domingo, 28 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Partidos são porta para infiltração do crime na política

Por O Globo

Caso TH Joias expôs contaminação profunda das instituições. Legendas têm papel vital para combatê-la

Ao comparecer à CPI do Crime Organizado, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relatou ter apelado aos presidentes de partidos para fazer uma “triagem” que evite, nas eleições do ano que vem, candidaturas ligadas a organizações criminosas. É sem dúvida uma iniciativa correta, mas é triste que o Brasil tenha chegado a ponto de isso ser necessário. O avanço alarmante da criminalidade já há algum tempo dá sinais de infiltração na economia formal e nas instituições da República. A porta de entrada na vida pública são os partidos, e é por meio deles que a contaminação avança pela política. Detê-la é urgente.

As palavras e as coisas. Por Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A paixão desmedida, desregrada mesmo, é a que hoje move tiranos, ou aspirantes a tirano, a destruir conquistas civilizatórias essenciais

Não é simples passatempo a atenção que dispensamos às tais “palavras do ano” escolhidas por tradicionais publicações e instituições lexicográficas. E não é por acaso, pois as palavras nos moldam como sujeitos, estruturam nossa percepção do mundo, das pessoas e das coisas. Vagando tantas vezes pelas redes, sentimos o efeito das rage baits, as “iscas” que provocam uma raiva impotente. Sofremos o impacto do slop, o lixo digital que escorre com o furor das tempestades. Suportamos a carga negativa de imaginárias parasocial interactions, em que o interlocutor não é um ser corpóreo, real, e sim uma celebridade que nos ignora por completo ou mesmo um agente virtual qualquer.

O lirismo cult de ‘O que será?’ e a esperança que renasce a cada ano-novo Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

A canção descreve algo que move a vida e vem do corpo, do desejo, da folia e da angústia, presente em todos os lugares: do sagrado ao profano, do íntimo ao coletivo

Um dos momentos mais sublimes da cultura brasileira foi a gravação ao vivo de O que será? (À flor da pele) por Milton Nascimento e Chico Buarque, no programa Chico & Caetano, exibido em 14 de março de 1987. O encontro histórico cristalizou um instante raro da música brasileira: dois artistas em sintonia plena, interpretando a canção lançada no álbum Meus caros amigos. A abertura vocal profunda e comovente do artista, que Elis Regina resumiu na frase “Se Deus cantasse, seria com a voz do Milton”, e o olhar marejado de Chico ao iniciar o dueto compõem uma cena antológica, dessas que eternizam os artistas e suas obras.

O crescimento vem da distribuição. Por Luiz Inácio Lula da Silva

CartaCapital

Quando os mais pobres têm mais renda disponível, cria-se o círculo virtuoso

Sempre acreditei que muito dinheiro nas mãos de poucos significa concentração de riqueza, significa fome e miséria. E que um pouco de dinheiro nas mãos de muitos é desenvolvimento, é emprego e redução das desigualdades. O Brasil que vemos neste fim de 2025 mostra essa lógica: com três anos de políticas voltadas à redistribuição de renda e de oportunidades, não faltam indicadores para ilustrar que o caminho da justiça social está sendo trilhado a passos rápidos.

O rendimento mensal do trabalho, medido pelo IBGE desde 2012 na Pnad Contínua, teve seu pico histórico em outubro: 3.528 reais. O mesmo aconteceu com a massa salarial, que chegou a 357,3 bilhões de reais naquele mês. O Brasil bate recorde atrás de recorde na ­quantidade­ de trabalhadores formais e de pessoas ocupadas em geral. O desemprego chegou ao menor patamar já medido: 5,4%.

O tamanho da direita. Por Elio Gaspari

O Globo

Campo político tem preso ao seu pé a bola de ferro da família Bolsonaro, e precisará de jogo de cintura para argumentar em 2026 contra o fim da escala 6x1

Vem aí 2026 com sua eleição e um presságio trazido pelo Datafolha: 35% dos entrevistados identificaram-se com a direita e 22% com a esquerda. Nada de novo sob este céu de anil. Em agosto de 2006, uma pesquisa semelhante registrou que a direita tinha 47% contra 30% para a esquerda. Em 2010, Dilma elegeu-se.

Com a diluição de rótulos como esquerda e direita essas classificações perderam eficácia. A direita tem presa ao pé a bola de ferro da família Bolsonaro. Já a esquerda tem duas: a incapacidade de patrocinar uma agenda para a segurança pública e a má vontade com o agronegócio.

Há alguns anos criou-se a imagem de uma bancada do BBB, ou seja: do boi, da Bíblia e da bala. Quem menosprezava o potencial político dos três bês esquecia-se de que o B de boi era o agronegócio, o B de Bíblia referia-se ao livro mais vendido no país e o B de bala juntava políticos que seguem a máxima segundo a qual “bandido bom é bandido morto”.

Limites para erros. Por Merval Pereira

O Globo

Se os cidadãos perderem a confiança nos ministros do Supremo, a democracia estará em dificuldades. A credibilidade já ficara arranhada no caso da Operação Lava-Jato.

Nunca ficou tão claro quanto agora a necessidade de um Código de Conduta para o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma coincidência benfazeja faz com que a presidência do Supremo esteja sendo exercida neste momento delicado pelo ministro Edson Fachin, que há anos defende tal código. Não é por acaso que Cortes Supremas de países como os Estados Unidos e a Alemanha fizeram o seu Código de Conduta em anos recentes, pois está ficando claro que os ministros, sem ter quem os controle, estão se perdendo em atitudes pessoais condenáveis. O contrato milionário da mulher do ministro Alexandre de Moraes com o Banco Master é um exemplo, mas são inúmeros os ministros de cortes superiores cujos filhos, mulheres e parentes driblam conflitos de interesse apoiados por uma mudança de legislação feita pelos próprios ministros.

Uma blitz para Silvinei. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Bolsonarista levou 24 anos de prisão por tentar impedir pobres de votar em 2022

Silvinei Vasques aproveitou a bruma natalina para dar no pé. Condenado a 24 anos e meio de prisão, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal dispensou o peru e as rabanadas. Deu uma banana para a Justiça, quebrou a tornozeleira eletrônica e fugiu do país. Foi interceptado no Paraguai, onde tentava embarcar num avião para El Salvador.

Bolsonarista de carteirinha, o fujão foi sentenciado por outro episódio vergonhoso: a montagem de bloqueios policiais para impedir eleitores pobres de votar em 2022.

As investigações comprovaram a trama em detalhes. A poucos dias da votação, Silvinei reuniu subordinados e informou que era chegada a hora de a PRF “tomar lado” na corrida presidencial. Ele já havia dado o mau exemplo ao participar de motociatas e usar a farda para fazer campanha pelo capitão.

No ataque ao BC, o país corre risco. Por Míriam Leitão

O Globo

No caso Master não houve só desequilíbrio entre ativos e passivo. Houve crime, isso torna mais graves as pressões políticas e jurídicas

No Banco Master houve fraude. O Banco Central comunicou a Noticia do Fato ao Ministério Público, que a entregou à Polícia Federal para investigar, como tem que ser. Há outras comunicações de crimes, que devem levar a novas investigações. Fraude é diferente de um desequilíbrio entre ativo e passivo, ou de uma sucessão de operações arriscadas. A pressão política ou jurídica para tentar reverter a liquidação só terá sucesso se o país decidir rasgar todo o manual de fiscalização e supervisão bancária, e a Justiça passar a anistiar crime financeiro. O ministro Dias Toffoli quando marca a acareação da próxima terça-feira iguala o regulador e um regulado que está sob investigação. O ministro Jhonatan de Jesus, do TCU, ao afirmar que a liquidação foi precipitada e exigir explicação comete também um absurdo, e fora de sua competência.

A mente humana. Por Dorrit Harazim

O Globo

Neste Natal de 2025 há poucos indícios de que soubemos desembrulhar — com o devido zelo — o que nos foi dado de presente: a vida

A escritora e naturalista americana Diane Ackerman é craque — costuma abordar temas complicadíssimos sem medo de escorregar. Sua obra mais conhecida no Brasil, “O Zoológico de Varsóvia” (2019) , relata o cotidiano do diretor da instituição Jan Zabinski, e sua mulher Antonina, ambos poloneses e da resistência. Narrado em ordem cronológica e baseado nos diários dela, se inicia nos primórdios da invasão alemã de 1939. Com a invasão, veio a terra arrasada pelo ar, e, com os bombardeios, também o zoológico virou matadouro. O massacre dos bichos foi ordenado por um zoologista e colecionador alemão (que, antes, separou os espécimes mais raros para si). A execução foi obra das SS hitleristas. Foi tão brutal que Antonina anotou no diário mantido até o final: “Quantos humanos morrerão da mesma forma nos próximos meses?”. Não ficaram parados. Enquanto os nazistas despovoavam o gueto de Varsóvia enviando-o ao extermínio, o casal Zabinski repovoava o zoológico — desta vez, com judeus contrabandeados do gueto. Conseguiram escondê-los nas jaulas esvaziadas, protegeram-nos da deportação e salvaram mais de 300 da morte certa. É uma baita história narrada com notável conhecimento das espécies — humana e animal.

Renovação e investimento na pauta eleitoral. Por Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Seja quem for o eleito em 2026, uma boa administração deverá incluir atenção especial à renovação da indústria e, se possível, à modernização de todo o sistema produtivo

Professoras descreviam o Brasil, há 70 anos, como um país essencialmente agrícola, sem levar em conta, aparentemente, o enorme investimento em industrialização. A indústria cresceu, ganhou destaque entre as economias emergentes e sobreviveu a crises locais e globais, mas voltou a ser, no século 21, bem menos vigorosa que a agropecuária e os serviços. No país governado pela terceira vez pelo ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, o setor industrial volta a mostrar-se emperrado, com crescimento de 1,7% nos nove meses até setembro, enquanto a produção rural aumentou 11,6% e a dos serviços, 2,8%.

Sem o enorme vigor da agropecuária, a expansão econômica até o fim do terceiro trimestre teria sido bem inferior aos 2,4% registrados oficialmente. Sem esse componente, o avanço de 2,26% estimado para o Produto Interno Bruto (PIB) neste ano seria quase inimaginável. Além de registrar essa estimativa, a pesquisa Focus também aponta, para 2026, a projeção de 1,80%, um número aparentemente medíocre, ou abaixo disso, para um grande país emergente. Mas a mediocridade combina com algumas características importantes do Brasil.

Sobre democracia e moralidade. Lourival Sant’Anna

O Estado de S. Paulo

Abusos são justificáveis para quem os comete, e vê como condenável sua denúncia

EUA e Brasil, as duas maiores democracias presidencialistas, enfrentam crise de legitimidade decorrente de concentração e denúncias de abuso de poder – na presidência americana e na Suprema Corte brasileira.

A polarização serve de amortecedor contra as denúncias de malfeitos, ao deslocar o critério de legitimidade dos princípios éticos para o alinhamento político. Faltam freios e contrapesos robustos o suficiente para conter pessoas que priorizam o dinheiro em detrimento da própria reputação.

Jair Bolsonaro matou a candidatura Tarcísio à Presidência? Por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Governador tem boas razões para não querer ser presidente em 2027

Em pleno dia de Natal, Jair publicou uma carta comparando sua decisão de tentar arrumar para Flávio uma boquinha de presidente com a decisão de Deus de entregar seu filho ao martírio.

Talvez Jair tenha embarcado nessa fantasia de grandeza depois que Jim Caviezel, que interpretou Jesus em "A Paixão de Cristo", foi escolhido para interpretá-lo no filme "Dark Horse", uma espécie de "Cinderela Baiana" fascista dirigida pelo ex-ministro da Cultura Mário Frias.

Elite guerreia por causa do Master. Por Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Moraes, do STF, perguntou a Galípolo, do BC, se havia roubança no banco de Vorcaro

Toffoli se torna central, mas se esquece da ruína do Master e seus amigos na direita

Alexandre de Moraes perguntou a Gabriel Galípolo se o Banco Central descobrira crimes no Master, de Daniel Vorcaro, ou nas transações desse banco com o BRB, o estatal de Brasília. A conversa quase inteira entre o ministro do Supremo e o presidente do BC tratou do enquadramento de Moraes na Lei Magnitsky e os riscos para o sistema financeiro do país.

Não foi possível saber se testemunhas teriam algo mais a dizer sobre o encontro ou de "pressões" de Moraes em favor do Master. O que seriam "pressões"? Informar-se sobre caso que não é de sua alçada? Interessar-se pelo destino do banco? Sugestão de troca de favores? Ameaça velada de intervir?

Ignorância cívica assola o país. Por Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Esquerda e direita rendem homenagem ao ridículo ao afetar engajamento político em torno de sandálias

Há nos três Poderes causas relevantes a serem objetos de defesa e ataque aos interessados num debate consistente

Criticada por organizar reação a mensagens supostamente subliminares em propaganda de sandálias, a direita não foi a única a embarcar na briga dos chinelos. A esquerda também rendeu homenagens ao ridículo para afetar engajamento na internet.

Ficamos, assim, diante de mais um episódio da chamada polarização de sofá. Um ótimo apelido para gente que não sabe de nada, acredita saber de tudo, não tem ideia de como as coisas funcionam, pega tudo pela superfície e acredita que desse modo participa do debate político.

Arqueologia de um crime infame. Por Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Percepção de absurdo passa com o tempo, não vai a juízo, mas deixa nos sentidos a pestilência da infâmia

Está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco

Já está em pauta no STF o julgamento dos mandantes do assassinato de Marielle Franco. O ato jurídico visa um número reduzido de indivíduos, mas nele há algo de tão abjeto que o transforma em fato social obscuro, ainda à espera de maior esclarecimento. A barbaridade não se limitou à execução da vereadora por assassinos profissionais, estendeu-se a uma onda de ódio posterior à sua morte.

À época, eram incompreensíveis tanto os motivos do crime quanto a justificativa para que, num palanque público, espectadores e políticos se unissem na quebra de uma placa de rua com o nome da vítima: um ataque simbólico ao cadáver. Um deles elegeu-se deputado e o outro, governador do estado.

Opinião do dia – Keynes*

“Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema econômico como um todo - com a renda global, com o lucro global, com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular. E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.

Acredito que economia em toda parte, até recentemente, tinha sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.B. Say. É verdade que a “lei dos mercados” dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de sua ideia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade. Quase toda a teoria econômica subsequente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto. No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregoo sobre este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say e que na teoria dos juros ele é um retorno às doutrinas de Montesquieu.”

*John Maynard Keynes (1883-1946). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, - Prefácio à Edição Francesa, p. 10-1. Nova Cultura, S. Paulo, 1985.

Poesia | A Página, de Joaquim Cardozo por João Diniz

 

Música | A cara do Brasil - Vicente Barreto