DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Com as importações, temos um sistema mais eficiente de preços e a economia como um todo fica mais produtiva
Com as importações, temos um sistema mais eficiente de preços e a economia como um todo fica mais produtiva
Tenho acompanhado com interesse o processo de abertura da economia brasileira no período do real forte. O que vem ocorrendo é um excepcional exemplo de como a racionalidade econômica constrói um processo de mudanças estruturais.
Tudo começou com o fortalecimento de nossas contas externas a partir da demanda chinesa. Com os preços das matérias-primas em alta e o aumento das quantidades exportadas, o Brasil passou a acumular elevados saldos comerciais. Em resposta a essa nova situação, o real passou a ser uma moeda confiável, permitindo que as empresas brasileiras utilizassem as importações como alternativas de produtos e matérias-primas aqui produzidos.
Na etapa seguinte, as cadeias de distribuição dos produtos importados foram implantadas de forma eficiente para responder ao aumento da demanda. A forma de produção das economias de hoje exige a disponibilidade quase imediata das mercadorias, sejam elas produtos intermediários ou finais. Para tanto, é preciso que os distribuidores tenham estoques e capacidade logística de entrega. E isso leva bastante tempo para ser conseguido.
Outro fator que retardou o processo de abertura no Brasil foi a existência de um certo terrorismo dos produtores locais, ameaçando com o corte do fornecimento os clientes que usassem as importações como fator de pressão por preços menores. Por tudo isso foram necessários vários anos para que, depois da volta da confiança no real, as importações passassem a funcionar como mecanismo de ajuste de preços em setores importantes da economia.
Trago essas reflexões motivado pela leitura de um relatório sobre a formação de preços no mercado de aço no Brasil. Historicamente os preços dos vários tipos de aço produzidos aqui apresentavam um prêmio de 25% em relação aos produtos importados. Ou seja, indústrias importantes como a automobilística e a de eletrodomésticos pagavam por essa matéria-prima 25% a mais do que os produtores de outros países. E claramente repassavam esse sobrepreço para os consumidores.
Com a abertura do mercado nos últimos meses, esse prêmio já é menor do que 10%. A Volkswagen brasileira já compra no exterior mais de 20% de suas necessidades de aço.
Outras empresas certamente estão adotando a mesma política. Com isso, a capacidade das siderúrgicas brasileiras de impor sobrepreços elevados foi muito reduzida.
Como ainda existe uma proteção tarifária de 12% e os custos de transporte do aço importado oneram seu preço final, as siderúrgicas locais perderam apenas parte de seu mercado. Com isso, foi possível acomodar os custos mais elevados de produção no Brasil sem abrir mão de uma dinâmica de concorrência e de preços com alguma flexibilidade para baixo. Um arranjo que me parece muito eficiente.
Outro setor em que as importações têm contribuído para um sistema mais eficiente de formação de preços é o da indústria automobilística. O mesmo processo de formação de cadeias de distribuição e contratos de fornecimento de longo prazo vem ocorrendo nos últimos anos.
Com isso temos um maior coeficiente de importação na cadeia de produção local e os automóveis importados reduzem a capacidade das montadoras de aumentarem seus preços. Estudo recente mostra que os preços dos automóveis no Brasil têm crescido sistematicamente abaixo do índice geral de preços ao consumidor.
O valor real de um automóvel popular deflacionado pelo salário mínimo caiu 40% entre 2005 e hoje. O aumento menor dos preços desse automóvel em relação ao IPCA do período representou 40% desse ganho para o consumidor.
São inúmeros os exemplos de setores industriais que tiveram o mesmo comportamento. Os ganhos com o aumento das importações nos últimos anos são expressivos e mostram que a crítica indiscriminada contra a abertura não fazem sentido. Perde-se do lado da produção interna, mas temos um sistema mais eficiente de preços e a economia como um todo fica mais produtiva.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso). Escreve às sextas, quinzenalmente, nesta coluna.
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