Folha de S. Paulo
Parlamentar entrava com o pé direito,
tubérculo virava borracha e fascistas incomodavam
Como ler a Folha natalina de um século
passado e lembrar das notícias de agora
Na véspera do Natal de
1925, a primeira página desta Folha contava
que "chimicos alemães conseguiram, com grande successo, produzir uma
especie de borracha synthetica, fabricada de batatas".
No "dia de hontem no Congresso", o
Senado tratava de "projectos de concessão de favores". As emendas e
os diamantes são eternos.
A Câmara acabava de aprovar a devolução de sete contos de réis para o bispado de Santos, dinheiro bastante para pagar 280 assinaturas anuais da Folha de então ou cinco pianos "nacionaes". O deputado Marrey Junior elogiava um colega estreante, que desaprovara esse projeto "inconstitucional": "O novo deputado entrou com o pé direito", talvez porque não pudesse usar Havaianas.
Havaianas
então não existiam nem no Havaí, diz a história ou a lenda. O gosto por
esse "chinelo de dedo", como os chama minha mãe mineira, teria sido
difundido naquelas ilhas por imigrantes japoneses do pós-guerra ou por soldados
americanos que voltavam do Japão, onde haviam gostado das sandálias
"zori".
Um havaiano de origem japonesa começou a
fabricá-las em 1946, com borracha de pneus largados à beira de estradas, quem
sabe borracha feita das batatas dos "chimicos alemães". Até pelo
menos os anos 1980, o povo pobrinho do interior do Brasil fazia chinelos com
restos de pneus.
Segundo outra história, nos anos 1950 uma
empresa japonesa teria começado a exportar "zoris" emborrachadas para
Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos, onde turistas de verão as calçavam
em massa no início dos 1960.
A "Havaiana" apareceu em 1962, azul
e branca, baratinha até se tornar "fashion" e calçar modelos.
"Minha prima" Fernanda
Torres era tão criança quanto eu nos anos 1970, quando Chico Anysio,
o humorista (1931-2012), aparecia em anúncios nos instando a comprar as "legítimas",
"que não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro". Jamais
entendi direito como chinelos de borracha teriam cheiro. Agora, sabemos do odor
do miolo mole de quem amaldiçoa chinelo e reza para pneu.
A comunidade italiana dividia-se por causa de
Mussolini, contava a Folha.
A "imprensa brasileira" era "alvejada" por adeptos do
fascista. "O que mais não nos havia de acontecer neste fim de anno, já de
si tão cheio de pororócas de todos os naipes e conxublancias de todos os
typos!". As "conxublancias" continuam.
O jornal dava notícias do "rigoroso
treino" do Corinthians e uma nota com foto da campanha da Ku Klux Klan
contra o álcool nos EUA. Contava da vidinha dos ilustres da província, das
"reuniões dançantes" do dia, de quem se formara na faculdade, de quem
noivava e de quem partia para o Rio de Janeiro no "nocturno" ou no
"nocturno de luxo" (trens). Um "negociante desesperado" de
64 anos, perto da falência, se suicidara. A polícia encontrara o cadáver do
"tresloucado" "quente ainda", escrevia o impiedoso redator.
A província também se desmatava. "Quem é
que está mandando derrubar as nossas árvores?", perguntava um artigo
indignado com uma árvore abatida na rua da Glória, uma entre tantas caídas por
causa da modernidade elétrica dos bondes e do alargamento das ruas. "Quem
é que tem pena das árvores da rua, quando os próprios carvalhos do Largo do
Palácio [hoje praça Pátio do Colégio] foram derrubados pela municipalidade
iconoclasta?". Quem?
Melhor não falar de notícias nestes dias, mas elas já estavam lá, no Natal de um século passado. Boas festas e paz para todos nós.
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