- O Globo
O financiamento dos partidos com recursos públicos é comum nas democracias atuais. Segundo levantamento do instituto Idea (International Institute for Democracy and Electoral Assistance, de Estocolmo), dois terços dos 180 países avaliados adotam algum tipo de subsídio estatal às organizações partidárias ou às campanhas eleitorais. Esses subsídios foram introduzidos de forma mais sistemática na segunda metade do século XX, mas Uruguai e Costa Rica foram os primeiros países a alocar recursos aos partidos políticos, já nos anos 1930. As justificativas oficiais para a introdução desses subsídios variam, mas há um reconhecimento crescente de que os partidos políticos cumprem uma função pública importante e merecem apoio financeiro do Estado para as suas atividades durante o processo eleitoral e fora dele.
As circunstâncias nas quais cada país introduz o financiamento público variam bastante. Nos Estados Unidos, o sistema de financiamento público das eleições presidenciais foi introduzido em reação ao escândalo Watergate. No Brasil, o Fundo Partidário foi introduzido no início do governo militar, em um contexto de repressão e limitação das liberdades políticas. Na Alemanha, os partidos políticos introduziram o financiamento estatal como forma de resolver as dificuldades financeiras das legendas, mas, ao mesmo tempo limitaram o acesso das maiores siglas a esses recursos. A história dos motivos oficiais e velados da introdução do financiamento público ainda está para ser escrita.
Uma constante no financiamento público de partidos tende a ser o fato de que ele dificilmente é revertido. Quando é introduzido o financiamento público, os partidos tendem a ampliá-lo de diferentes formas, seja aumentando os valores alocados, seja financiando eleições subnacionais ou regionais, como no caso do Parlamento Europeu; ou alocando recursos para as eleições primárias, como nos Estados Unidos.
Uma tendência recente é a adoção de financiamento público indireto por meio do acesso gratuito à mídia, sistema conhecido no Brasil com o horário eleitoral gratuito em rádio e TV, ou a ampliação do financiamento a partidos e eleições simultaneamente, adotada na Argentina e na Colômbia, entre outros. Uma vez introduzido o financiamento público, os partidos dificilmente largam esse osso.
Mas há exceções. Estas dependem de um ator externo forte. No caso da Alemanha, a Corte constitucional nos anos 1950 vetou o financiamento das organizações partidárias, liberando somente subsídios para as eleições. Depois, reviu a posição e adotou um teto máximo de financiamento. Cada partido pode receber do Estado no máximo a metade dos seus recursos totais arrecadados.
Na América Latina, curiosamente, foram líderes de esquerda que limitaram o financiamento público. No Peru, Alan García simplesmente não alocou recursos orçamentários ao fundo para partidos, extinguindo temporariamente o apoio a eles. Na Venezuela e na Bolívia, os dois líderes Hugo Chávez e Evo Morales aboliram o financiamento público por meio de reformas. A nova Constituição da Venezuela, de 1999, veda expressamente o financiamento público de organizações políticas, e Evo Morales aprovou uma lei em 2008 no mesmo sentido.
Em relação ao financiamento público de partidos e eleições, há dois conflitos distributivos constantes: o primeiro, mais conhecido, refere-se à distribuição dos recursos entre os partidos. O segundo, menos visível, coloca a sociedade em confronto com o conjunto dos partidos financiados.
Em relação a essa segunda questão, a legislação brasileira estabeleceu salvaguardas para os partidos, garantindo a eles um piso mínimo de financiamento e até indexando os valores à inflação e ao tamanho do eleitorado. Falta introduzir uma proteção em sentido contrário, salvaguardando a sociedade da demanda insaciável dos partidos por recursos adicionais, que se manifestou na recente aprovação da media que triplica os recursos do Fundo Partidário em 2015.
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Bruno Wilhelm Speck é professor de Ciência Política da USP
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