Valor Econômico
Com ministro demissionário, falta de
políticas de turismo gera oportunidades perdidas de desenvolvimento e inclusão
Em 26 de setembro, o ministro do Turismo,
Celso Sabino, apresentou a sua carta de demissão, após pressão da liderança de
seu partido, o União Brasil. Embora o ministro continue despachando
normalmente, uma eventual troca no comando do ministério não será surpresa,
dado o contexto político do governo, sempre às voltas com uma crise no
Congresso.
Desde que foi criado como pasta independente, em 2003, o tempo médio de duração de um ministro do Turismo no cargo é de menos de 19 meses - Sabino está lá há quase 27. A consequência óbvia dessa permanente dança de cadeiras é a descontinuidade das políticas públicas, pois nem bem o indicado toma pé da situação, ele perde o cargo por denúncias de corrupção ou brigas políticas.
Com isso, o país perde grandes oportunidades.
No início da década de 1970, quando ninguém falava em desenvolvimento
sustentável e inclusivo, uma estudiosa brasileira fez uma descoberta que
revolucionou o seu campo de pesquisa e ainda mudou a vida de milhares de
pessoas numa região pobre e esquecida do país.
Ao tomar conhecimento da existência de
grandes murais com pinturas rupestres no sertão do Piauí, a arqueóloga Niède
Guidon organizou em 1973 uma missão de pesquisadores brasileiros e franceses
que encontrou vestígios de presença humana muito anteriores à visão até então
dominante de que o homem teria chegado à América cerca de 15 mil anos atrás.
Desde então, levas de pesquisadores têm
encontrado evidências consistentes de que o homo sapiens ocupa a América há
mais de 50 mil anos, o que por si só seria digno de louvor. Mas o legado de
Niède vai muito além da arqueologia.
Insistente, a pesquisadora convenceu as
autoridades em Brasília a criarem o Parque Nacional da Serra da Capivara em
1979. Diante da escassez de recursos públicos, tratou de firmar convênios e
obter financiamentos internacionais para a infraestrutura e as pesquisas no
local.
Ela também inovou no envolvimento da
população do entorno da área desapropriada em projetos educacionais (ela criou
as primeiras escolas integrais do Piauí) e econômicos. Hoje as cerâmicas
produzidas lá e ilustradas com cenas pré-históricas são vendidas em lojas de
decoração no Brasil e no exterior, e a cidade de São Raimundo Nonato, “capital”
do parque, é o quarto município brasileiro em produção de mel - geração de
emprego e renda idealizada por Niède e sua equipe.
Hoje a cargo do ICMBio, a gestão do parque
ainda segue os princípios estabelecidos por Niède, das portarias ocupadas
exclusivamente por mulheres e aos guias licenciados. Treinados para serem guardiões
do parque, eles são protetores contra o vandalismo, a sujeira e o risco de
incêndio (“aqui só pode tirar fotografia, matar a curiosidade, deixar pegadas e
queimar calorias”, foi a primeira informação do guia Wilk, que me acompanhou).
Nada se compara, porém, ao potencial
turístico. Com formações rochosas que abrigam o maior conjunto de pinturas
rupestres a céu aberto do mundo, o Parque Nacional da Serra da Capivara foi
reconhecido em 1991 pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. Dois museus
interativos (da Natureza e do Homem Americano) não deixam nada a dever para o
Museu do Amanhã, no Rio, ou o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo.
Ainda assim, pouco mais de 39 mil turistas
visitaram o parque em 2024. Só para se ter uma comparação, estima-se que um
milhão de pessoas visitem o Deserto de Atacama, no Chile, anualmente, dos quais
de 30% a 40% seriam brasileiros.
O desconhecimento, infelizmente, não é
exclusivo da Serra da Capivara. Os 74 parques nacionais receberam apenas 12,5
milhões de visitantes em 2024, segundo o ICMBio - e esses dados ainda são
inflados pelo acesso de turistas a atrações como o Cristo Redentor, as
Cataratas do Iguaçu e as praias de Jericoacoara, que ficam dentro de unidades
de conservação.
Estudo do Boston Consulting Group,
encomendado pelo instituto Semeia, estima que se conseguíssemos quadruplicar o
número de visitantes aos parques (uma estimativa factível, dado os imensos
atrativos naturais e históricos), haveria a geração de um milhão de empregos e
uma movimentação extra de R$ 36 a 44 bilhões por ano.
Esse potencial, porém, não será alcançado sem
uma política pública estruturada. Hoje a gestão e a promoção dos parques
encontram-se dispersos entre os ministérios do Meio Ambiente, do Turismo e a
Embratur, enquanto as parcerias com a sociedade civil (a receita de sucesso de
Niède na Capivara) são limitadas.
Dinheiro não é problema; falta estratégia e
prioridade. Desde janeiro o Piauí recebeu R$ 769,9 milhões em emendas
parlamentares. Desse montante, os quatro municípios que compõem o parque
nacional (Brejo do Piauí, Coronel José Dias, João Costa e São Raimundo Nonato)
receberam apenas R$ 14,5 milhões - menos de 2% do total.
A falta de uma política articulada de turismo
centrada no potencial dos parques nacionais significa oportunidades de
desenvolvimento e inclusão perdidas.
Niède Guidon faleceu no dia 4 de junho deste
ano - um dia antes do aniversário de 46 anos do parque nacional que ela criou.
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