sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Mais uma carta a Chico - Leonardo Cavalcanti

Sabe quando um texto não combina com o autor? O compositor decidiu atropelar tudo, louco para terminar logo a tese em defesa da censura, como deve ser chamado o veto às biografias não autorizadas. A pressa é inimiga da elegância, sabe-se. Restou o erro e um pedido de desculpas meio torto

É constrangedor escrever sobre alguém tão familiar, mas que, na verdade, não conhece você. Além do que o título acima é presunçoso, por mais que o cidadão, citado pelo apelido, tenha participado de todas as fases da vida de uma multidão, desde 1965, quando lançado o primeiro compacto, com Pedro Pedreiro e Sonho de um carnaval. As músicas de Chico Buarque são a trilha sonora dos brasileiros. Aqueles com menos de 48 anos escutam o compositor desde o nascimento. Não apenas as nossas filhas gostam dele, a gente também gosta — e aqui o primeiro e último trocadilho com a letra de Jorge Maravilha.

Antes de qualquer consideração, é preciso estabelecer que, neste espaço, não será apresentado um texto falsamente endereçado a Chico Buarque, um modelo cansado, repetido aos montes. Depois de duas semanas de controvérsia sobre as biografias não autorizadas e após todos os pitacos, sobram aspectos políticos e econômicos da polêmica, algo adequado a este espaço. Mas nada digno de direitos de respostas ou mesmo processos judiciais. Aos infernos. Trata-se apenas de um desabafo de quem ficou surpreso com o artigo publicado no jornal O Globo de quarta (16). A defesa de Chico Buarque do veto às biografias não autorizadas é esquisita, como se o texto não combinasse com o autor. Algo descolorido, samba sem cadência. Letra chata de uma música pop mal elaborada.

Bobagens
Primeiro, o apoio à atual legislação é bobo e, sim, deve ser tratado como veto, censura ou qualquer coisa ditatorial que o valha. Chico Buarque escreve de maneira feia, diria até um tanto apressada, como se louco para terminar aquilo ali. Não é fácil escrever no calor da hora, aliás é sempre um risco, como quase tudo na vida. E mais: antes da perfeição, a pressa é inimiga da elegância. Com os atropelos, tudo fica reduzido a pequenos casos para explicar o conjunto, no caso explicar a falta de liberdade, um item caro à sociedade. Então, vamos aos fatos e às declarações indefensáveis, mesmo para advogados formais e informais de Chico Buarque. Ainda pergunto por qual razão ele entrou nisso.

Dois artigos do Código Civil proíbem, quando acionados, a biografia de gente pública, como Caetano, Gilberto Gil ou políticos, por exemplo. No texto de Chico Buarque, a legislação é citada como positiva por ter barrado livros infames. Um dos argumentos de artistas para tal defesa é a invasão de privacidade. De pessoas públicas, de gente que decidiu por conta e risco ser artista ou parlamentar? Êpa, isso não cola nem aqui nem na Rússia nem na China — ou mesmo na Arábia Saudita e Cuba —, países que decidiram controlar as biografias, autorizando apenas as autorizadas pelos biografados ou parentes. Seria tudo muito monótono para uma vida. Ler apenas o que alguém autorizou ser lido.

Academia
E aqui chegamos ao segundo argumento dos censores: o erro, a calúnia, a difamação, o aproveitamento de charlatões fantasiados de biógrafos. Pode ocorrer tal coisa? Claro que sim, com atores, cantores ou políticos. Mas para isso existem os processos, os advogados, o próprio mercado editorial brasileiro, sujeito às regras de conduta. Mas isso não é motivo para vetar a produção literária de não ficção. E do que falar sobre as pesquisas acadêmicas? Imagine agora, historiadores sendo interpelados por familiares de personagens públicos. Pode ser um exagero, mas ninguém está a salvo com a censura. Daí o argumento da ex-ministra Ana de Holanda ser mais razoável do que o do irmão, Chico. “Afinal, sou filha de um historiador”, disse ela ao jornal O Globo. O compositor parece ter esquecido de tal detalhe.

A controvérsia das biografias não autorizadas se estabeleceu depois da criação do grupo Procure saber, coordenado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso. Era previsível que a controvérsia se estabelecesse com a dupla. Ou mesmo mensagens truncadas, estridentes e vazias, como a manifestação de um Black Bloc. Vide a última aparição do cantor baiano mascarado. Mas com Chico Buarque imaginava-se algo diferente, com a elegância sutil de Bobô. Sem bolas divididas ou chutes para a arquibancada. Restou o erro ao dizer que nunca tinha sido entrevistado pelo biógrafo Paulo Cesar de Araújo e o pedido de desculpas meio torto. Foi decepcionante.

Fonte: Correio Braziliense

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