Valor Econômico
As reuniões do FMI são um momento especial para capturar o humor dos investidores
O climão nas reuniões do Fundo Monetário
Internacional (FMI) e do Banco Mundial, na semana passada, pode ser resumido da
seguinte forma: os investidores brasileiros estavam muito preocupados com a
deterioração fiscal no Brasil, e os estrangeiros, pouco atentos.
Muita gente que esteve em Washington ficou incomodada com a complacência com que os investidores tratam não só o Brasil, mas também os vizinhos da região - a Colômbia, com sua deterioração fiscal, e o Chile, que terá eleições no mês que vem. Ambos não foram um tema relevante nos encontros.
As reuniões do FMI são um momento especial
para capturar o humor dos investidores. Além das reuniões oficiais, há uma
série de eventos em auditórios reunindo investidores, analistas econômicos,
cientistas políticos e autoridades econômicas de todo o mundo, numa intensa
troca de informações.
Os brasileiros pareciam mais abatidos,
segundo a avaliação de um investidor baseado em Nova York, devido à combinação
de preocupação com a política fiscal com a evolução do cenário eleitoral do ano
que vem.
A essa altura, é notória a preferência de
participantes do mercado por um candidato de oposição que, esperam, possa
adotar uma agenda mais rápida para equacionar o déficit fiscal e reduzir
gastos, além de implementar reformas liberais que, acreditam, possam gerar
ganhos de produtividade e aumentar a taxa de crescimento da economia
brasileira.
O candidato dos sonhos do mercado é o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ou outro da safra de governadores
de direita. Até algumas semanas atrás, muitos apostavam que Tarcísio poderia
vencer a disputa. Esse cenário vem se mostrando um pouco menos provável, com a
recuperação da popularidade do presidente Lula e alguns arranhões na imagem do
governador, por sua associação ao bolsonarismo mais radical.
Mas a opinião dos brasileiros, atualmente,
tem menos peso para definir aonde vão o dólar, a bolsa e os juros. Ultimamente,
quem tem dado as cartas no mercado brasileiro são os investidores estrangeiros.
Na bolsa, por exemplo, os aportes de capital
de fora do Brasil somam R$ 19,8 bilhões no ano, embora no começo deste mês
tenha havido um forte momento de saída.
As operações de “carry trade”, em que
investidores tomam dinheiro mais barato em outros mercados para aplicar nos
altos juros do Brasil, de 15% ao ano, continuam fortes. Os fluxos de
investimento estrangeiros para a compra de títulos de renda fixa no mercado
doméstico somaram US$ 6,5 bilhões, de janeiro a agosto.
As posições no mercado de derivativos também
são expressivas, não só aqui dentro. O relatório do Banco Internacional de
Compensações (BIS, o banco central dos bancos centrais), divulgado a cada três
anos, mostra que o grosso dos derivativos de dólar em relação ao real é
negociado no exterior, em praças financeiras como Londres e Cingapura.
Já os investidores brasileiros têm uma
posição menor e, portanto, menos capacidade de influenciar a precificação de
mercado. A indústria de fundos multimercado perdeu um pouco de sua força
recentemente, com retornos menores e as dificuldades de competir com os títulos
com isenção de impostos.
Não é a primeira vez que os investidores
brasileiros estão mais soturnos do que os estrangeiros - isso costuma ser
comum. Na visão de uma fonte baseada em Nova York ouvida pelo Valor, isso ocorre porque os
estrangeiros estão de olho no mundo todo, fazendo com que os riscos negativos
do Brasil sejam apenas mais um ponto no radar global.
Um resumo disso está documentado no Monitor
Fiscal do FMI. Até 2029, a dívida pública global deverá superar 100% do Produto
Interno Bruto (PIB) somado de todas as economias, maior nível observado desde
1948, puxado por um ambiente de juros mais altos em várias das economias
desenvolvidas.
Também há riscos à estabilidade financeira
global. O FMI diz que a valorização de empresas impulsionada pela onda da
inteligência artificial tem a cara da bolha da internet de 2000. Os títulos
privados estão com spreads muito apertados. Nas últimas semanas, alguns dos
elos mais fracos já começaram a se quebrar, como no caso da empresa de
autopeças First Brands, que tomou crédito pelo setor não bancário, ponto cego
para órgãos supervisores de muitos países.
O FMI também fez referência, em mais de um
documento, à importância de garantir a independência dos bancos centrais e sua
proteção contra interferências políticas - um recado que parece endereçado aos
Estados Unidos, onde o Federal Reserve está sob pressão para baixar os juros
pelo presidente Donald Trump.
Nada disso apaga os riscos do Brasil, cuja
dívida pública é maior que a das demais economias emergentes, sem plano fiscal
abrangente para conter seu crescimento. Mas, segundo outra fonte em Nova York,
a Faria Lima pode estar antecipando demais os efeitos das eleições - algo que
só ocorrerá no ano que vem.
O fato é que, em praticamente todas as
eleições, houve algum grau de volatilidade - algumas mais, outras menos. Quando
chegar a hora, provavelmente os investidores estrangeiros ajustarão as suas
posições.
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