quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

O jeitinho brasileiro. Por Merval Pereira

O Globo

O que seria adaptar à cultura nacional as rígidas regras de conduta dos magistrados das Supremas Cortes da Alemanha ou dos Estados Unidos, como sugere um ministro brasileiro? Levar o jeitinho brasileiro na avaliação do que pode ou não pode? A rejeição da maioria dos ministros do Supremo à ideia de um código de conduta proposto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, mostra que comedimento não é uma característica desta Corte. Alegam que a quase totalidade das exigências dos códigos no exterior já está na legislação brasileira. Se é assim, por que não fazer uma compilação das leis e publicar um documento esclarecendo à opinião pública que os ministros já são regulados pela legislação atual?

Ou é melhor simplesmente não ter nada escrito? Ou ter regras escondidas por incisos e artigos que o comum dos mortais não é capaz de decifrar, deixando ao alvitre de cada um dos senhores ministros das Cortes superiores a interpretação das regras? (Sobre aceitar carona num jatinho particular; não se sentir impedido de julgar um caso envolvendo o apadrinhado porque “o casamento nem durou tanto”.) Ou flexibilizar a Lei da Magistratura para que parentes até o terceiro grau possam trabalhar em escritórios que tenham causas no Supremo? Qual a necessidade de mudar tal lei, quem estava incomodado, além dos parentes dos próprios ministros do STF? Os advogados têm toda a estrutura do sistema judiciário para atuar, por que querem também atuar na última instância, justamente onde estão instalados seus parentes?

Por que os ministros das Cortes superiores gostam tanto de participar de seminários no exterior? O que acontece lá que não poderia acontecer aqui? As viagens, os jantares, os vinhos especiais, jatinhos particulares que cruzam os céus da Europa antes ou depois dos convescotes? Por que cargas d’água os ministros não podem ser cobrados por suas condutas se são servidores públicos e, teoricamente, não são partidários políticos? Criticar o Supremo uma hora indica que o crítico é de esquerda, outra que é de direita, o que isso mostra da sociedade brasileira?

Os ministros, no entanto, podem tomar decisões que os coloquem momentaneamente num lado ou noutro do espectro político, quando é a Constituição que deveria situá-los ao lado da lei. É a constatação explicita de que perdemos o respeito institucional pelos juízes e os colocamos no mesmo balaio dos políticos com mandato popular, eleitos defendendo ideologias ou programas de governos que os distinguem entre si. Medir juízes pela mesma régua com que medimos políticos mostra que eles, os julgadores, não se impõem pela imparcialidade, mas por suas preferências pessoais.

Acontece porque a ideia de que os governos de coalizão podem ser construídos por partidos diferentes parece ser democrática, mas o jeitinho brasileiro deturpou o conceito. Se o Partido Verde adere ao vencedor num país em que o partido vitorioso não obteve a maioria no Legislativo, exige que pontos críticos de seu programa sejam absorvidos na aliança. O Brasil superou essa barreira. Os partidos aderem aos governos sem contrapartidas programáticas, bastando que cargos e emendas atendam a seus anseios. Programa, quem os tem?

Na eleição de 2022, Lula foi eleito sem programa de governo, e pelo jeito continuará sendo assim ano que vem. O bolsonarismo, por sua vez, era contra tudo o que estava no poder, um programa de destruição em massa, em vez de construção. Continua a mesma coisa. Escolher um ministro do Supremo por ser “terrivelmente evangélico” não distingue Bolsonaro de Lula. O que distinguia Lula de seus sucessores era ele ter indicado em seus primeiros mandatos a maioria de ministros que demonstraram independência quando encararam julgamentos importantes para o destino do país, como o mensalão e o petrolão. Depois deles, a lealdade vale mais que a independência, numa demonstração clara de que os presidentes buscam reforçar sua defesa, não a da República.

P.S.: Feliz Natal!

 

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