Folha de S. Paulo
Um filme mostra um filho que, doce em casa, é
na rua um extremista movido a ódio
A ficção sempre gostou dos marginais. Pois,
hoje, há mais gente do que nunca à margem da razão
Um filme recente, que ainda não vi, mas de que me têm falado, é o francês "Brincando com Fogo", das irmãs Delphine e Muriel Coulin. Trata de um assunto crucial de nosso tempo. Um pai tem dois filhos jovens, criados e amados por igual. O caçula é bom estudante, amável e expansivo. O outro, doce, mas recluso, introvertido e sem futuro à vista. Um dia, alguém relata ao pai uma agressão que presenciou na rua por um grupo de extrema direita e pensa ter visto entre eles o seu mais velho. O pai descobre que é verdade. Segue-se então a história —o drama de um pai ao constatar que seu filho é movido a ódio, terror e xenofobia.
Não sei se o cinema ou a literatura tem
tratado desse assunto que, desgraçadamente, pode ser mais abrangente do que
pensamos. Pelo que o noticiário nos tem apresentado de ações extremistas por
grupos ou indivíduos, na Europa e nos EUA, é de se perguntar quem são esses
jovens no dia a dia. Trabalham, estudam, têm namorada, quais são seus hábitos,
o que fazem fora de seu nicho de preconceitos e intolerância? O que leva alguém
no século 21 a não acreditar no aquecimento global ou a admirar Hitler? Como
explicar o neonazismo na Alemanha, o
último lugar em que se pensava ser isso possível?
Essas aberrações têm sido estudadas, imagino,
à luz da sociologia, da história e até da psiquiatria. Não sei se a ficção e os
filmes lhes estão dando a atenção que merecem —com sua capacidade de chegar ao
real pela imaginação, talvez nos pudessem trazer respostas. A ficção sempre se
dedicou aos marginais. Pois, hoje, é como se houvesse mais gente do que nunca à
margem da razão.
Durante as manifestações de 2013 no Brasil, perguntei aqui
sobre os black blocs, aqueles que, ao fim dos protestos,
começavam as depredações. Queria saber se saíam de casa à paisana ou já
mascarados para destruir e se, pelos gestos ou roupas, suas famílias não os
reconheciam ao ver as cenas de violência pela televisão.
Ou se essas próprias famílias já não seriam
os ninhos da desrazão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário