quinta-feira, 13 de novembro de 2025

O real e concreto debate do clima, por Míriam Leitão

O Globo

Na COP, o que parece teórico é concreto. Entre siglas e discursos, o mundo tenta proteger pessoas contra as tragédias que são cada vez mais frequentes

O BID anunciou ontem, durante a COP30, a a primeira garantia de um banco multilateral para restauração florestal. Serão US$ 15 milhões para a Triunfo do Xingu. No mundo das COPs, em que se fala até em trilhão, o que são esses milhões? Quem já foi à APA Triunfo do Xingu valoriza a notícia. Foi a unidade de conservação mais desmatada em 2021. Fui lá em 2022. Viajei quilômetros sem ver árvore. No local, existem grileiros, bois, matas derrubadas. É um dos muitos pontos onde se luta na Amazônia para manter a floresta em pé. O BID vai garantir investimento para restauração feita em parceria público-privada.

Ontem esgotou o prazo para a inclusão dos quatro pontos que haviam ficado de fora da agenda da conferência. E eles não entraram. A presidência da COP continuará tentando. Um dos pontos é o que define o dinheiro estatal no financiamento climático. Outro é o aumento das metas nacionais. O presidente da COP, André Corrêa do Lago, vai insistir. A diplomacia brasileira sabe avançar aos poucos. O Greenpeace divulgou nota dizendo que era preocupante a não inclusão desses itens, mas afirma que a presidência brasileira “conseguiu tornar as discussões mais práticas e menos retóricas”. A diplomacia aqui tem habilidade que vem de longe. O nome do meio do embaixador é Aranha, de Oswaldo Aranha, seu avô.

A embaixadora Liliam de Moura, chefe do departamento de Clima do Itamaraty, em entrevista à jornalista Julia Duailibi, disse que é preciso ter disposição atlética para negociar uma COP. É a maior negociação da ONU, a que envolve o mundo inteiro, e tem milhares de observadores e atores externos. O mundo realmente se encontra numa COP. Como fazer isso na prática. A embaixadora mostrou uma agenda enorme com as anotações para os 145 itens que estão na agenda desta conferência, sendo 20 deles pontos fundamentais. “Nem sempre a gente consegue comer. Por isso, é preciso se hidratar bem”.

Temas que podem ser entendidos como laterais avançam. A ministra Anielle Franco falou comigo numa mensagem de áudio enquanto corria de um para outro encontro. Ela avalia como uma vitória o presidente falar em racismo ambiental. Um assunto que quando surgiu foi muito atacado e ainda é. Mas tem razão concreta, são os negros que estão nas áreas mais vulneráveis aos grandes desastres. É decorrência da desigualdade. “Estou tendo várias bilaterais para discutir esse tema. Não existe justiça climática sem justiça racial”. E antes de correr para outra agenda, afirmou mais uma certeza. “Não vai ter futuro sem solução sustentável”.

No Rio, entrevistei os economistas Carlos Eduardo Young, da UFRJ, e Laura Carvalho, da Open Society. Quando perguntei a Young sobre o petróleo na costa do Amapá, ele disse que a grande questão do petróleo é que não é inclusivo.

—A cadeia de biocombustível gera três vezes mais empregos e duas vezes mais renda do que a cadeia do petróleo.

Laura considera que a nova economia liga desenvolvimento à mudança climática.

—Nesta COP, esta agenda está sendo muito central. O Brasil tem trazido para o debate a conexão clima-desenvolvimento.

Quem apareceu por lá não faz parte da negociação foi o governador da Califórnia, Gavin Newsom. Veio também a governadora do Novo México, Michele Lujan Grisham. A Califórnia sempre foi pioneira em políticas ambientais, o Novo México vive do petróleo. A presença de ambos representa uma notícia: o federalismo e a democracia americana atenuam a ausência do governo americano na mesa de negociação. E essa ausência pode ser temporária. Os Estados Unidos podem voltar ao fim do governo Donald Trump, até porque parte importante do PIB americano continua investindo na economia da transição para um mundo de menos emissão.

O debate da COP parece meio teórico às vezes e é prático. Está tentando encontrar maneiras de proteger pessoas contra furacões, secas, desertificação, inundações e ondas de calor. O que parece complexo quando dito naquele mar de siglas, jargões, colchetes, é entendido facilmente por quem lida diariamente com o problema. Na Triunfo do Xingu entrevistei Joaquim, que no seu sítio produz cacau e outras lavouras, mas respeita a reserva legal. “Vi com meus olhos fazendeiro desmatando mil a dois mil hectares”. Perguntei o que pensava disso e ele respondeu: “Eu acho que tem que ter uma política voltada para preservar. A gente assiste a tanta atrocidade que a gente fica pasmo de ver”. É real e concreto o que se discute em Belém.

 

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