• Então presidente da estatal afirmou em encontro que valores reais da corrupção só serão conhecidos daqui ‘três, cinco, dez anos’
Erich Decat, Daniel Carvalho, Isadora Peron, Lorenna Rodrigues, Luci Ribeiro, Andreza Matais e Fabio Fabrini – O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Então presidente da Petrobrás, Graça Foster disse em reunião do Conselho de Administração da estatal ocorrida no dia 12 de dezembro de 2014 que qualquer valor que fosse colocado no balanço anual da empresa para medir as perdas com corrupção decorrentes da Operação Lava Jato não seria verdadeiro. “Essa de dizer que eu só posso mostrar para o mercado a certeza absoluta dessa questão da Operação Lava Jato é uma inverdade, porque jamais acontecerá. Só daqui a três, cinco ou dez anos. Quando isso tudo for julgado e sair o valor dessa operação toda”, disse Graça aos conselheiros.
Em determinado momento foram apresentadas as datas-limite para a empresa apresentar o balanço, que, à época, estava atrasado. Diante do calendário, um dos presentes indagou: “O juízo final é 28 de fevereiro, então?”. Graça interveio e disse: “Não há a menor perspectiva racional de ter esse número exato. Não há”. Em seguida, ela lançou o desafio: “Se o jurídico acha que há, por favor, pode se manifestar”. Não houve resposta.
O balanço da Petrobrás referente ao terceiro trimestre de 2014 sofreu atrasos a partir do momento em que a PriceWaterhouseCoopers se recusou a assiná-lo sem antes saber dos resultados das investigações da Operação Lava Jato. A recusa da empresa de auditoria ocorreu em novembro do ano passado.
A estatal viria a divulgar em abril o balanço do terceiro trimestre de 2014 - devidamente auditado -, dois meses depois de Graça deixar o cargo e ser substituída por Aldemir Bendine. Nele foi incluída uma estimativa de perda de R$ 6,194 bilhões em razão da corrupção entre os anos de 2004 e 2012.
Saúde. A divulgação é obrigatória para empresas de capital aberto tanto pela legislação brasileira quanto pela dos Estados Unidos, onde a estatal também é listada em bolsa. A falta do balanço, além de criar instabilidade nos preços das ações da empresa no mercado, pode levar credores a exigir o pagamento antecipado de dívidas, prejudicar o caixa e a nota de crédito da companhia. O resultado informa o mercado e os acionistas sobre a saúde financeira da empresa, como a capacidade de honrar pagamentos, de fazer novos investimentos e de obter financiamentos.
A avaliação de Graça registrada em áudio não consta da ata oficial daquela reunião de 12 de dezembro. A Petrobrás costuma gravar em áudio ou vídeo as reuniões. Esse material foi enviado à CPI da Petrobrás que funciona na Câmara na semana passada. A estatal não comenta a divulgação do conteúdo dos encontros, pois afirma se tratar de um “vazamento ilegal”.
Mercado. Na reunião do conselho de 12 de dezembro, Graça também revelou o posicionamento pessoal a favor da divulgação, naquele mesmo dia do balanço, mesmo que com dados imprecisos sobre o valor das perdas com a corrupção.
“A minha preocupação é que o mercado diga: pô, a Operação Lava Jato acontecendo desde março (de 2014), sei lá quando, e até agora a diretoria da Petrobrás ainda não se prontificou a ter uma perspectiva de método de valor estimado. Parece que a gente vai estar agindo como se a Operação Lava Jato não tivesse acontecendo. A gente não enxergou nada porque a gente era cego, mudo e surdo (...). Até agora os incompetentes aqui não conseguiram sequer estimar um efeito?”, questionou.
O valor das perdas calculado naquela época foi de R$ 4 bilhões. Chegou-se ao número a partir de menções de depoimentos do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef realizados ao Ministério Público Federal. Também colaboraram para a realização do cálculo os depoimentos de delação premiada de Julio Camargo e Augusto Mendonça, da empresa Toyo Setal.
Depois, já sob o comando de Aldemir Bendine, a Petrobrás elevou a estimativa de perda com desvios em contratos para os R$ 6,194 bilhões, também tentando buscar alguma objetividade no cálculo a partir das delações e dos valores das propinas sobre os megacontratos, que, segundo Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef, eram de até 3% em cada grande acordo fechado pelas empreiteiras e a estatal petrolífera.
Teatro. Além do dinheiro da corrupção, as perdas da Petrobrás em 2014 incluem, entre outros motivos, o cancelamento de projetos. Na reunião de 12 de dezembro, Graça se queixou: “O estrago feito com essa questão toda de Lava Jato, quem fez parte desse teatro não sabe as consequências de tudo isso, porque se param obras, trabalhador despedido, não recebe, você não fecha balanço, não sabe como faz a conta, é um inferno”.
As gravações no conselho
O Conselho de Administração da Petrobrás, órgão responsável pela definição e aprovação do plano estratégico de negócios, pela eleição da diretoria e pela fiscalização da gestão e das contas da empresa, tem tradicionalmente suas reuniões gravadas em áudio ou em vídeo. Segundo a estatal, esse conteúdo é posteriormente registrado em uma ata, cujo acesso não é público.
Antes da Operação Lava Jato - deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014-, as gravações em áudio e vídeo eram apagadas assim que a ata do encontro era elaborada. Segundo a versão da estatal, apenas a partir de setembro do ano passado, com o desenrolar do escândalo envolvendo megacontratos da empresa, os registros eletrônicos passaram a ser preservados.
A CPI da Câmara dos Deputados que investiga a corrupção na Petrobrás solicitou à estatal os registros em áudio e vídeo, além das atas, de 2005 até agora. A empresa petrolífera demorou, mas entregou o material disponível na semana passada. A partir de então, ficou claro que nem tudo o que é dito nas reuniões acaba nas atas.
A Petrobrás considera sigilosos tanto as atas quanto o material gravado. A empresa não tem comentado as recentes divulgações de seus conteúdos. Trata o assunto como "informações supostamente oriundas de vazamento ilegal".
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