domingo, 2 de novembro de 2025

Lula tem de criar amanhã comitê contra apagão da segurança, por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Um grupo executivo de emergência pode ser embrião de instituição nacional anticrime

Sem resultados imediatos e plano, propaganda de política reacionária e letal vai avançar

O massacre do Rio deu um mote para a direita, que estava na defensiva. A chance de sucesso da contraofensiva cadavérica de governadores e outros políticos direitistas aumenta porque a esquerda quase nada faz em matéria de segurança.

Por falar em falta de programas de Lula 3, note-se o descaso com o setor elétrico, sob risco de colapso e crise financeira, salvo por ora apenas pela administração autônoma e competente do sistema. Ou a corrupção e a incompetência no INSS. Os Correios. Etc.

Interessa agora saber do desdobramento político desta outra encenação da farsa do "combate à violência".

A Câmara diz que vota em dezembro a PEC da Segurança. Sabe-se lá o que será depois de emendada, de resto sabotada por governadores da direita e pela incompetência política federal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou para o Congresso o projeto da lei antifacção, com "urgência" (depois de três anos de governo). Esses projetos, compridos e complexos, são arcabouço (opa) legal para novidades institucionais e de ação policial e investigativa, ok. Também aumentam penas, o que é inócuo se as prisões relevantes são poucas e os chefes do crime administram da cadeia seus negócios bárbaros. Leis não contêm bandidos, controle que depende de capacidade operacional, quadros pensantes (há), pessoal treinado, articulado, dinheiro (escasso, dado o gasto inepto) e apoio político e social.

Quando há capacidade operacional e inteligência, algo começa a andar, como se viu nas operações de Lula 3 contra empresas e finanças do crime. Medidas de papel ficam no papel. Vide as determinações do Supremo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 ("ADPF das Favelas"), destinadas a evitar chacinas estatais e criar condições para investigação e acompanhamento de surtidas policiais em bairros pobres do Rio. Parte dos mortos da matança da Penha e do Alemão era jogada em caçambas; outras cinco ou seis dúzias foram largadas no mato. Pouco se saberá do chacinaço e de seus responsáveis.

Vai haver CPI, chance de nada, embora uma investigação com os poderes do Congresso pudesse ajudar a esclarecer o tamanho da empresa do crime, condição para pensar a sua asfixia: esse é o caminho possível do governo.

A fim de conter o avanço da reação tétrica, Lula 3 teria de criar um comitê operacional de urgência para mostrar serviço no combate inteligente ao crime. Deveria ser o embrião de estrutura nacional executiva, o que depende de estados, PF, Ministério Público e, sim, Forças Armadas (até porque a guerra de Donald Trump contra "narcoterroristas" vai incentivar ainda mais invasão do tráfico internacional na Amazônia). Quando a situação não é midiática, politizada, governo federal e estados colaboram. Mas é tudo pontual.

O governo tem de montar essa estrutura amanhã e mostrar resultados em 2026. É longe de ideal, mas pode dar força política a ideias civilizatórias. Um comitê emergencial executivo pode atenuar crises e inspirar a reforma anticrime; chamem gente boa de fora do governo. Exemplo: o que FHC fez no setor elétrico depois da lambança do apagão de 2001.

É tarde. A direita quer imitar a motosserra de Javier Milei, o Estado policial mortífero de Nayib Bukele em El Salvador e a guerra contra as drogas de Trump. Faz tempo que a esquerda parou de pensar e de reunir quadros capazes (aliás, o centro minúsculo também); acha que governar é distribuir dinheiro. Acordem.

 

Nenhum comentário: