quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Código de ética e a democracia. Por Míriam Leitão

O Globo

O debate sobre um código de conduta é necessário para aumentar a confiança dos cidadãos no próprio STF e, assim, proteger a democracia

Em defesa da democracia, o Supremo Tribunal Federal enfrentou ataques durante todo o governo Jair Bolsonaro e resistiu a todos eles. Em defesa da democracia, julgou e condenou os envolvidos na trama golpista que culminou em 8 de janeiro de 2023, quebrando paradigmas históricos. Em defesa da democracia é agora necessário aumentar o grau de confiança dos cidadãos no próprio STF. As normas de conduta serão a forma mais eficiente de blindagem dos ministros e do tribunal.

A ideia de um código de ética é do presidente Edson Fachin. Como tem tido apoio na sociedade, está sendo vista como se fosse imposição externa. Foi o que expressou o decano Gilmar Mendes. Regras de conduta para ministros do Supremo, e da magistratura de uma forma geral, são parte do mesmo esforço institucional de defesa do Estado democrático de direito. E, claro, devem ser discutidas e aprovadas pelo próprio Judiciário.

Há muito tempo o país convive com o desconforto das notícias que colocam em dúvida se alguns dos ministros de cortes superiores realmente entenderam a dimensão do conflito de interesses. A aprovação de que escritórios de parentes de ministros atuem junto aos tribunais onde estão esses ministros é um dos exemplos, mas não o único, dessa falta de limites éticos precisos. A resposta de que os ministros atuam com honradez é inadequada, porque a questão não é pessoal nem subjetiva. O que funciona é haver um código, com normas para todos.

Mesmo que as conversas entre Alexandre de Moraes e o presidente do Banco Central, reveladas por Malu Gaspar, tenham sido basicamente sobre a aplicação e o alcance da Lei Magnitsky, como sustentam as notas do ministro e do BC, o tema Banco Master não poderia ter sido tratado nem lateralmente. Primeiro, porque o ministro não é o relator. Segundo, e mais importante, pelo contrato que sua mulher e seus filhos mantinham com o banco liquidado.

O contrato jamais poderia ter sido assinado. As cláusulas mostram vários problemas. O valor é muito alto. O escopo não era a defesa de uma causa, e sim dos interesses daquele grupo junto a órgãos e autarquias governamentais e aos tribunais.

O personagem era bem conhecido. E Moraes tem estado na frente do combate ao maior perigo que desabou sobre a democracia brasileira. Havia muito em jogo, para o país e para a democracia, que não foi considerado pelo escritório comandado pela mulher do ministro na hora de aceitar a proposta.

No mercado financeiro, não há mocinhos e bandidos, há negócios. Alguns banqueiros apostam mais na troca de favores com o poder. Daniel Vorcaro é desses. Não é o único. Contudo, a voracidade de Vorcaro acabou incomodando outros banqueiros do mesmo tipo. Para piorar, houve uma fraude bilionária na transação com um banco público como o BC descobriu durante a fiscalização. A fraude evidentemente não era do conhecimento de quem firmou o contrato de assistência jurídica, porém teria sido mais prudente estar longe de bancos com interesses e causas que passem pelo STF ou pelo poder em Brasília.

A investigação do caso Master precisa de mais transparência e não tem tido desde que o ministro Dias Toffoli chamou o assunto a si. Primeiro, houve o abusivo “sigilo total” imposto ao caso, logo depois da viagem revelada por Lauro Jardim. Tudo errado naquele voo para Lima. O ministro Toffoli ir num jatinho de empresário e com o advogado do diretor de compliance do banco liquidado é um erro. Depois de parar as investigações, o ministro permitiu sua continuidade, mas o assunto permanece debaixo de sombras demais.

A participação em simpósios e seminários patrocinados por grandes grupos econômicos ou com honorários pagos por empresas sempre será controversa. Isso não compra o apoio de um ministro, mas cria uma situação de desigualdade de acesso. Em 2024, o ex-ministro Luís Roberto Barroso respondeu às críticas sobre a presença dos magistrados nestes eventos. Disse que todos na sociedade têm interesses em decisões no STF. Verdade. Mas citou como exemplos, empresários, sindicalistas, comunidades indígenas, moradores de rua, parlamentares. Como quem tem capacidade de pagar são os grupos econômicos, e não os indígenas ou moradores de rua, é mais seguro haver regras claras para eventos pagos.

É a democracia que está em questão, de novo, no código de conduta dos ministros do Supremo. Por isso, este é um debate central.

 

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