR), e que foi aprovado pela unanimidade de deputados e senadores.

São pilares da comunicação pilotada pelo ministro Sidônio Palmeira, e deverão nortear a campanha de Lula à reeleição: o combate à desigualdade e aos privilégios, onde se insere a ideia de justiça tributária; “cuidar do povo”, no contexto de justiça social; e a defesa do Brasil, sendo inegociáveis a soberania e a democracia, na esteira do “tarifaço” de Donald Trump.

Lançada naquele fim de junho, a estratégia “BBB” vingou, e por vários dias, o termo “Congresso inimigo do povo” ficou entre os “trending topics” da rede X, deixando os congressistas acuados, mas, também, irritados.

Quase quatro meses depois, a ofensiva “BBB” voltou com força às redes, em reação do governo e do PT ao enterro da medida provisória (MP) do IOF, que recompunha perdas do imposto com o aumento de outros tributos sobre bets, fintechs e criptomoedas, entre outros. Nessa quinta-feira (9), passaram o dia entre os temais mais publicados na rede X as expressões “Congresso inimigo do povo” (mais de 200 mil), “Bets” (mais de 200 mil), e “Cortem as emendas” (mais de 88 mil), no auge das citações.

Nos bastidores, o governo investe na ideia da taxação de “BBBs”, mas não endossa a viralização de “Congresso inimigo do povo”. Há uma risca no chão de onde não se deve ultrapassar no embate com o Legislativo. Afinal, há outras pautas relevantes pela frente, mais um ano e meio de governo, e uma eleição no horizonte.

Ao comentar a iminente derrota da MP do IOF, Lula disse, na quarta-feira (8), que esperava “maturidade” dos parlamentares, mas que não tinha nada a reclamar do Congresso. Em sintonia, Haddad lamentou a postura dos congressistas, mas elogiou o papel de Hugo Motta na discussão da matéria, e o agradeceu publicamente.

Haddad e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann (PT), entretanto, se voltaram para o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), potencial adversário de Lula na sucessão, acusando-o de atuar contra a MP do IOF. Gleisi lançou sobre ele a pecha de aliado dos “BBB”: “Tarcísio quer esconder do eleitor que ele é o candidato dos bilionários, das bets e dos golpistas”, disparou.

O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), agradeceu da tribuna o apoio de Tarcísio pela derrubada da MP, mas o governador foi a público negar a informação. Mostrando que está pronto para o embate com o PT, ele subiu o tom, acusou o partido de fazer campanha contra ele, e desafiou, em vídeo nas redes: "Tenha vergonha, Haddad, respeite os brasileiros, cortem gastos”.

O contra-ataque do governo vai além, e implica o congelamento das emendas parlamentares, e retirada de cargos do Centrão. Não se cogita, por exemplo, desalojar o presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira, indicação atribuída ao deputado Arthur Lira (PP-AL). Vieira tem até a simpatia de Lula, mas o grupo de Lira pode perder outras indicações, como as cobiçadas vice-presidências do banco.

Se o governo tem munição contra o Centrão, a maior força do Congresso tem chumbo grosso em estoque. Além da derrota da MP, os deputados também aprovaram uma bomba fiscal: a emenda constitucional (PEC) que garante aposentadoria integral aos agentes de saúde, com impacto estimado em R$ 11 bilhões em três anos. E os ânimos seguem alterados porque o governo não se compromete com o calendário de pagamento das emendas no ano eleitoral.

O líder do governo, José Guimarães (PT-CE), alertou que chegou a hora da onça beber água. O risco é o zagaieiro que estará à espreita.

 

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