- Folha de S. Paulo
Os cem dias iniciais de trepidação por que passou a segunda gestão Rousseff promoveram uma guinada no curso do governo. O presidencialismo brasileiro mostrou plasticidade para absorver o impacto de vetores que debilitaram a mandatária e o seu partido sem, no entanto, produzir ruptura.
Em vez do modelo tradicional, em que um presidente forte lidera coalizão legislativa domesticada, hoje uma maioria fluida no Congresso, mediada pelos chefes da Câmara e do Senado, sintoniza interesses circunstanciais com o vice-presidente tonificado. Essa turma toca o barco.
Associa-se ao consórcio o ministro da Fazenda, que obtém vitórias esmagadoras no Executivo, por onde desfila incontrastável, e atenuadas no Congresso para seu programa emergencial de arrocho.
Esses são os contornos da relativa estabilidade dos últimos 40 dias.
O arranjo resolve a crise de curto prazo e seria suficiente caso faltassem seis meses para o fim do mandato de Dilma. Com três anos e meio à frente, o seu maior defeito, o de fazer submergir a liderança natural do presidente sem colocar nada parecido no lugar, prognostica instabilidade e, pior, arrisca desencadear danos duradouros e difíceis de consertar.
Em razão da acefalia, eclodiu o desafio de reformar a Previdência em poucos meses, num ambiente propício à irracionalidade que desequilibra as contas. Que tal decidir nesse mesmo clima que ministros do Supremo perdem a vitaliciedade e passam a ter mandato de 11 anos, que o procurador-geral deixa de ter a prerrogativa de recondução, que senadores ficam 10 anos na cadeira ou que os presidentes da Câmara e do Senado se tornam reelegíveis?
Abriu-se uma caixa de Pandora no Legislativo. Deputados e senadores brincam de demiurgos com as instituições sem que ninguém controle o resultado desses exercícios. É o efeito de dar poder a quem nunca teve responsabilidade.
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