Uma reforma política mínima, mas corajosa, é que pode conter a inclinação da sociedade pela satanização da política. O resto é um bom e necessário começo
A Câmara aprovou ontem por unanimidade o fim do 14º e do 15º salários dos parlamentares, matéria que o Senado já aprovara. Era uma dívida, um fardo que pesava sobre a Casa. Com habilidade e rapidez, contrariando o baixo clero, o novo presidente, Henrique Eduardo Alves, construiu o consenso partidário que o jogou ao mar. Mas será mesmo esta medida capaz de resgatar “a altivez e a dignidade do Parlamento brasileiro”, como ele escreveu depois da votação em seu Twitter? Foi um passo, mas ainda há muito caminho a andar.
Uma evidência de que a supressão das regalias, por si só, não tem efeito tão significativo para a restauração do respeito ao Legislativo: o Senado, embora tenha aprovado a mesma medida em maio do ano passado, não teve refresco no resto do ano e agora enfrenta esta campanha equivocada pedindo a destituição do presidente eleito Renan Calheiros. Equivocada porque a garantia de participação popular existe em relação ao processo legislativo. Subscrições de um milhão de eleitores podem propor leis e emendas, mas não interferir nos processos administrativos internos, como a eleição da Mesa. Quem tem mandato tem legitimidade, pode votar e ser votado nas eleições internas. O veto do eleitor deve acontecer lá atrás, barrando os candidatos que não julgam merecedores de mandato.
Mas a Câmara precisava mesmo aprovar a matéria. Sempre que o assunto vinha à baila, os senadores diziam: nós votamos, mas a Câmara segurou o projeto. Agora enviou à sociedade um sinal de que está buscando a sintonia perdida. Assim como Alves, Renan e seus pares, no Senado, também têm uma agenda positiva. Despesas foram suprimidas, procedimentos novos estão sendo adotados, como a adequação do regimento de modo a permitir sessões especiais para grandes debates temáticos. Até a oratória, hoje uma arte esquecida, que já teve grandes praticantes naquela casa, como Brossard, Marcos Freire, Jarbas Passarinho, e no passado mais distante, Rui Barbosa, Duque de Caxias, JK e Affonso Arinos, entre outros, poderá dar o ar de sua graça.
Mas, para a restabelecer de fato o respeito ao Congresso, será necessária uma transformação no modo de escolher os representantes, vale dizer, nas regras eleitorais. Isso é a reforma política, que Henrique Alves também promete enfrentar. Sempre realista, o primeiro vice-presidente do Senado, Jorge Viana, afirma: “Medidas de austeridade são importantes, mas não teremos sucesso se a reforma política não for aprovada, e tratar, por exemplo, do fortalecimento dos partidos. Se não abordar o financiamento de campanha, que em boa parte já público, mas não é assumido como tal, porque sofre a intermediação de interesses privados. Precisamos valorizar o voto do cidadão, dando-lhe transparência efetividade. Enquanto o poder econômico der as cartas nas eleições, não vamos ter igualdade de oportunidade para todos os candidatos”. Muito menos para as candidatas, provado está que as mulheres têm muito menos acesso às fontes privadas de financiamento. Por isso, as cotas para mulheres não reduziram nossa vergonhosa desigualdade de gênero no parlamento.
Uma reforma política mínima, mas corajosa é que pode conter a inclinação da sociedade pela negação e a satanização da política. O resto é um bom e necessário começo.
Ninho paulista
Boa parte do que está acontecendo nos movimentos eleitorais não foi combinada ainda com as elites (políticas e econômicas) daquele poderoso vizinho do Brasil chamado São Paulo. Principalmente no PSDB. Fernando Henrique tem apoiado decididamente a candidatura do mineiro Aécio Neves, mas ele, hoje, está mais para papa do que para um cardeal que realmente tange as ovelhas.
O governador Geraldo Alckmin, ator relevante naquele rincão, ainda não entrou no jogo. Assim como o recolhido ex-governador José Serra. Alckmim busca a reeleição, que ficou mais difícil depois da crise na área de segurança pública, que o impopularizou. Mas ele tem 12 bilhões de dólares para investir este ano. Bem usados, podem aumentar seu cacife. A Assembleia Legislativa paulista é a única que só elege sua Mesa Diretora em março. Depois que isso ocorrer, Alckmin fará uma reforma do secretariado, que pretende tornar mais robusto para enfrentar a reeleição.
Se vai disputar a reeleição, apoiará Aécio para presidente. Parece óbvio, mas ainda não aconteceu. No fim de janeiro, Aécio o visitou e perguntou se pretendia disputar a presidência. Ele negou, disse ter tido sua vez, agora queria se reeleger. Aécio então jogou a segunda carta: só seria candidato com seu apoio explícito. Em sinal disse, gostaria que ele participasse de ato com ele em Minas. Alckmin disse que sim, mas era cedo.
Sabe-se, entre os tucanos, que através do deputado Márcio França, do PSB, o governador Eduardo Campos tem lhe enviado mensagens. Elas sugerem que, mesmo apoiando Aécio, o governador devia guardar “espaço” em sua base eleitoral para o socialista. Isso lhe daria peso num eventual segundo turno em que o tucano ficasse de fora.
Desencantar Alckmin, eis a tarefa de Aécio agora.
Fortaleza no mapa
Prossegue a corte petista aos irmãos Cid e Ciro Gomes, cunha na unidade do PSB em torno da candidatura presidencial do governador Eduardo Campos. O ex-presidente Lula e outros luminares do PT estarão hoje em Fortaleza, abrindo o primeiro dos 13 seminários do PT por seus 10 anos no poder.
Em 13 de março, a presidente Dilma é que será recebida com grande festa na capital cearense pelo governador Cid Gomes, para inaugurar a Zona de Processamento de Exportações do estado.
Fonte: Correio Braziliense
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