Ao final das votações de quarta e de quinta-feira na Câmara dos Deputados, o governo pôde finalmente comemorar a aprovação da Medida Provisória (MP) 665, a primeira das duas que integram o pacote do ajuste fiscal, mas está longe de ter “reconquistado a governabilidade”, como proclamou, por dever de ofício, seu líder naquela Casa do Congresso, o deputado José Guimarães (PT-CE). Ao contrário, quando se observa que a estreita margem da vitória governista, de apenas 25 votos, só foi possível graças a dissidências no bloco oposicionista, fica claro que a antes enaltecida solidez da “ampla base de apoio parlamentar” simplesmente se dissolveu no ar. O governo Dilma Rousseff, uma nau sem rumo, permanece refém do fisiologismo sobre o qual o lulopetismo pretendeu consolidar seu projeto de poder.
Apesar da vitória pontual, o mapa da votação da MP 665 na Câmara deve estar deixando preocupados os articuladores políticos do Planalto. Cento e dezenove deputados da base aliada (35%) votaram contra a MP ou se abstiveram. Já se sabe que diante da proposta do ajuste fiscal o PT, na dúvida entre permanecer situação ou virar oposição, optou por ficar com um pé em cada canoa. Apesar de a liderança da bancada ter fechado questão a favor da MP, 1 deputado votou contra e 9 saíram pela tangente se ausentando do plenário ou “fugindo”, no comentário cáustico do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os 19 deputados do PDT, “aliado” do governo que ocupa o Ministério do Trabalho, votaram unanimemente contra. E o PMDB deu ao governo apenas 50 de seus 67 votos.
Esta mesma MP 665 terá de ser votada no Senado. Apesar de ali as tendências das bancadas sugerirem perspectivas mais tranquilizadoras para o governo, o comando da Casa está nas mãos do mais recente inimigo conquistado por Dilma Rousseff, o notório Renan Calheiros, ultimamente travestido de defensor intransigente dos direitos dos trabalhadores (ver, abaixo, o editorial Renan, paladino do trabalhador). Diante da determinação que tem demonstrado de impor derrotas humilhantes ao governo, o soba alagoano certamente não facilitará as coisas para o Planalto.
E, depois da MP 665, vai à votação nos próximos dias, primeiro na Câmara, a MP 664, que em termos de restrição a benefícios dos assalariados é ainda mais rigorosa que a outra.
Não há dúvidas de que foram as dissidências na oposição que garantiram a aprovação da MP 665 na Câmara. DEM, PSB e SD deram ao governo 16 votos e 6 ausências; apenas o PSDB, o PPS e o PSOL votaram unanimemente contra. Mas contribuiu também para o resultado a frenética mobilização de última hora dos articuladores políticos do Planalto, que saíram a campo munidos do valioso trunfo dos cargos a serem preenchidos no segundo e no terceiro escalões da administração direta e indireta. Muitos compromissos foram firmados, tanto pelo vice-presidente Michel Temer quanto por seu braço direito na articulação política, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.
Boa parte desses acordos, feitos com representantes de legendas menores, está condicionada à confirmação das respectivas nomeações já neste início de semana. Foi a exigência dos “aliados” para apoiar a MP 665.
É lamentável constatar que, como nunca na história deste país, impera a prática que o lulopetismo não inventou, mas generalizou com seu peculiar “presidencialismo de coalizão” e em decorrência da qual a aprovação de medidas de relevante interesse público - e principalmente essas - fica na dependência de arranjos fisiológicos na base do toma lá dá cá.
É lamentável também que os oposicionistas - aqueles que levam suas responsabilidades a sério - não consigam separar o legítimo direito de pressionar o governo para desgastá-lo politicamente do apoio a medidas necessárias como as do ajuste fiscal. O ideal seria que as legendas oposicionistas se entendessem em torno de uma estratégia comum de combate eficaz ao governo sem prejuízo dos interesses do País. O exercício da democracia não exige unanimidade, mas as divergências não excluem, quando isso se impõe em função do bem comum, acordos em torno de questões que devem ser colocadas acima dos partidos.
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