domingo, 2 de novembro de 2025

Rigor contra tráfico e milícia, por Ana Dubeux

Correio Braziliense

Não é difícil sentir a dor das mães da Penha, do Alemão, da Candelária, de Acari, do Carandiru, dos policiais mortos. Mas é mais fácil decidir esquecê-las. O problema não vai sumir; a dor delas também não  

De novo, a imagem fortíssima de uma mãe em prantos, o recorte simbólico de uma fila absurda de mortos. Nunca antes tantos mortos. Mas sempre a colheita de uma safra que cresce à revelia, praga resultante da falta de políticas públicas de segurança e de assistência social do Estado nas favelas e comunidades, deixando-as à mercê do tráfico, das milícias e do crime organizado.

Muito se falou sobre a letalidade da operação do governo Cláudio Castro, que parou o Rio de Janeiro e deixou um saldo de mais de 120 mortos, entre eles quatro policiais. Muitos corpos resgatados pela própria comunidade, executados sem chances de julgamento. Famílias órfãs e uma dor dilacerante, coletiva e injustificável. O fato de haver pessoas com extensa ficha criminal entre mortos não alivia o sofrimento, nem justifica qualquer abuso promovido pelo Estado.

De quem é a culpa? Teríamos uma lista imensa, incluindo um rol de políticos que insiste em não olhar para os problemas de segurança sem associá-los à geografia da pobreza e à população já tão marginalizada. Como se morar no morro fosse aceitar o risco. Como se aceitar o risco fosse uma escolha possível a tantos. Como se naturalizar as mortes nas favelas fosse colocar o problema num cercadinho e ele lá ficasse, restrito a quem tem os direitos à dignidade, ao estudo, à moradia e à liberdade de ir e vir negados.

Todos nós sofremos as consequências disso, embora boa parte da população ignore que também somos responsáveis. Preconceito e omissão matam. Não estamos em guerra, embora a matança seja equivalente a uma ou mais. Somadas, tais operações empilham mortos, entre eles inocentes, e deixam um flagelo de dor e trauma sobretudo a uma população tão vulnerável. E tudo isso sem produzir soluções.

Chama a atenção a voz potente da deputada federal Benedita da Silva, que morou 57 anos no morro, denunciando a prática contumaz de violar as comunidades e produzir orfandade de pais e filhos. Por que ela e tantos mais não são ouvidos? É simples. Não há interesse em descentralizar riqueza, em investir na juventude preta e pobre.

O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) também fez contundente depoimento na tribuna da Câmara dos Deputados ao comentar que entre os mortos estavam filhos de membros da sua igreja. "Só de filho de gente da igreja, eu sei que morreram quatro. Meninos que nunca portaram fuzis, mas estão sendo contados no pacote como se fossem bandidos". "Negro correndo descalço na favela em dia de operação é bandido", critica ele.

Não é difícil sentir a dor das mães da Penha, do Alemão, da Candelária, de Acari, do Carandiru, dos policiais mortos. Mas é mais fácil decidir esquecê-las e seguir a vida protegido por vendas. O problema não vai sumir; a dor delas também não.

Sem vontade política, sem investimento real em inteligência e sem equipamentos públicos, culturais e sociais nas favelas, sem as leis mais severas que asfixiem o crime organizado e seus financiadores, a insegurança, o tráfico de drogas e a ação das milícias continuam fortes. A nós, resta o voto certo. E a quem tem o mínimo de empatia, o resgate dos valores que nos constituem como seres humanos com direitos iguais, entre eles o mais básico: a vida.

 

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