quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Ministro do Supremo não é intocável. Por Julia Duailibi

O Globo

O vilão de ontem vira herói hoje, para logo virar vilão novamente. Preservar as instituições é o maior ato de heroísmo

No final de 2024, um comitê do Senado americano divulgou o resultado de uma investigação de 20 meses sobre a “crise ética” da Suprema Corte dos Estados Unidos. O documento, chamado “Uma Investigação sobre o Desafio Ético da Suprema Corte”, apontava “lapsos éticos” e “repetidas falhas” de seus juízes. A investigação partia de um pressuposto básico: juízes vestem capas, mas não são super-heróis.

— Agora, mais que nunca, sabemos a extensão da crise ética em que a Suprema Corte está atolada, crise criada por ela mesma. Seja por não divulgar presentes luxuosos ou por não se declarar impedida em casos com aparentes conflitos de interesse, fica claro que os juízes estão perdendo a confiança do povo americano nas mãos de um bando de bilionários bajuladores. — disse o senador democrata Dick Durbin ao término da investigação.

Clarence Thomas, indicado em 1991 por Bush pai, escondeu caronas em jatinhos e passeios em iates oferecidos por um magnata. Antonin Scalia, indicado por Reagan em 1986 (ele morreu em 2016), aceitou “durante mais de uma década presentes luxuosos de bilionários e de pessoas com negócios perante o tribunal, incluindo 258 viagens pessoais”. Sotomayor, indicada por Obama em 2009, falhou ao não dar transparência a uma viagem paga uma universidade. O desconforto com os “lapsos éticos” foi mensurado pelo Pew Research Center, em agosto, quando metade dos americanos disse ter opinião favorável da Suprema Corte — em 2020, 70% a via com bons olhos.

O Supremo brasileiro passa por crise parecida. A viagem de jatinho de Toffoli e o contrato da mulher de Moraes com o Master são as polêmicas mais recentes. Mas já faz algum tempo que o STF ignora a prestação de contas, seja em viagens, eventos ou na atuação de parentes-advogados. Também avança nas questões do Direito, como o excesso de decisões monocráticas ou a mudança das regras do jogo de acordo com conveniências políticas.

É natural que os defensores do golpismo se sintam incomodados com o Supremo. Mas esse modus operandi também passou a causar desconforto em quem defende a democracia e quer golpista preso. Em quem entende que democracia de verdade não é vale-tudo, mas um sistema funcional de freios e contrapesos, que não protege castas.

Nos Estados Unidos, a resposta à crise foi a criação de um Código de Conduta em 2023. Aqui no Brasil, o presidente do STF, Edson Fachin, teve a coragem de defender um manual de boas práticas. Alguns dos mais influentes ministros são contra, como se fosse demérito estar no mesmo patamar do resto da sociedade, sujeita a regras de conduta escritas. Fachin tem como exemplo o Tribunal Constitucional da Alemanha, que, cinco anos antes dos americanos, editou seu manual de boas práticas. Entre os princípios, o óbvio: os juízes só podem aceitar presentes ou viagens que não comprometam a reputação do tribunal nem lancem dúvidas sobre a independência e imparcialidade dos seus integrantes.

No Brasil, estamos sempre em busca de um herói. Fora dos quadrinhos, pessoas são de carne e osso. O vilão de ontem vira herói hoje, para logo virar vilão novamente. Preservar as instituições é o maior ato de heroísmo.

 

Nenhum comentário: