O Globo
O que seria adaptar à cultura nacional as rígidas regras de conduta dos magistrados das Supremas Cortes da Alemanha ou dos Estados Unidos, como sugere um ministro brasileiro? Levar o jeitinho brasileiro na avaliação do que pode ou não pode? A rejeição da maioria dos ministros do Supremo à ideia de um código de conduta proposto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, mostra que comedimento não é uma característica desta Corte. Alegam que a quase totalidade das exigências dos códigos no exterior já está na legislação brasileira. Se é assim, por que não fazer uma compilação das leis e publicar um documento esclarecendo à opinião pública que os ministros já são regulados pela legislação atual?
Ou é melhor simplesmente não ter nada escrito?
Ou ter regras escondidas por incisos e artigos que o comum dos mortais não é
capaz de decifrar, deixando ao alvitre de cada um dos senhores ministros das
Cortes superiores a interpretação das regras? (Sobre aceitar carona num jatinho
particular; não se sentir impedido de julgar um caso envolvendo o apadrinhado
porque “o casamento nem durou tanto”.) Ou flexibilizar a Lei da Magistratura
para que parentes até o terceiro grau possam trabalhar em escritórios que
tenham causas no Supremo? Qual a necessidade de mudar tal lei, quem estava
incomodado, além dos parentes dos próprios ministros do STF? Os advogados têm
toda a estrutura do sistema judiciário para atuar, por que querem também atuar
na última instância, justamente onde estão instalados seus parentes?
Por que os ministros das Cortes superiores
gostam tanto de participar de seminários no exterior? O que acontece lá que não
poderia acontecer aqui? As viagens, os jantares, os vinhos especiais, jatinhos
particulares que cruzam os céus da Europa antes ou depois dos convescotes? Por
que cargas d’água os ministros não podem ser cobrados por suas condutas se são
servidores públicos e, teoricamente, não são partidários políticos? Criticar o
Supremo uma hora indica que o crítico é de esquerda, outra que é de direita, o
que isso mostra da sociedade brasileira?
Os ministros, no entanto, podem tomar
decisões que os coloquem momentaneamente num lado ou noutro do espectro
político, quando é a Constituição que deveria situá-los ao lado da lei. É a
constatação explicita de que perdemos o respeito institucional pelos juízes e
os colocamos no mesmo balaio dos políticos com mandato popular, eleitos
defendendo ideologias ou programas de governos que os distinguem entre si.
Medir juízes pela mesma régua com que medimos políticos mostra que eles, os
julgadores, não se impõem pela imparcialidade, mas por suas preferências
pessoais.
Acontece porque a ideia de que os governos de
coalizão podem ser construídos por partidos diferentes parece ser democrática,
mas o jeitinho brasileiro deturpou o conceito. Se o Partido Verde adere ao
vencedor num país em que o partido vitorioso não obteve a maioria no
Legislativo, exige que pontos críticos de seu programa sejam absorvidos na
aliança. O Brasil superou essa barreira. Os partidos aderem aos governos sem
contrapartidas programáticas, bastando que cargos e emendas atendam a seus
anseios. Programa, quem os tem?
Na eleição de 2022, Lula foi eleito sem
programa de governo, e pelo jeito continuará sendo assim ano que vem. O
bolsonarismo, por sua vez, era contra tudo o que estava no poder, um programa
de destruição em massa, em vez de construção. Continua a mesma coisa. Escolher
um ministro do Supremo por ser “terrivelmente evangélico” não distingue
Bolsonaro de Lula. O que distinguia Lula de seus sucessores era ele ter
indicado em seus primeiros mandatos a maioria de ministros que demonstraram
independência quando encararam julgamentos importantes para o destino do país,
como o mensalão e o petrolão. Depois deles, a lealdade vale mais que a independência,
numa demonstração clara de que os presidentes buscam reforçar sua defesa, não a
da República.
P.S.: Feliz Natal!

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