O Globo
Na COP, o que parece teórico é concreto.
Entre siglas e discursos, o mundo tenta proteger pessoas contra as tragédias
que são cada vez mais frequentes
O BID anunciou ontem, durante a COP30, a a primeira garantia de um banco multilateral para restauração florestal. Serão US$ 15 milhões para a Triunfo do Xingu. No mundo das COPs, em que se fala até em trilhão, o que são esses milhões? Quem já foi à APA Triunfo do Xingu valoriza a notícia. Foi a unidade de conservação mais desmatada em 2021. Fui lá em 2022. Viajei quilômetros sem ver árvore. No local, existem grileiros, bois, matas derrubadas. É um dos muitos pontos onde se luta na Amazônia para manter a floresta em pé. O BID vai garantir investimento para restauração feita em parceria público-privada.
Ontem esgotou o prazo para a inclusão dos
quatro pontos que haviam ficado de fora da agenda da conferência. E eles não
entraram. A presidência da COP continuará tentando. Um dos pontos é o que
define o dinheiro estatal no financiamento climático. Outro é o aumento das
metas nacionais. O presidente da COP, André Corrêa do Lago, vai insistir. A
diplomacia brasileira sabe avançar aos poucos. O Greenpeace divulgou nota
dizendo que era preocupante a não inclusão desses itens, mas afirma que a
presidência brasileira “conseguiu tornar as discussões mais práticas e menos
retóricas”. A diplomacia aqui tem habilidade que vem de longe. O nome do meio
do embaixador é Aranha, de Oswaldo Aranha, seu avô.
A embaixadora Liliam de Moura, chefe do
departamento de Clima do Itamaraty, em entrevista à jornalista Julia Duailibi,
disse que é preciso ter disposição atlética para negociar uma COP. É a maior
negociação da ONU, a que envolve o mundo inteiro, e tem milhares de
observadores e atores externos. O mundo realmente se encontra numa COP. Como
fazer isso na prática. A embaixadora mostrou uma agenda enorme com as anotações
para os 145 itens que estão na agenda desta conferência, sendo 20 deles pontos
fundamentais. “Nem sempre a gente consegue comer. Por isso, é preciso se
hidratar bem”.
Temas que podem ser entendidos como laterais
avançam. A ministra Anielle Franco falou comigo numa mensagem de áudio enquanto
corria de um para outro encontro. Ela avalia como uma vitória o presidente
falar em racismo ambiental. Um assunto que quando surgiu foi muito atacado e
ainda é. Mas tem razão concreta, são os negros que estão nas áreas mais
vulneráveis aos grandes desastres. É decorrência da desigualdade. “Estou tendo
várias bilaterais para discutir esse tema. Não existe justiça climática sem
justiça racial”. E antes de correr para outra agenda, afirmou mais uma certeza.
“Não vai ter futuro sem solução sustentável”.
No Rio, entrevistei os economistas Carlos
Eduardo Young, da UFRJ, e Laura Carvalho, da Open Society. Quando perguntei a
Young sobre o petróleo na costa do Amapá, ele disse que a grande questão do
petróleo é que não é inclusivo.
—A cadeia de biocombustível gera três vezes
mais empregos e duas vezes mais renda do que a cadeia do petróleo.
Laura considera que a nova economia liga
desenvolvimento à mudança climática.
—Nesta COP, esta agenda está sendo muito
central. O Brasil tem trazido para o debate a conexão clima-desenvolvimento.
Quem apareceu por lá não faz parte da
negociação foi o governador da Califórnia, Gavin Newsom. Veio também a
governadora do Novo México, Michele Lujan Grisham. A Califórnia sempre foi
pioneira em políticas ambientais, o Novo México vive do petróleo. A presença de
ambos representa uma notícia: o federalismo e a democracia americana atenuam a
ausência do governo americano na mesa de negociação. E essa ausência pode ser
temporária. Os Estados Unidos podem voltar ao fim do governo Donald Trump, até
porque parte importante do PIB americano continua investindo na economia da
transição para um mundo de menos emissão.
O debate da COP parece meio teórico às vezes
e é prático. Está tentando encontrar maneiras de proteger pessoas contra
furacões, secas, desertificação, inundações e ondas de calor. O que parece
complexo quando dito naquele mar de siglas, jargões, colchetes, é entendido
facilmente por quem lida diariamente com o problema. Na Triunfo do Xingu entrevistei
Joaquim, que no seu sítio produz cacau e outras lavouras, mas respeita a
reserva legal. “Vi com meus olhos fazendeiro desmatando mil a dois mil
hectares”. Perguntei o que pensava disso e ele respondeu: “Eu acho que tem que
ter uma política voltada para preservar. A gente assiste a tanta atrocidade que
a gente fica pasmo de ver”. É real e concreto o que se discute em Belém.

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