Você acha que o Rio é uma cidade insegura por causa da violência das quadrilhas de traficantes de drogas que dominam as favelas da cidade? Pois saiba que a reunião da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia - que apresentou ontem seu relatório final propondo a descriminalização do uso pessoal da maconha como maneira de reduzir a demanda e o tratamento dos viciados como uma questão de saúde pública - foi realizada num hotel do Rio porque, na última hora, os promotores do encontro, que estava marcado para a Cidade do México, não se sentiram em condições de garantir a segurança dos participantes, entre eles os ex-presidentes do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria, da Colômbia e Ernesto Zedillo, do próprio México, que dividem a presidência da comissão.
Este é um exemplo da gravidade da situação que afeta do México nesse momento, muito semelhante à vivida pela Colômbia anos atrás. A proposta da comissão faz parte de um projeto maior da Organização das Nações Unidas (ONU) de rever os últimos dez anos da política de combate às drogas no mundo, e será debatida junto com outras numa reunião ministerial em Viena, na Áustria, em março.
A região está em sintonia com a maior parte do mundo na condenação da política de repressão militarizada que vem predominando nos últimos anos por pressão principalmente dos Estados Unidos, com o apoio da Rússia e do Japão.
No momento há um intenso lobby internacional para engajar a nova administração de Barack Obama nesse esforço para que a visão mais liberal prevaleça, sem abandonar o "combate implacável" ao tráfico.
A tese básica é que a política de combate ao tráfico tem sido custosa e ineficiente, inclusive para os Estados Unidos, seu grande mentor. O gasto anual subiu de US$10 bilhões nos anos 1980 para US$35 bilhões atualmente. Em 30 anos, o número de presos condenados por crimes relacionados com as drogas subiu de menos de 50 mil para 500 mil, representando um em cada quatro presos nos Estados Unidos.
Enquanto isso, o preço das drogas está estabilizado ou decrescente, e o consumo não é reduzido. Os estudos mostram que o tráfico de drogas, além de tudo, induz a outros tipos de crime.
A comissão propõe a descriminalização da maconha por ser esta a droga de uso amplamente majoritário no mundo, e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco. Este debate teria o dom de quebrar o tabu que o tema representa.
Segundo estatísticas, a média internacional de homicídios por 100 mil habitantes é de 5,98 em países não produtores de drogas, enquanto nos produtores sobe para 17,05.
Para reforçar a tese de que a legalização e a regulamentação do uso da maconha podem trazer benefícios, os defensores da tese comparam essa abordagem em nossos dias com fase da "prohibition" (proibição), como ficou conhecida a Lei Seca dos Estados Unidos, aprovada em janeiro de 1919, e que proibia a produção, venda e consumo de bebidas alcoólicas.
Mostrando que, como naquele tempo, a proibição das drogas não deteve o tráfico nem fez o consumo decrescer, chamam a atenção para o fato de que essa política, assim como nos anos 1920 criou condições para a atuação dos gângsteres, hoje em dia estabeleceu um mercado para o crime organizado em escala internacional.
Uma dos apoiadoras da comissão é a ONG do megainvestidor George Soros Open Society Institute, que promove políticas públicas em diversos países. Kasia Malinowska, diretora do programa global de políticas de drogas da OSI, acha que já é possível ver-se sinais de mudanças conceituais no novo governo dos Estados Unidos, que tenderia a adotar uma política de "redução de danos" na questão das drogas.
Um indício é que no site da Casa Branca sobre o assunto, confirmando o que Obama prometera na campanha eleitoral, já há a disposição de aceitar uma política de distribuição gratuita de seringas para proteger os viciados.
O problema é que a equipe do Departamento de Estado americano, que está em Viena atuando na preparação do documento final, ainda tem a perspectiva da posição mais radical do governo anterior, e teme-se que não haja tempo útil para que uma posição mais liberal já seja refletida no documento final, inclusive porque esta não deve ser a prioridade do novo Departamento de Estado neste momento.
A questão dos direitos humanos dentro da política de segurança pública é um dos pontos ressaltados pelos participantes da comissão, e há uma expectativa de que a nova política dos Estados Unidos de repressão às drogas leve mais em conta esse aspecto, mesmo porque o novo presidente Barack Obama já levantou muitas dúvidas, durante os debates eleitorais, com relação à violação dos direitos humanos no combate aos cartéis de drogas e o terrorismo na Colômbia.
A política de "guerra às drogas" tem na Colômbia um exemplo de sua ineficiência, com o governo Bush investindo milhões de dólares num programa que não teve efeito na contenção do tráfico, mas está tendo êxito na parte de segurança interna e no combate à guerrilha.
É provável que a política mude seu foco, passando a ações mais construtivas na parte institucional. Essa estratégia de reforçar os aspectos institucionais, sem abandonar o "combate implacável" aos traficantes, tem tudo a ver com a guerra das drogas em países como o Brasil, e às gangues que dominavam as favelas do Haiti.
Um dos coordenadores da comissão é o sociólogo Rubem Cesar Fernandes, do Viva Rio, ONG que atua nas favelas do Rio e acompanha também o trabalho brasileiro no Haiti.
O Brasil assumiu o comando da Força de Paz e usou a estratégia de prestar serviços básicos à população, depois de dominar as partes de Porto Príncipe que estavam controladas por gangues, o que foi fundamental para o êxito da força internacional de paz.
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