sexta-feira, 14 de junho de 2019

*Fernando Gabeira: Um país nada monótono

- O Estado de S.Paulo

Se Moro resistisse no cargo de juiz, talvez enfrentasse melhor os ventos contrários

Num discurso de despedida na Câmara do Comércio, o embaixador sueco Per-Arne Hjelmborn disse esta frase para concluir: “O Brasil não é um país monótono”. Fui convidado para falar um pouco sobre as expectativas na volta do exílio e de como as coisas se passaram nestes 40 anos. Foi uma oportunidade para agradecer a generosidade com que a Suécia recebeu os brasileiros após o golpe no Chile.

A frase de Hjelmborn não me saía da cabeça. Pensei: está morrendo o caso Neymar e entrando em cena os vazamentos na Operação Lava Jato.

Na primeira leitura do caso, achei um pouco exageradas as reações que viam naquilo uma tempestade em copo d’água ou que viam o fim da Lava Jato e uma regressão à era da impunidade no Brasil. Previ alguma coisa no meio: agitação política e um desgaste para a Lava Jato.

É difícil de considerar com frases sem o contexto. Mais ainda basear-se puramente nelas, pois, de um modo geral, vazamentos que abalam a política costumam ser como terremotos, com explosões sucessivas. Não se sabe quando será nem a intensidade do próximo abalo.

O conjunto das frase que li mostra uma proximidade entre Sergio Moro e os promotores. Revela uma orientação a uma das partes. A maioria dos juristas que se pronunciaram acha que rompe com o princípio de imparcialidade.

Haverá consequências políticas e consequências jurídicas. Tanto numa como em outra, é importante preservar a Lava Jato. Algumas pessoas acham que ela foi negativa para o País. Não é o meu caso. A Lava Jato, que condenou 159 pessoas, trouxe bilhões de reais de volta ao País e repercutiu no continente levando ex-presidentes do Peru à prisão, foi um passo gigantesco na luta contra a corrupção. Mas não está isenta de crítica nem de enquadramento jurídico. Ela foi uma tentativa de corrigir os fracassos do passado: operações sufocadas, como a Castelo de Areia e o caso Banestado. Era todo um aparato político a ser enfrentado e um Supremo Tribunal Federal (STF) severo na garantia dos direitos.

*Simon Schwartzman: Por um novo consenso na Educação

- O Estado de S.Paulo

Deve ser possível fazer muito mais com os 5% do PIB que o Brasil já gasta neste setor

Seis ex-ministros da Educação, em recente nota, falam do grande consenso que teria sido construído no Brasil sobre o setor, que o atual governo estaria desconsiderando. De fato, existe um forte consenso sobre a prioridade que a educação deve ter, e o governo até agora não mostrou uma política para o setor que vá além de cortes orçamentários e posturas ideológicas, diferentemente do que ocorre na economia e na segurança, onde, concordando ou não, existem propostas claras formuladas com o apoio de fortes contingentes de economistas, juízes, promotores e funcionários públicos qualificados.

Mas o consenso é ilusório. Tal como na economia, a educação brasileira, depois de um período de crescimento descontrolado, chegou a um impasse, com milhões de jovens concluindo a educação fundamental semianalfabetos; o ensino médio estagnado e com altíssimas taxas de abandono; um ensino superior público caro, desigual e que não consegue atender a mais do que 25% das matrículas; e um sistema de pós-graduação e pesquisa em grande parte voltado para si mesmo, que cresceu em quantidade, mas não em impacto e relevância científica e econômico-social, com as boas exceções de sempre.

O ponto mais alto deste consenso, segundo os ex-ministros, teria sido o Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional em 2014, com planos filhotes para cada Estado e município e que se desdobrava em 10 diretrizes e 20 grandes metas, divididas em 244 estratégias específicas, a serem financiadas com 10% do Produto Interno Bruto (PIB). Para acompanhar tudo isso, contava-se com uma grande parafernália de comissões tripartites estabelecidas com as associações de secretários de Educação estaduais e municipais e fóruns permanentes de negociação. Foi um consenso construído à custa de botar no papel todas as demandas de todos os interessados, e, como escrevi na época com alguns colegas, não havia chance de dar certo, mesmo sem a crise econômica que veio depois. O PNE é um zumbi que se recusa a morrer, e até que seja devidamente enterrado e substituído por um conjunto pequeno de objetivos realistas e bem definidos não há como a educação brasileira avançar.

Eliane Cantanhêde: Mais uma cicatriz

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro ao ministro da Defesa: o substituto pode ser general da ativa? Sim, podia

Estão se confirmando dois grandes temores dos militares, inclusive do então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, ainda na eleição presidencial: a contaminação política e a divisão das Forças Armadas. Elas perdem, o Brasil perde.

Ao assumir a linha de frente da campanha do capitão reformado Jair Bolsonaro, polêmico no próprio meio militar, o Exército assumiu riscos. E não foi por falta de aviso. A Aeronáutica e a Marinha não mergulharam tão fundo na aventura e o governo é cheio de generais, mas raros brigadeiros e almirantes.

Ao demitir ontem o general Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo, Bolsonaro deu sinalizações negativas para a opinião pública e às Forças Armadas, em particular o Exército. A principal é que o guru Olavo de Carvalho andava calado, mas continua forte, capaz de fazer e desfazer ministros. A segunda é que os filhos do presidente mandam mais do que ministros e militares do governo. Gustavo Bebianno sabe perfeitamente disso.

A demissão reforça a insatisfação que vai se instalando entre militares de alta patente com decisões, manifestações, o estilo e o despreparo do presidente da República. O chefe do GSI, general Augusto Heleno, continua sendo o grande avalista de Bolsonaro, mas colegas dele, da ativa e da reserva, já não estão tão confiantes assim.

Bolsonaro não ignora esse descontentamento. Ele já vinha remoendo a ideia de demitir Santos Cruz há pelo menos três semanas, mas demorou para reduzir os danos e substituiu um general por outro, Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, comandante militar do Sudeste, com sede em São Paulo.

*Fernando Abrucio: O que está em jogo é a noção de Justiça

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O debate sobre a trajetória da Operação Lava-Jato deve ir além da disputa entre seus defensores e detratores. O que está em jogo é a forma como os brasileiros interpretam a noção de justiça. Para a visão liberal-democrata predominante na maior parte do mundo desenvolvido, a concepção do que é justo no espaço público tem a ver com a igualdade de tratamento que o Estado deve dar aos cidadãos. O país avançou nos últimos anos em prol desse modelo, mas ainda há um longo caminho para evitar tanto o reino dos privilégios como o império do arbítrio.

A concretização do princípio igualitário de tratamento dos cidadãos depende fundamentalmente de três aspectos. O primeiro diz respeito à consolidação de instituições democráticas, como voto universal e livre, a independência e controle mútuo entre os Poderes, além da criação de políticas públicas, como a educação e o acesso à Justiça, que garantam a igualdade de oportunidades a todos. As regras do jogo e seu pleno funcionamento são peças-chave de sociedades mais justas.

O Brasil teve importantes avanços no plano político-institucional, que geraram maior democratização do país. Não obstante, é necessário ainda realizar aperfeiçoamentos, que podem ser exemplificados por temas como o aumento da articulação dos partidos com a sociedade e a garantia de serviços públicos de melhor qualidade, especialmente para os grupos sociais mais vulneráveis.

O papel exercido pelas lideranças políticas e sociais é outro fator decisivo para garantir a qualidade da Justiça. No caso brasileiro, a longa tradição escravocrata e patrimonialista produziu elites ávidas por privilégios assegurados pela lei e pela ação estatal. Foi assim que nasceram os institutos da prisão especial, do fórum privilegiado e de todo um conjunto de regras do código penal e de funcionamento do sistema de Justiça, os quais, no mais das vezes, favoreceram os ricos em detrimentos dos mais pobres. O mesmo elitismo assegurou subsídios e empréstimos estatais a preços módicos para poucos.

A democratização do país afetou boa parte dos privilégios adquiridos pelas elites ao longo da história. A transparência maior dos atos públicos, a pressão da imprensa, de ONGs e dos órgãos de controle, bem como a disputa política pelos votos dos mais pobres, são fatores que reduziram as distinções de tratamento entre os cidadãos. Porém, a desigualdade de oportunidades e perante a lei ainda são muito grandes no Brasil, e em parte explicam as outras iniquidades sociais nos campos da renda, escolaridade e de raça.

José de Souza Martins: Atlas da Violência revela nação em funeral

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O Atlas da Violência no Brasil, do Ipea, relativo a 2019, com dados de 2017, nos põe diante da ocorrência de homicídios, que prosperaram enquanto o país se atrasou. Sabemos matar, mas não sabemos viver.

É um alívio saber que nos últimos anos a taxa da violência letal foi atenuada no Sudeste, no Centro-Oeste e no Meio-Norte. Prosperaram as ações em favor dos direitos humanos e a eficácia das instituições que zelam por eles.

Os números, índices e análises apresentados no Atlas não nos tranquilizam necessariamente, mas nos ajudam a compreender aspectos muito problemáticos da criminalidade letal no Brasil e da desagregação da sociedade brasileira, que persistem. O Atlas mostra que 5,9% do PIB brasileiro é gasto com questões de segurança, não só pelos governos, mas também e sobretudo pelos particulares. Praticamente o mesmo que se gasta com educação, que é 6,0% do PIB. A violência rouba do país o mesmo que o país despende na sala de aula. O suficiente para duplicar o sistema escolar ou para duplicar sua qualidade e competência. Uma disputa sem escolha e desmoralizadora para todos nós.

Ainda no capítulo do preço da vida, as maiores vítimas da violência letal está na faixa etária dos jovens entre 15 e 29 anos, próxima ou acima de 50%. E a taxa dessa violência contra adolescentes de 10 a 14 anos, que é de 14,1%, é tão alta quanto a contra o total de todos os homens, 14,7 %. Um jeito brutal de se tornarem adultos na morte antes do tempo.

O Brasil começa a matar cedo suas novas gerações, antes de dar-lhes uma oportunidade de viver e de saber o que é a vida. São pessoas que nasceram e cresceram à espera da morte, e não para viver.

A maior ocorrência de homicídios nos sábados, tanto de homens quanto de mulheres, mostra que perdemos o sentido da festa. Expressão de que a desumanização que se tornou característica de nossa sociedade em decorrência dos vários mecanismos de alienação e de descarte social, como o desemprego, que atinge especialmente os jovens, fez da festa o mero e sumário ardil da morte. É tal a proporção de vítimas fatais da violência e sua regularidade que se pode dizer que nasceram para ser cobaias de um genocídio.

Claudia Safatle: Economia é um avião com turbinas desligadas

- Valor Econômico

Relator da reforma quer vender a prataria para pagar o almoço

O debate na economia está centrado na eventual estratégia do governo para estimular o investimento e, com ele, o crescimento.

Há um diagnóstico claro, feito pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos, e compartilhado por alguns outros economistas, que trata da grande complementaridade entre os investimentos público e privado. Campos compara a economia a um avião com uma turbina que é o mundo público, e a outra, o mundo privado. Ao desligar a primeira e, com credibilidade, ligar a segunda, haveria a transferência de energia capaz de manter o avião na mesma velocidade.

Ao derrubar o investimento público federal de R$ 100,6 bilhões em 2014 para quase a metade, R$ 53,9 bilhões, em 2018, imaginou-se que o setor privado ocuparia esse espaço e garantiria o crescimento, o que ainda não ocorreu.

Estão ambas as turbinas desligadas. E, segundo Campos, só a credibilidade (do governo) e a confiança (de consumidores e empresas) vão reverter o quadro.
Há quem avalie que a reforma da Previdência, com a economia em torno de R$ 900 bilhões em dez anos, será capaz de injetar confiança nos mercados, animar os investidores privados a desengavetar seus planos. E há os que consideram a reforma necessária, mas não suficiente para estimular a expansão dos investimentos e, consequentemente, retomar o crescimento. Para estes, há muito mais a consertar, inclusive para se ter uma trajetória fiscal sustentável, antes que isso ocorra. É preciso sanar, também, o ambiente de insegurança jurídica que atrapalha, e muito, os planos de investimentos.

Hélio Schwartsman: O tamanho da encrenca

- Folha de S. Paulo

Frequência dos maus hábitos não deve servir de habeas corpus

Reza a lenda que, em Esparta, as crianças eram incentivadas a roubar. Mas aquelas que se deixassem apanhar seriam severamente punidas. Podemos classificar a pedagogia espartana como um hino à hipocrisia. Mas também dá para interpretá-la como uma solução, ainda que imperfeita, para dilemas sociais complexos, que envolvam interesses contraditórios.

Deixemos por ora Esparta de lado e retornemos ao Brasil. Nossa Justiça é, para usar uma palavra recatada, um lupanar no que diz respeito ao relacionamento entre juízes e partes. Os problemas começam na família —reportagem de 2016 da Folha mostrou que um terço dos ministros do STJ tinha cônjuges ou filhos advogando na corte— e se estendem a amigos, colegas, ex-clientes e bajuladores.

A frequência dos maus hábitos não deve, porém, servir de habeas corpus. O ex-juiz Sergio Moro foi pego em diálogos comprometedores com o MP e não podemos fingir que não vimos isso, mesmo que a interceptação das conversas tenha sido ilegal. O que está em jogo é a noção de que todos têm direito a um juiz pelo menos não demonstradamente parcial.

Reinaldo Azevedo: Contra os missionários da destruição

- Folha de S. Paulo

Perceberam como 'hackers' passaram de inimigos a tábuas de salvação?

A Lava Jato, como uma marca fantasia, tem de acabar para que o combate à corrupção possa continuar. Não se trata de frase de efeito. É o que evidenciam as conversas muito pouco republicanas dos protagonistas da operação, reveladas pelo site The Intercept Brasil.

Ou os atores políticos despertam para o que está em curso, ou o preço a pagar será a instabilidade permanente. Não virá o apocalipse —porque nunca vem. Países sempre podem piorar um pouco ou oferecer a seus cidadãos uma vida muito abaixo de suas potencialidades.

A tarefa de conciliar o combate à corrupção com os valores da democracia é do Congresso Nacional, não de uma associação de fanáticos. É ele que tem de rever, por exemplo, a lei 12.846, que trata dos acordos de leniência e permite que empresas sejam literalmente fulminadas, enredadas por múltiplos órgãos do Estado que exigem a reparação, num calvário que não tem fim. Nove empreiteiras que caíram nas malhas da Lava Jato haviam demitido 331.705 pessoas até o ano passado.

Cumpre saber quanto estamos dispostos a sacrificar em democracia e em economia para garantir “O Espetáculo da Corrupção”, para citar o excelente livro do advogado Walfrido Warde, que tem este subtítulo eloquente: “Como um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país”.

Vinicius Torres Freire: Planos de Guedes caem da reforma

- Folha de S. Paulo

Emendas na Previdência preservam economia, mas podam planos liberais do ministro

A reforma da Previdência recauchutada pela Câmara atropela ambições de Paulo Guedes, dificulta a mudança frequente da lei previdenciária e obriga os governadores a pedir votos aos deputados, caso queiram abater os gastos estaduais com aposentadorias. Tem lá também uma esquisitice que quebra as pernas do BNDES.

Caso o relatório emendado pelos deputados seja aprovado no plenário como está, deve resultar em contenção de despesa maior do que a prevista pela reforma Michel Temer, embora a conta de poupar R$ 915 bilhões seja, por ora, chute. Se vier pelo menos o dinheiro, já é lucro. No mais, o espírito da reforma Guedes foi para o vinagre.

É um resumo breve dos efeitos das mudanças na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de Jair Bolsonaro e Guedes, consolidadas pela comissão especial da Câmara. A reforma é enorme, e certas mudanças, em particular no caso de servidores públicos, ainda serão mastigadas.

De mais notável, a princípio, temos:

Merval Pereira: Juiz das garantias

- O Globo

Moro continua o ministro mais popular do governo, apesar de algumas pesquisas mostrarem queda de popularidade

Não é de hoje que há críticas pelo fato de o mesmo juiz, no caso Sergio Moro, controlar as investigações, como na Operação Lava-Jato, e julgar os processos, dando a sentença final.

Não é uma criação nem de Moro nem dos procuradores de Curitiba. É assim que funciona qualquer força-tarefa no Brasil, de acordo com o nosso Código de Processo Penal, ao contrário de outros países, como a Itália, ou países na América Latina, como México e Chile.

Eles têm a figura do “juiz de instrução” ou “juiz das garantias”, que atua apenas na fase inicial das investigações, autorizando ou impedindo ações como quebra de sigilo e interceptações telefônicas, depoimentos e prisões preventivas.

Nenhuma ação dos procuradores do Ministério Público nem da Polícia Federal pode ser feita sem uma autorização do juiz de instrução, que não participa, por impedimento legal das investigações, mas as controla.

Por isso Moro disse, logo no primeiro momento da divulgação de suas conversas com o procurador Deltan Dallagnol, que apenas combinou com os procuradores as etapas das operações que tinham que ser autorizadas por ele, questões logísticas e exigências legais, como formalização de atos.

A Vara de Moro existe desde 2003 quando foi criada por recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para combater os crimes financeiros. Somente em 2014 a força-tarefa da Lava-Jato foi criada, por decisão da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Também a Polícia Federal criou uma força-tarefa própria, que foi esvaziada no governo Temer a ponto de hoje só existir um policial dedicado exclusivamente à Lava-Jato. Quem organizou a força-tarefa do Ministério Público foi o procurador Deltan Dallagnol, que já trabalhara com o juiz Moro no caso Banestado, no início dos anos 2000.

Míriam Leitão: Visão militar num dia de queda

- O Globo

Maior temor dos militares no governo é perder a credibilidade conquistada nos 30 anos de silêncio e disciplina após a ditadura

Os militares que estão no governo Bolsonaro não querem ser vistos como um grupo ou uma ala. Por isso tiveram o cuidado de jamais fazer uma reunião conjunta, me contou um deles. Mesmo assim são vistos como grupo, e criticados em bloco. Ontem caiu o general Santos Cruz que sempre foi alvo dos filhos do presidente e de Olavo de Carvalho. E cair por isso é até comenda. O general Luiz Eduardo Ramos, que vai assumir, tem experiência no relacionamento com políticos porque foi assessor parlamentar do Exército, e tem habilidade para ouvir os diversos segmentos da sociedade. Se avançar com essas qualidades pode dar certo ou também ser vítima do mesmo grupo do barulho no governo Bolsonaro.

O maior temor que os militares que estão no governo têm é o de que venham a perder a credibilidade que conquistaram em trinta anos de silêncio e disciplina, após o fim da ditadura. Na visão que ouvi de um deles esta semana, o que estão vivendo agora não tinha acontecido antes.

— Em nenhum governo, desde a redemocratização, tivemos o protagonismo que temos neste. Isso pode ser um ônus se o governo der errado.

Na avaliação que eu ouvi, o presidente Bolsonaro não está errado em criar outras agendas, mesmo que algumas provoquem polêmica, como a liberação de armas ou a mudança no código de trânsito. Porque se ficasse apenas na reforma da Previdência poderia dar a impressão de uma administração paralisada.

Flávia Oliveira: Ajustes bem-vindos

- O Globo

O relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) —certamente desagradável aos olhos do ministro da Economia, Paulo Guedes — trouxe um punhado de bem-vindas alterações à reforma da Previdência (PEC 06/2019). A mais justa delas foi a revogação da mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). A equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro propôs pagar R$ 400 a partir dos 60 anos a idosos em situação de miséria; salário mínimo, só a partir dos 70. De quebra, o benefício não seria liberado a quem tivesse patrimônio superior a R$ 98 mil, Faixa 1 do Minha Casa Minha Vida). Isso inviabilizaria o pagamento a qualquer dono de imóvel simples numa grande capital do país. Era medida cruel, porque o benefício representa quase 80% do orçamento dos lares a que chega; e seis em cada dez assistidos são mulheres. Segundo dados da bancada feminina do Congresso, brasileiros de 65 anos vivem até os 83; entre os que recebem o BPC, pela vulnerabilidade ao longo da existência, a idade média de falecimento é de 74 anos. Acertou o relator ao propor a manutenção da regra atual, de um mínimo a partir dos 65 anos —e assegurar nove anos de dignidade na velhice.

Na aposentadoria rural, outro acerto. Em vez de equiparar a idade mínima em 60 anos e tempo de contribuição de 20 para homens e mulheres, o relator propôs manter o limite atual, de 55 para elas e 60 para eles, e elevar somente o tempo de contribuição masculina, mantendo 15 para as trabalhadoras. Preservar a diferença de idade faz sentido, porque o governo fez isso com contribuintes das áreas urbanas e servidores. Já a percepção de que o trabalho no campo é mais penoso, tanto para homens quanto para mulheres, recomendaria não mexer no tempo de contribuição. Autoridades gostam de apontar abusos na concessão de aposentadorias no campo, em razão do número de beneficiários superior ao de habitantes aptos. O assunto preocupa, é verdade, mas deve ser resolvido com ações de combate a fraudes, não dificultando o acesso por quem precisa.

Rogério Furquim Werneck: Desfecho impensável

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Estados e municípios se debatem com crise, na esteira do crescimento descontrolado de folhas de pagamento

‘Toda política é local”. É o que advertia Tip O’Neill, um político democrata que, na segunda metade do século passado, presidiu a Câmara dos Representantes, em Washington, por dez dos 35 anos em que lá defendeu os interesses do eleitorado de Boston. A famosa advertência ajuda a entender dificuldades que agora vêm sendo enfrentadas, em Brasília, na tramitação da reforma da Previdência.

É mais do que sabido que os governos subnacionais estão quebrados. A maior parte dos estados e municípios vem se debatendo com grave crise fiscal, na esteira do crescimento descontrolado de suas de folhas de pagamentos, notadamente de pessoal inativo. A aprovação da reforma da Previdência nos próximos meses lhes viria como providencial tábua de salvação.

Mas, por incrível que possa parecer, há resistência, no Congresso, à ideia de incluir estados e municípios na reforma a ser aprovada. O que muitos parlamentares alegam abertamente, sem papas na língua, é que não estão dispostos a contrariar interesses de servidores estaduais e municipais para aprovar mudanças que, em grande medida, beneficiariam governadores e prefeitos que não teriam de incorrer nos custos políticos da aprovação da reforma.

Preocupam-se, tais parlamentares, não só com seu desgaste junto a servidores estaduais e municipais, mas com os desdobramentos que a melhora das contas dos governos subnacionais poderá vir a ter na configuração do jogo político que terão de enfrentar nos seus estados de origem. A começar das eleições do ano que vem. Temem que suas próprias possibilidades venham a ser estreitadas e as de políticos concorrentes, ampliadas. Por chocante que possa parecer, o cálculo político implícito sugere que Tip O’Neill tinha boa dose de razão.

Dora Kramer: Vendaval de paixões

- Revista Veja

Reações exaltadas dificultam o bom entendimento do caso Moro

Em termos de normalidade, questões jurídicas não deveriam suscitar paixões políticas. Mas, como tudo no Brasil passou a se mover pelo combustível da exaltação, cá estamos mais uma vez em clima de clássico de futebol diante de um assunto em tese reservado a especialistas: a possibilidade de se anularem processos decorrentes da Operação Lava-Jato por causa da ilegalidade contida na troca de impressões e orientações entre o então juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Quanto à gravidade do caso, não restam dúvidas. Por mais corajoso, competente, moralizador e didático que tenha sido e venha sendo o trabalho da chamada República de Curitiba, isso não autoriza investigadores e julgadores a comprometer o processo legal porque imbuídos do melhor propósito. O próprio espírito da Lava-Jato consagra o princípio de que os fins não justificam a adoção de quaisquer meios, ainda que movidos por excelentes intenções.

Há indicações de que o caso vai crescer e, por isso mesmo, seria imprescindível que se andasse mais devagar com o andor das reações exaltadas a fim de encontrar um ponto de equilíbrio na análise do que já se sabe e do que ainda, segundo consta, vem por aí. Quanto mais grave se tornar a situação, mais necessário será traçar uma linha divisória entre o que é fato e o que é ficção motivada por paixonites político-ideológicas.

O barulho das torcidas dificulta o entendimento do quadro. Tanto atrapalham os que preconizam a desmoralização definitiva da Lava-Jato quanto os que não enxergam impropriedade (para dizer o mínimo) alguma na conduta de Moro e de Dallagnol.

Ricardo Noblat: General salta no meio do fogo

- Blog do Noblat / Veja

Missão arriscada
Não brinque com paraquedista. Uma pessoa capaz de pular de um avião em grande altura agarrado a uma espécie de balão de naylon que se não abrir ela morre, merece a admiração de quem jamais ousaria arriscar a tal ponto a própria vida. Por sua coragem, uma pessoa assim deve ser temida.

Com a demissão, ontem, do general Carlos Alberto de Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, e sua substituição pelo general Luiz Eduardo Ramos, que chefia o Comando Militar do Sudeste, o primeiro escalão do governo do presidente Jair Bolsonaro ganha seu terceiro paraquedista, dois com assento no Palácio do Planalto.

Bolsonaro é o mais conhecido, embora não o mais graduado dos três. Não passou de capitão. Foi afastado do Exército por indisciplina e conduta antiética. O outro paraquedista é o general da reserva Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa. Luiz Eduardo Ramos é general da ativa, o segundo com cargo no governo.

O primeiro foi o atual porta-voz da presidência da República, general Otávio Santana do Rêgo Barros. Mas ele é um general de Divisão com três estrelas nos ombros. Fernando Azevedo e Silva é general do Exército com quatro estrelas. E com outra vantagem: dos três, é o mais amigo de Bolsonaro que o chama de “meu ptibull”.

Dentro do Alto Comando do Exército, no ano passado, ninguém trabalhou mais pela eleição de Bolsonaro do que Fernando Azevedo e Silva. Depois da facada em Juiz de Fora, o general visitou Bolsonaro várias vezes no hospital Alberto Einstein, em São Paulo, e depois em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio.

A vida do novo ministro é pontuada por boas histórias. Adido militar em Israel, precisava se enturmar. Então decorou o Hino de Israel e aprendeu a cantá-lo em hebraico. Quando o fez pela primeira vez, encantou os israelenses e as portas se lhe abriram. Passou a ser convidado para todas as cerimônias oficiais.

Foi menos agradável a sua estadia na Sérvia, onde serviu nas das Forças de Paz da ONU. Ali, em Kosovo, sua tarefa era contar o número de bombas lançadas sobre a cidade durante a guerra. Naturalmente que não o fazia pessoalmente. Tinha soldados sob seu comando encarregados de contar. Mas a responsabilidade era dele.

Uma vez que tome posse do novo cargo, o tipo de encrenca que será obrigado a enfrentar testará todas as habilidades que adquiriu em combate. Nada mais efêmero do que o poder político. E nada também mais perigoso, mesmo que para um paraquedista. De tão amigo de Bolsonaro, Santos Cruz só o tratava de “você”.

O general demitido caiu porque Bolsonaro acreditou que ele fizera comentários desabonadores a seu respeito nas redes sociais. Pura intriga. Mas de nada adiantou Santos Cruz desmenti-la. O que de fato o ejetou da cadeira foi a oposição ao seu nome movida pelos filhos do capitão e por Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro.

Santos Cruz mandava na comunicação do governo. Por questão ideológica e financeira, os garotos e Olavo sempre quiseram mandar. Venceram a parada. E agora vão querer usufruir do butim. Resta saber como se comportará o paraquedista Fernando Azevedo e Silva diante de tamanho desafio. Boa sorte!

*Gilvan Cavalcanti de Melo: A utopia e os direitos

Arquivo do Blog: 9/3/2017

Há um tema que me desperta e provoca minha atenção: a questão da utopia. Nesse pequeno trabalho, tentarei de forma resumida, fazer uma aproximação sobre a minha percepção do polêmico assunto. É apenas uma hipótese entre tantas versões em circulação. Espero contribuir nesse debate instigante.

É conhecida a história política recente dos últimos 12 anos do País. São conhecidos, também, seus resultados políticos: “hegemonismo” partidário, cooptação, aparelhamento, mensalão, Lava-Jato, etc. Os fundamentos da democracia foram abalados: a divisão dos poderes da República esgaçados. O parlamento e os partidos políticos perderam protagonismo. Conhecidos, também, as sequelas da economia politicamente dirigida: recessão, juros altos, inflação acima do teto, milhões de desempregados, aumento da pobreza e da violência, etc. Os movimentos sociais omissos. Pior, em silencio. É conhecido a modificação no campo da ética: o cinismo, a manipulação, a enganação, a fantasia, a ilusão e a mentira, a corrupção sistêmica, passaram para a categoria de valores “universais”. Este é o nosso drama. Também a nossa miséria e tragédia.

Nessa circunstância, concreta, escuta-se muitas vozes de notáveis – dirigentes políticos, colunistas da mídia, intelectuais, etc. -, falar e escrever sobre a perda de utopia e a busca de uma nova. Mas, que isso significa? Buscar sua definição? A tentativa é bastante complicada, complexa e de múltiplas aproximações. Mas, o conceito é usualmente conhecido como “lugar inexistente”, “lugar feliz”, ou um mundo sem contradições.

Mas, isso não significa que não tenha valor político, inclusive, filosófico, mesmo desconexa e apenas esboçada. Neste aspecto, a religião é a mais gigantesca utopia que já apareceu na história: sua tentativa de conciliar as contradições reais da vida. Seria oportuno recordar um trecho de Marx na 'Introdução da Crítica da filosofia do direito de Hegel': “o homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular”. É uma realização fantástica e fantasiosa do ser humano.

A desconstrução do herói

A divulgação de conversas com o Ministério Público compromete Sergio Moro e pode soltar o ex-presidente Lula

Por Laryssa Borges e Nonato Viegas / Revista Veja

As sentenças do juiz Sergio Moro ainda serão objeto de estudo de juristas, sociólogos e cientistas políticos. Um fato, porém, é inquestionável: por meio delas, o Brasil mudou. Desde que Moro assumiu o papel de protagonista, a Justiça do país da impunidade levou à cadeia dois ex-presidentes da República (Lula e Michel Temer), processou outros dois (Dilma Rousseff e Fernando Collor) e praticamente dizimou a carreira de mais de uma centena de outros políticos, entre ministros, governadores, deputados, senadores e dirigentes partidários, ao desvendar o maior esquema de corrupção do planeta.

O trabalho dos integrantes da chamada força-tarefa da Lava-Jato, com Moro à frente, resgatou um pedaço do Estado que havia sido tomado por criminosos do colarinho branco e também condenou poderosos empresários tidos como intocáveis a cumprir prisão em celas comuns. Entre corruptos e corruptores, o juiz puniu pelo menos 140 pessoas com penas que somam mais de 2 000 anos. O protagonismo alçou Moro ao posto de celebridade. Seu índice de aprovação supera até o do presidente Jair Bolsonaro.

Moro tornou-¬se símbolo da Lava-Jato. A popularidade fez dele candidato natural a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). Por isso, ele foi escolhido pelo presidente para comandar o Ministério da Justiça. E por isso também os excessos que cometeu no exercício da magistratura nunca lhe renderam uma censura grave, mesmo quando divulgou um grampo ilegal com diálogos entre Lula e Dilma. Prevalecia até agora certa benevolência com determinadas decisões do então juiz, que eram consideradas menores diante de um bem maior: seu empenho no combate à corrupção. O herói parecia inatingível, a ponto de alguns já vislumbrarem até a possibilidade de ele se engajar em projetos pessoais mais ambiciosos, como a própria sucessão de Bolsonaro. Mas essa situação começou a mudar.

Na semana passada, a imagem de Moro como guardião da lei e da ordem ficou seriamente comprometida depois da divulgação pelo site The Intercept Brasil de mensagens que ele trocou com o procurador Deltan Dallagnol, o chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, enquanto julgava os processos. Os diálogos são inequívocos: mostram o estabelecimento de uma relação de coope¬ração incompatível com a imparcialidade exigida por lei de qualquer juiz.

A dobradinha teria beneficiado os acusadores em detrimento dos acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo. Para garantir a chamada paridade de armas entre defesa e acusação, o Código de Processo Penal (CPP) proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, “tiver aconselhado qualquer das partes”. Numa das mensagens divulgadas, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba relatou a Dallagnol ter recebido de “fonte séria” a dica de que uma testemunha teria informações sobre transferências de propriedade de um dos filhos de Lula. Em seguida, Moro orientou o procurador a ouvir a pessoa, que, contudo, não aceitou colaborar.

Decretos insensatos: Editorial / Folha de S. Paulo

Jair Bolsonaro sofre derrotas ao tentar impor normas sem aval do Congresso

O bolsonarismo alimentou a crença de que sua chegada ao poder representaria uma reviravolta no sistema político instituído após a Constituição de 1988. No Palácio do Planalto, o líder vai conhecendo, isso sim, os limites impostos pelas instituições democráticas.

Nos últimos dias, Bolsonaro, que já vinha se deparando, na tramitação da reforma da Previdência, com a necessidade de superar o padrão caótico das relações de seu governo com o Legislativo, sofreu dois revezes que podem ser pedagógicos —um no Supremo Tribunal Federal e outro no Senado.

No primeiro caso, os magistrados votaram por impor limites à ofensiva do Executivo para extinguir, por decreto e no atacado, conselhos, comitês e comissões instalados na administração federal com representantes da sociedade.

Todos os 11 ministros da corte entenderam que a canetada presidencial não pode atingir os colegiados que tenham sido criados por lei aprovada pelo Congresso Nacional, cuja proporção não se conhece ao certo —num sinal da carência de embasamento técnico da medida editada pelo Planalto.

A reforma e seus inimigos: Editorial / O Estado de S. Paulo

Muito ainda se falará sobre o relatório da reforma da Previdência, lido ontem na Comissão Especial da Câmara. Lá estão as linhas gerais do que poderá ser encaminhado para votação, no Congresso, com vista a mudar o sistema de aposentadorias, cujo déficit crescente consome grande parte do Orçamento federal, o que ameaça inviabilizar em breve o próprio funcionamento do Estado. Agora que a reforma começa a tomar forma, poderá ser discutida em todas as instâncias democráticas, nas quais sofrerá as mudanças que os representantes eleitos diretamente pelos cidadãos julgarem necessárias.

Enquanto isso, os inconformados com a democracia se preparam para fazer o que melhor sabem: em lugar de encaminhar suas reivindicações pelos meios próprios da política institucional, preferem apelar para a bagunça.

Centrais sindicais e movimentos ditos sociais convocaram para hoje uma “greve geral” de protesto contra a reforma da Previdência. As aspas são necessárias. Como sempre, a estratégia é conseguir paralisar parte do transporte público, impedindo os brasileiros de chegarem a seus locais de trabalho – e, assim, esses trabalhadores que não querem fazer greve serão contabilizados como “grevistas” pelos profissionais do caradurismo. Além disso, a tal greve foi marcada para uma sexta-feira, tornando-se na prática uma antecipação do fim de semana. Muitos “grevistas” certamente vão discutir alegremente a reforma da Previdência na mesa do bar, nessa “happy hour” proporcionada pelos sindicatos.

Políticos perdem chance de avançar na reforma: Editorial / O Globo

Mais do que discutir estimativas de economia, devem-se analisar as omissões do relatório

Na sua forma original, o projeto de reforma da Previdência inclui mudanças profundas na seguridade. Mas, pelo relatório da proposta, entregue ontem à Comissão Especial pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), os políticos perdem chance valiosa de lançar as fundações de um novo sistema previdenciário.

Deduzidos os efeitos das concessões negociadas com os partidos, o substitutivo de Samuel Moreira reduz a economia projetada de R$ 1,2 trilhão em dez anos, prevista pela proposta original, para R$ 915 bilhões. O relator inclui receitas provenientes da redistribuição de recursos do PIS/Pasep e do FAT, e ainda de um aumento de tributação sobre os bancos, para chegar à cifra de R$ 1,1 trilhão. É certo que esta maior tributação sobre instituições financeiras será devidamente repassada para a clientela na forma de taxas de serviço.

Sem reduzir a avaliação do relatório do deputado a um simples confronto de números, o que emerge do substitutivo de Samuel Moreira são algumas omissões e também recuos que reafirmam o poder que têm corporações de servidores públicos.

Estas conseguiram que os mais privilegiados do funcionalismo —aqueles admitidos até 2003 — possam manter o último salário de antes da aposentadoria e ter reajustes idênticos aos servidores da ativa, cumprindo uma transição mais suave.

Em eleição cheia de surpresas, Macri agora se une a peronista: Editorial / Valor Econômico

O fracasso do governo de Maurício Macri, após a derrocada de Cristina Kirchner, lançou os políticos argentinos no estado de confusão. Os passos dados pelas principais forças políticas vão de surpresa em surpresa. Cristina Kirchner, que nas pesquisas supera Macri no segundo turno, disse que concorrerá à vice-presidência, tendo à frente na chapa Alberto Férnandez, um peronista conciliador, sem expressão eleitoral. A jogada seguinte coube a Macri, velho inimigo do peronismo, que escolheu como seu vice o senador peronista Miguel Picchetto, hábil negociador e líder da maioria no Senado. Por último, a "terceira via" será representada por Roberto Lavagna, ex-ministro de Néstor Kirchner, tendo como vice outro peronista, Juan Manuel Urtubey, governador da província de Salta.

Das sete frentes eleitorais constituídas, as três com chances de vitória têm em seu nome palavras que sugerem união e entendimento. Macri arrasta a União Cívica Radical e a Coalizão Cívica em novo movimento, batizado de Juntos pela Mudança. Cristina obteve apoio da Central dos Trabalhadores Argentinos e de 16 partidos ou movimentos políticos, a maioria peronistas, para sua Frente de Todos, Lavagna, com socialistas e democratas cristãos, criou o Consenso Federal 2030.

Ninguém está acima da lei: Editorial / Revista Veja

VEJA não concorda com as teses reducionistas de que os fins justificam os meios nem que fronteiras podem ser ultrapassadas para combater a corrupção

Desde o seu início, a Lava-Jato vem prestando um grande e relevante serviço na luta anticorrupção no Brasil. Até maio, foram 61 fases, 321 prisões, 13 bilhões de reais recuperados e 244 condenações. Não há dúvida sobre os feitos positivos da operação para acabar com a promiscuidade desavergonhada que se instalou entre os setores público e privado no Brasil. Logo na largada, VEJA compreendeu a importância daquele momento e apoiou a investigação com uma vasta e intensa cobertura. Em cinco anos, foram 68 capas sobre o assunto e centenas de reportagens, tanto na edição impressa quanto na versão digital. Evidentemente, nada muda nesse aspecto. Continuaremos a incansável batalha contra um dos principais males que atrapalham o desenvolvimento do país: a corrupção.

Messianismo jurídico: Editorial / Revista Época

A publicação de trechos de conversas entre membros da Operação Lava Jato e o ex-juiz do caso, o atual ministro Sergio Moro, suscita debates sobre o papel de promotores, procuradores e juízes em investigações penais, a eventual quebra de imparcialidade quando se juntam contra uma das partes do processo e ao direito à informação e à transparência.

É fato que a origem nebulosa do material deve ser investigada e a punição à quebra da privacidade assegurada. É crime grave que viola direitos básicos do cidadão. No entanto, o direito à informação e a salutar transparência da coisa pública impõem a necessidade de apreciação de seu conteúdo.

A possibilidade de Moro ter orientado o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato, sobre como agir em determinadas situações dos processos que julgou e a manipulação para que a competência da investigação sobre um dos réus permanecesse em Curitiba estão na essência do problema legal a ser enfrentado.

O Código de Processo Penal diz que o juiz é considerado sem a devida imparcialidade se houver aconselhado a acusação ou a defesa. Determina que devem ser anuladas as decisões tomadas por juízes suspeitos.

Tidas como reais — porque até agora não contestadas —, há conversas que sinalizam a intromissão de Moro na investigação, com a sugestão de como proceder e de quando agir, fazendo críticas à atuação de procuradores e até indicando como produzir provas.

A discussão técnico-jurídica não será dissociada da abordagem ético-política. Injustiças devem ser toleradas em nome do combate à corrupção? Tal postulação não fere os valores democráticos mais essenciais?

Ferreira Gullar / Dois e dois: quatro

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena
como é azul o oceano
e a lagoa, serena

como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena

— sei que dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade, pequena

Ana Costa: Mais feliz )