- O Globo
Se chover acima da média histórica na estação chuvosa, ainda assim haverá uma conta de energia amarga para se pagar nos próximos anos. O preço já foi determinado por decisões anteriores. No ano passado, o governo emprestou R$ 10 bilhões para as distribuidoras. Agora, são mais R$ 17,7 bilhões e sobre esses recaem juros bancários. Chova ou faça sol, será cobrado do consumidor.
Há variáveis que podem mitigar o problema, mas a conta já está alta demais pelos custos nos quais as empresas já incorreram que serão transferidos para as contas de luz por determinação do próprio órgão regulador. O empréstimo foi tomado em nome da sociedade.
- É possível prever, sim, o impacto nas contas de luz e não depende da hidrologia, porque a maior parte dos fatos já ocorreu, é jogo jogado - explica Mário Veiga, da consultoria PSR.
Começando de 2013, o Tesouro fez um depósito de R$ 8,5 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para atenuar os efeitos da MP 579. Além disso, o governo emprestou sem juros R$ 10 bilhões para as distribuidoras para elas pagarem em cinco anos a partir de 2014. Quando chegou este ano, o governo decidiu começar a cobrar a partir do ano que vem. Isso irá para as contas de luz.
Em 2014, o governo induziu o setor privado a tomar dois empréstimos, até agora, para cobrir as diferenças entre custo e receita das distribuidoras, e o aval bancário é o aumento futuro da conta de luz.
- Isso é o gasto projetado do setor elétrico adicional à tarifa que seria cobrada normalmente. Acho curioso dizer que depende da hidrologia para haver ou não um tarifaço, porque ele já está acontecendo, o aumento médio este ano das empresas está em 25% e nesse reajuste não estão embutidos os empréstimos feitos às distribuidoras - diz Mário Veiga.
Ele sustenta que definitivamente "a culpa não é da chuva", porque, pelos dados que tem, esse não é nem o pior nem o segundo pior ano de média histórica de chuvas, mas sim o nono ano pior. E 2013 foi um ano excelente.
Os empréstimos às distribuidoras, mais o uso intensivo das térmicas, criaram um custo que será repassado ao consumidor. No ano passado, apesar da boa quantidade de chuvas, as térmicas ficaram ligadas quase o ano inteiro e isso encareceu a energia. Os erros nos leilões deixaram empresas expostas ao preço da energia no mercado de curto prazo. Em 2008, também as cotações no mercado de curto prazo subiram, mas não houve problema porque as distribuidoras tinham contratado a energia que precisavam. As compras foram apenas residuais.
E o problema é que, se o preço aumentar muito, podem ocorrer vários efeitos colaterais complicados. Um exemplo é o aumento da inadimplência. E o outro é o da queda da demanda por redução do consumo da energia industrial. Essa queda da demanda não seria por programas de eficiência energética, mas por queda do nível de atividade, como está acontecendo agora.
Há outros fantasmas rondando. A Eletrobrás vai receber R$ 6,5 bilhões de empréstimo, para fazer seu plano de negócios, e quem vai emprestar é a Caixa e o Banco do Brasil. Desse dinheiro, tirará uma parcela de R$ 425 milhões para um pagamento emergencial à Petrobras, a quem deve R$ 6,1 bilhões. Uma bomba de custos, déficit e dívida foi armada.
Bom é ouvir Maricotinha, de Dorival Caymmi, para pensar na vinda ou não da chuva. Na crise do setor elétrico, é melhor não esperar para decidir apenas se fizer bom tempo. Ainda que chova, o problema não se resolve sozinho. Na música, há o delicioso dilema de Caymmi ir ou não ir. Na vida real, será preciso enfrentar a pilha de problemas que se acumularam no setor e que vai inevitavelmente impactar os preços dos próximos anos.
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