quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Impacto na investigação dos EUA sobre Pix, por Lu Aiko Otta

Valor Econômico

O entrelaçamento de cadeias de produção, principalmente na indústria, é característica marcante da relação com os Estados Unidos e que o Brasil não repete om outros parceiros

A reação química que transformou o diálogo entre Brasil e Estados Unidos também produziu uma névoa de dúvida em torno da investigação aberta pelo Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) sob o abrigo da Seção 301 da Lei de Comércio de 1974. É aquela que cita o Pix, o comércio da rua 25 de Março, o desmatamento e tarifas sobre o etanol, entre outros, como práticas brasileiras que prejudicam a competitividade americana.

Nos bastidores, a investigação segue vista como uma possível ferramenta dos americanos para limitar o comércio com o Brasil caso, por exemplo, a Suprema Corte decida que o tarifaço é ilegal. No entanto, o cenário hoje é diferente do que havia quando a investigação foi aberta, e isso cria incerteza sobre como será conduzida de agora em diante. O tom político que a pautou, junto com o tarifaço de 40%, foi trocado no último fim de semana por um claro comando do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no sentido de se buscar rapidamente um acordo.

Na visão de negociadores brasileiros, são duas trilhas diferentes: a investigação e a negociação. Será preciso harmonizar os resultados dos dois processos. Esse é um ponto dado como certo no diálogo técnico entre os dois governos, cujo início é aguardado para as próximas semanas.

No seu todo, a negociação não será fácil. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou entrever sua cautela quando disse, no último fim de semana, que importunaria Trump com telefonemas, se o diálogo travar no nível técnico. E traçou uma linha: no que depender dele e de Trump, o acordo sai.

Uma dificuldade à frente pode vir da diferença de prioridade nas agendas. Lula foi à reunião munido de um documento que detalhava as demandas brasileiras. Na agenda de Trump, a reunião bilateral com o Brasil, durante cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático, foi uma parada antes de ele seguir para outras frentes, como a busca de um acordo com a China.

Um objetivo mais imediato é buscar a suspensão da tarifa de 40% por 90 dias, enquanto a negociação comercial é feita. Esse é um pleito que o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, teria levado já na reunião com o secretário de Estado, Marco Rubio, no dia 16 passado. Lula reiterou o pedido a Trump, alegando que seria um gesto de boa vontade para o início das negociações.

“Isso, para nós, seria o céu”, disse à coluna o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. Há encomendas prontas desde julho que estão paradas. Parte ficou retida enquanto se espera alguma definição sobre tarifas. Outra parte não seguiu pela impossibilidade de negociar acréscimo no preço com os compradores americanos. A trégua de 90 dias permitiria desovar o estoque.

A falta de resposta americana não é desejável, mas não frustra, comentou Velloso. Não havia expectativa de resposta imediata.

O ponto central do Brasil é a eliminação das tarifas de 40% para todos os produtos. Para Velloso, uma hipótese paliativa, se isso não for possível, seria aumentar a lista de exceções. Máquinas são fortes candidatas, na visão do executivo. “Quando o americano compra uma máquina, ou um componente de máquina, é porque ele vai produzir alguma coisa nos Estados Unidos”, disse. Ou seja, não se trata de um processo de desindustrialização, combatido por Trump, mas o contrário.

Além disso, informou, 82% das exportações de máquinas para lá são operações intercompany, e 48% das importações de máquinas produzidas nos Estados Unidos também. “Então, existe no setor de máquinas uma correlação muito grande entre os dois países.”

O entrelaçamento de cadeias de produção, principalmente na indústria, é uma característica marcante da relação bilateral. O Brasil não tem relação assim com outros parceiros.

Um ponto crítico, apontou o presidente da Abimaq, é o tempo. “Isso não pode continuar demorando mais, porque cada dia que passa é prejuízo que a gente acumula”, afirmou. “Vamos perdendo novas encomendas.”

Até o meio da tarde de terça-feira (28), seguia indefinida a ida de integrantes de alto nível do governo brasileiro a Washington. Lula disse que enviaria, além do chanceler Mauro Vieira, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Aguardava-se o retorno da delegação presidencial.

Um fator de atenção no calendário é a reunião de cúpula da COP30, na próxima semana, em Belém.

Mas uma primeira reunião técnica de alto nível foi realizada na segunda-feira, ainda na Malásia. Do lado brasileiro, participaram Mauro Vieira e o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Marcio Elias Rosa, além do assessor especial da Presidência Audo Faleiro. Do lado americano, o chefe do USTR, Jamieson Greer, e o secretário do Tesouro, Scott Bessent. Nos próximos dias, prosseguirá um diálogo em que racionalidade voltou a dar as cartas, após meses de equívocos políticos e econômicos.

A trilha foi sacramentada a partir do encontro de dois políticos que não poderiam ser mais diferentes em suas visões de mundo, mas que encontraram um importante ponto em comum: são presidentes que se definem como negociadores. As reações químicas devem prosseguir.

 

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