segunda-feira, 11 de maio de 2015

Ricardo Noblat - Construindo mentiras

- O Globo

"Pedi o tempo todo que a polícia fosse tolerante." - Beto Richa, governador do Paraná, sobre o massacre dos professores

O que foi que na semana passada aproximou a presidente Dilma do ex-presidente Lula e do governador Beto Richa (PSDB), do Paraná? A construção de uma mentira. Cada um construiu a sua para escapar de situações embaraçosas que lhes causariam danos políticos. Dilma e Richa precisaram mentir se expondo. Uma vez desmascarados ficam mal na foto. Lula não se expôs. Mentiram por ele. É um craque.

NA ÚLTIMA QUARTA-FEIRA, Dilma confirmou sua presença na cerimônia militar que dali a dois dias marcaria, no Rio, os 70 anos do fim da 2ª Guerra Mundial. Foi um Deus nos acuda entre os militares das três armas. Não que ela não fosse bem-vinda entre eles. É que por lá estariam também militares da reserva. E esses, por serem mais conservadores, preferem manter distância de Dilma.

IMAGINE SE ELA fosse hostilizada. Luiz Fernando Pezão (PMDB), governador do Rio, telefonou para Dilma e a aconselhou a não pôr os pés por lá. Os comandantes militares fizeram chegar a Dilma o mesmo recado. Sim, eles poderiam até garantir a segurança dela, mas um bom tratamento, não. Dil-ma cancelou sua ida. E o que mais fez?

MANDOU IMPROVISAR às pressas uma cerimônia para na sexta-feira celebrar a mesma efeméride ao pé da rampa do Palácio do Planalto. Ela ficou lá em cima. À distância segura, assistiu a um modesto desfile militar. Em ambiente fechado, condecorou quatro pracinhas que lutaram contra os alemães. Foi a primeira vez que se lembrou em Brasília o fim da 2ª Guerra Mundial. Para todos os efeitos, pois, Dilma não foi ao Rio porque não quis.

NA ÉPOCA DA DITADURA militar de 64, ela pertenceu a uma organização de esquerda que pegou em armas para derrubar o regime. Viveu anos na clandestinidade. Acabou presa e torturada. Mais de 40 anos depois, ela está de volta à clandestinidade. Dessa vez como a presidente rejeitada por 70% dos brasileiros. Só ousa se exibir em ambientes fechados. Evita falar no rádio e na televisão.

COMO DILMA, Richa perdeu o direito de circular livremente. Sua polícia usou bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e cães para reprimir uma manifestação de professores. A violência deixou 213 feridos. O nome de Richa passou a ser vaiado em qualquer lugar público do Paraná. Para salvar a sua, Richa entregou as cabeças de dois secretários de estado e a do comandante da PM.

NÃO BASTOU. Ele então começou a reescrever o que aconteceu. Antes, dissera que a polícia reagira a provocações. Agora, diz que lamenta e pede desculpas. Antes, admitira ter sido avisado pelo prefeito da cidade e o ministro da Justiça sobre a pancadaria que durou mais de duas horas. Agora, afirma que não detinha o comando da operação policial. Jura inocência. Ora, um único telefonema dele teria abortado o massacre. Perdeu, Richa!

LULA PERDE COM o recém-lançado livro de dois jornalistas uruguaios sobre o governo do ex-presidente José Mujica. Está dito lá que Mujica ouviu de Lula, a propósito do mensalão, que só assim se pode governar o Brasil. Foi a confissão que Lula jamais fizera. Diante do estrago em sua imagem, Lula providenciou um desmentido. E ele foi feito pelo próprio Mujica. Não convenceu. Mas criou uma versão a ser disseminada em favor de Lula.

DILMA, RICHA E LULA, artesãos da mentira. O mais amador deles é Richa. Que produziu o seguinte desabafo a propósito do massacre dos professores nas ruas de Curitiba: "Não tem ninguém mais ferido do que eu. Estou ferido na alma". Comovente!

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