A conquista das presidências da Câmara e do Senado pelo PMDB, somadas à Vice-Presidência da República, resultou em um acúmulo de poder institucional que não se via na democracia brasileira desde 1987-88, quando o próprio partido detinha o controle do Congresso e a Presidência do país, com José Sarney. Desde então, muitos se perguntam como um partido ideologicamente amorfo e heterogêneo, desprovido de lideranças nacionais de destaque e de um projeto eleitoral unificado, consegue tamanho êxito, a ponto de situar-se como parceiro indispensável de quaisquer dos governos liderados por PSDB e PT, que polarizam a dinâmica nacional desde 1994. Como explicar esse aparente paradoxo?
Em primeiro lugar, a força do PMDB possui óbvias conexões com aspectos institucionais do sistema político. Em nosso arranjo federativo, as eleições para o Congresso não ocorrem no país como um todo, mas nos Estados: assim, partido forte no plano nacional é partido capaz de eleger muitos deputados e senadores na maioria dos Estados. Com isso, mesmo sem envolver-se diretamente na disputa presidencial, um partido com grandes bancadas pode se posicionar como ator relevante nas coalizões de governo, inevitáveis frente à fragmentação do atual sistema partidário.
Por outro lado, o PMDB possui uma malha organizacional amplamente difundida pelo Brasil. Em relação às seções municipais, o partido, presente em cerca de 90% das cidades, é superado apenas pelo PT, que se encontra organizado em aproximadamente 97% das localidades (dados do TSE). No entanto, considerando-se também os dados eleitorais, pode-se afirmar que o PMDB ainda possui a maior máquina partidária do país. Embora não ostente os mesmos números de duas décadas atrás, o partido ainda elege a maior quantidade de membros nos municípios: foram 1.020 prefeitos e quase 8 mil vereadores eleitos em 2012, muito à frente de seus concorrentes, como PSDB (709 e 5.250, respectivamente) e PT (633 e 5.173). Em um país extenso e com mais de 5,5 mil cidades, essa capilaridade constitui um capital nada desprezível, que pode ser mobilizado nas eleições para os cargos nacionais e estaduais.
Paradoxos que carregam a força e a fraqueza do PMDB
Essa máquina foi construída malgrado um traço que é uma constante na história do PMDB: a falta de coesão interna. Com a imposição do bipartidarismo pela ditadura militar em 1966, extinguindo-se o sistema partidário anterior, deputados e senadores tiveram que se arranjar entre Arena e MDB. Com isso, o partido que teria um papel importante na oposição ao regime militar já nascia altamente heterogêneo, aglutinando tanto parlamentares progressistas que sobreviveram às cassações, quanto representantes de claro matiz conservador, como os provenientes da UDN. Desde então o partido sofre com a falta de um programa unificador, de um amálgama ideológico que articule suas distintas correntes; ao mesmo tempo, já nascendo grande em muitos Estados, sempre enfrentou dificuldades análogas em articular os interesses muitas vezes conflitantes de suas elites regionais.
Nesse panorama, os órgãos nacionais do PMDB funcionaram constantemente como arenas de resolução de conflitos entre os caciques regionais, com a direção nacional atuando ora como mediadora, ora como instrumento de afirmação de um grupo estadual sobre os demais. Ao longo da história, não foram poucas as vezes em que a imobilidade no plano nacional foi a única resultante possível desse precário equilíbrio em um ambiente conflitivo. A partir do fim dos anos 80, com o desaparecimento de fatores que possuíam algum potencial de aglutinação interna (principalmente a luta pela redemocratização), tal heterogeneidade se tornou ainda mais aguda, fazendo do PMDB uma federação de máquinas estaduais, com diferentes perfis programáticos, de ação política etc.
É aqui que se situa a chave do enigma pemedebista. Aprendendo, como poucos, a jogar sob as atuais regras institucionais, os líderes do partido transformaram a heterogeneidade atávica e o amorfismo ideológico em vantagens competitivas. Entre os grandes partidos, o PMDB é o que concede maior autonomia decisória às seções partidárias locais e, principalmente, estaduais, seguindo uma receita de descentralização federalista que marca a história partidária brasileira. Liberada das amarras e compromissos nacionais, cada seção pode adotar as estratégias mais adequadas (e pragmáticas) à realidade estadual, maximizando seu desempenho. Disso resultam grandes (e heterogêneas) bancadas na Câmara e no Senado, garantindo o poder de barganha da sigla. Em um sistema partidário no qual plataformas definidas e diferenciáveis cedem o pouco espaço que tinham a uma espécie de pragmatismo radical das estratégias político-eleitorais, que caminha no limiar entre a negociação e o tráfico de apoios, alianças e legendas, tal tática floresce sem grandes obstáculos - o que não escapa à percepção de outras forças do tabuleiro político, incluindo o PSD de Gilberto Kassab e o novo partido de Marina Silva (a conferir), ambos comodamente autodeclarados "além" da direita e da esquerda, e "nem governo, nem oposição".
Portanto, a falta de um plano político-eleitoral nacionalmente unificado (como possuem PSDB e PT) não é sinônimo da ausência de uma estratégia política. Para o PMDB, a falta de planos nacionais constitui-se, por si só, em uma estratégia política, eficaz em termos da ocupação de espaços de poder em Brasília e, ao mesmo tempo, a única viável para evitar a implosão da sigla. É esse paradoxo, que carrega tanto a força como a fraqueza do partido, que sustenta o protagonismo do PMDB na democracia brasileira.
Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos, onde coordena o Centro de Estudos de Partidos Políticos (CEPP),
Fonte: Valor Econômico
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