segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Dilemas dos protestos feitos pela Geração Z, por Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Jovens levam energia às ruas em protestos, mas nem sempre isso resulta em mudanças reais

A chamada Geração Z – de jovens nascidos entre meados dos anos 1990 e início da década de 2010, a primeira a crescer inteiramente conectada à internet – vem ocupando as manchetes em países do mundo, como Peru, Marrocos, Madagáscar, Nepal e Indonésia.

No Peru, manifestações lideradas por jovens levaram o presidente interino José Jerí a decretar estado de emergência uma semana após assumir o cargo com a destituição de Dina Boluarte pelo Congresso. No Marrocos, um coletivo anônimo chamado Gen Z 212 vem organizando as maiores manifestações em uma década, denunciando a precariedade dos serviços públicos e a desigualdade econômica. Em Madagáscar, protestos encabeçados por jovens que se chamam “Gen Z Madagascar” contra apagões culminaram na queda do presidente Andry Rajoelina no dia 14 e na formação de um governo militar.

No Nepal, grandes manifestações de jovens em setembro levaram à renúncia do primeiro-ministro. No mês anterior, a indignação com privilégios concedidos a parlamentares e com o aumento do custo de vida provocou confrontos violentos na Indonésia e forçou o governo a substituir ministros. Jovens também tiveram papel significativo em protestos que ocorreram ao longo de 2025 nas Filipinas, no Quênia, na Geórgia, na Sérvia e na Eslováquia, entre outros.

O padrão repete-se: uma faísca concreta (aumento de uma tarifa de metrô, um hospital sem recursos, violência policial, casos de corrupção, a prisão de um opositor) sobre lenha acumulada de desigualdade econômica e serviços degradados, mobilizando grupos majoritariamente sem lideranças formais, organizados por plataformas digitais e símbolos pop que cruzam fronteiras. Pautas aparentemente locais transbordaram para temas sistêmicos – como a falta de perspectivas e a percepção de que as elites estão desconectadas dos desafios que a maioria da população enfrenta.

É inegável que a conectividade global da Geração Z faz com que manifestações em um país inspirem jovens em outro. A “gramática” transnacional dos protestos combina repertórios locais com táticas e símbolos que circulam online. A mesma bandeira dos Straw Hat Pirates, difundida por fãs de One Piece – mangá japonês sobre um grupo de piratas que enfrenta impérios corruptos e busca liberdade –, reaparece de Lima a Jacarta como atalho visual para contestar elites e governos. Redes como Discord e TikTok permitem montar cronogramas, decidir pontos de encontro e dar visibilidade a pautas que antes morreriam em assembleias, mas as tornam vulneráveis a infiltrações oportunistas.

Mas, além das novidades simbólicas, as revoltas também são, em vários sentidos, parecidas com as das últimas décadas – como a onda de protestos no Brasil em 2013 –, expondo as limitações e os dilemas desse tipo de movimento. Mobilizações horizontalizadas impõem custos reputacionais a governos e, às vezes, derrubam líderes – porém, enfrentam dificuldade crônica para converter energia de rua em desenho institucional, como o surgimento de um novo partido. Sem organização programática, as negociações emperram, as assembleias se fragmentam e o entusiasmo corre o risco de dar lugar à frustração, terreno fértil para repressão, estados de exceção e leis de “segurança digital”.

Madagáscar ilustra um risco recorrente: a implosão do status quo abriu espaço a militares que prometem “transição” sem data.

As manifestações inéditas no Chile em 2019 são um exemplo instrutivo – e vale examiná-las, pois ajudam a calibrar expectativas. O aumento de 30 pesos no metrô detonou a maior onda de protestos na história do país, reposicionou a agenda social e acelerou a ascensão de uma nova geração política, simbolizada pelo atual presidente Gabriel Boric.

Ainda assim, o processo constituinte fracassou duas vezes – ora por excesso de ambição, ora por reação conservadora. A lição ecoa a Primavera Árabe: impacto simbólico imenso; resultados decepcionantes. A Gen Z expõe contratos sociais defeituosos, mas protestos sem liderança e falta de compromisso de longo prazo correm o risco de produzirem mudanças pouco mensuráveis. Ou seja, a energia das ruas nem sempre vira política pública.

 

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