Ação violenta da polícia leva ministra da Defesa à renúncia, e manifestantes convocam greve contra Morales
LA PAZ. Um cabo de guerra que já dura 42 dias entre o governo boliviano e índios da região amazônica do país abriu ontem uma crise e fez sua primeira vítima no campo político. A ministra da Defesa, Cecilia Chacón, apresentou sua renúncia por discordar da repressão violenta da polícia, no domingo, à marcha de 1.500 indígenas contra a construção de uma estrada que passaria por uma reserva natural. Por sua vez, sindicatos, associações indígenas, partidos de oposição e grupos ecologistas protestaram em La Paz, Sucre e Cochabamba, pedindo a renúncia de Evo Morales, enquanto a Central Operária Boliviana convocou uma greve geral para amanhã.
A ação, que irritou grupos indígenas - uma das bases do governo de Evo Morales - deixou uma criança morta, e resultou em diversas pessoas feridas e presas, segundo a Igreja Católica do país. Os policiais atacaram a multidão com gás lacrimogêneo e porretes. O governo nega ter ordenado a repressão, e garante que não houve mortos. Ontem, a polícia foi obrigada a libertar 200 índios depois que uma multidão de moradores bloqueou uma estrada e um aeroporto perto do povoado de Yucamo, a 300 quilômetros de La Paz, onde ocorreram os confrontos da véspera. Manifestantes diziam que ainda havia relatos de desaparecidos.
Para oposição, ofensiva foi atitude ditatorial
Segundo a polícia, os agentes só partiram para a violência após terem sido ameaçados com flechas pelos índios. Mas a repressão causou mal-estar dentro e fora do governo.
"Renuncio pois não concordo com a medida de intervenção assumida pelo governo, e não posso defendê-la nem justificá--la", disse Cecilia, em carta a Evo Morales, afirmando ao presidente que havia alternativas pacíficas para lidar com a questão.
Rolando Villena, que ocupa o cargo de ombudsman do governo boliviano, desmentiu as versões policiais, assegurando ter relatos de que os agentes atacaram quando os indígenas estavam se preparando para jantar.
- Há relatos de crianças feridas, mães que não conseguem achar seus filhos. Isso não é uma democracia - disse Villena.
A oposição também condenou abertamente o episódio, tachando o governo de Morales de "ditatorial".
- Se foi o presidente que ordenou a ofensiva contra a marcha, ele sepultou sua liderança e deixou de ser símbolo de mudanças - disse Doria Medina, ex-candidato à Presidência pela centro-direita.
Tentando acalmar a situação, Morales convocou lideranças indígenas ao diálogo na noite de ontem, e abriu uma investigação para apurar os detalhes sobre a ação policial. Do seu lado, os indígenas ainda debatiam se continuavam o protesto, iniciado em agosto, quando mais de mil pessoas começaram a marchar os 500 quilômetros que separam a reserva Isiboro Secure da capital.
Alvo do protesto, a estrada é construída pela empresa brasileira OAS, e deve ligar o Brasil a portos do Chile e Peru, passando pela Bolívia. O governo e La Paz defende a obra, afirmando que a economia boliviana se beneficiaria com a construção da estrada. Mas, pressionado, Morales prometeu organizar um referendo sobre a questão nas províncias que serão cortadas pela rodovia. Os índios, no entanto, sabem que produtores de coca - a principal base de Morales e maiores beneficiados pelas obras - votarão a favor do projeto.
Para analistas políticos, o episódio confirma a decepção dos povos nativos bolivianos em relação ao presidente - que durante a campanha eleitoral fez questão de sublinhar sua origem indígena para conquistar o apoio desse grupo, cerca da metade da população do país. Apesar de Morales ter promovido medidas que favoreceram os índios em seu governo - como a adoção de 36 idiomas no país além do espanhol e maior autonomia para os grupos indígenas - críticos o acusam de privilegiar os produtores de coca em detrimento do resto do país.
FONTE: O GLOBO
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