• Pacote acaba com o que resta do apoio da base social do PT
- Valor Econômico
Das três hipóteses sobre o futuro político de Dilma Rousseff, até a manhã de ontem, o impeachment parecia a menos provável. À tarde, o risco Dilma aumentou. Líderes governistas já contabilizam cerca de 320 votos favoráveis à abertura do processo contra a presidente na Câmara dos Deputados. Ainda assim, a situação somente se tornará incontrolável, se uma segunda agência de rating rebaixar a nota do país, na trilha aberta pela Standard & Poor's, na semana passada.
Nas palavras de um protagonista importante nas discussões sobre o futuro do governo, se Dilma efetivamente zerar o orçamento de 2016, os aliados resolvem a política. Há boa vontade, como demonstrou o presidente do Senado, Renan Calheiros, ao elogiar o pacote de medidas fiscais anunciado ontem à tarde pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento). Mas há muitos flancos abertos com as propostas de corte de despesas e aumento e criação de impostos, especialmente no território do próprio governo.
Cortar despesa e aumentar impostos era o que se esperava de Dilma para zerar o orçamento deficitário. Resta esperar a reação dos agentes econômicos e da classe política. À primeira vista, o esforço fiscal da parte do governo é pouco convincente para levar o Congresso a aprovar as medidas apresentadas ontem e deve agravar ainda mais a crise, à medida que for dissecado. Esperava-se por cortes efetivos em programas sociais. No caso do Minha Casa Minha Vida o governo substituiu dinheiro orçamentário por recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
O governo mexeu tambem com um vespeiro, ao tornar ainda menos impositivo o chamado orçamento impositivo. Ou seja, tirou dinheiro das emendas que os parlamentares destinam para obras em suas bases eleitorais para a os projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo os ministros, deputados e senadores já haviam manifestado interesse nessa vinculação. É algo a conferir, nos próximos dias. Há uma aceitação do Congresso de que certas medidas são mera perfumaria, como o anunciado corte de ministérios, mas importantes como exemplo e para agradar a classe média. A boa vontade dos congressistas pode terminar, no entanto, se ficar claro que o governo se limitou a fazer caridade com o dinheiro alheio e a aumentar e criar mais impostos.
Há medidas relacionadas aos servidores públicos que requerem a votação de emendas constitucionais, ou seja, quórum qualificado de três quintos da Câmara e do Senado. O governo Dilma comprou uma briga com os servidores e vai precisar do apoio, sobretudo, do PT e das centrais sindicais ligadas ao partido, cuja oposição somente fará desandar a receita. São mudanças difíceis mesmo para governos bem avaliados, o que não é o caso da presidente Dilma Rousseff.
O governo anunciou cortes de R$ 26 bilhões no orçamento. Na avaliação do PMDB, o principal parceiro do PT na aliança governamental, o corte poderia chegar à totalidade dos R$ 30,5 bilhões do déficit orçamentário. Dilma preferiu a opção que soma cortes (duvidosos) por aumento e criação de impostos. O esforço governamental seria mais convincente se tivesse avançado sobre programas como o Minha Casa, Minha Vida, espécie de menina dos olhos da presidente. No Congresso esperava-se que fosse simplesmente anunciado o adiamento da terceira fase do programa. Mas isso não ficou claro nos anúncios feitos.
O Congresso reconhece o direito de Dilma de criar uma marca para seu governo. O Mais Médicos não é algo consistente e duradouro, o Mais Especialidades, uma das mais de 50 promessas de campanha de Dilma, vai sendo aos poucos deixado de lado, à espera de melhores dias, e dificilmente Dilma entregará, como pretendia a obra de transposição do Rio São Francisco, assim como o ex-presidente Lula não entregou, mesmo se o seu mandato somente terminar em 2018. Sem o Minha Casa, Minha Vida a marca do governo Dilma serão "as orelhas do ministro Levy", como diz o protagonista citado das negociações em torno da sustentação ou queda do governo. Ainda assim esperava-se que ela adiasse o programa. O risco é alto: Dilma não está em condições de pagar para ver se uma outra agência vai rebater a avaliação de risco da Standard & Poor's.
São três as hipóteses para a presidente Dilma: o impeachment, a renúncia ou chamada sarneyzação do governo, com o emparedamento da presidente por seus aliados. Era para essa opção que os agentes políticos e econômicos majoritariamente convergiam, antes do lançamento do pacote para zerar o orçamento - o ministro Gilmar Mendes deveria ficar falando sozinho no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com mudanças na composição da corte, prevista para o fim do mês. Havia um esforço junto ao Tribunal de Contas da União para reverter uma tendência de rejeição das contas do governo, mas a ofensiva da Polícia Federal sobre o ministro Augusto Nardes, presidente do tribunal, azedaram as conversas com o TCU.
Bastaria, portanto, para Dilma atravessar o que resta de setembro, outubro, novembro e dezembro. O ano de 2016 seria outra história, do ponto de vista dos políticos. O que importa é agora, quando o caos bate à porta. E a ninguém interessa o caos. Não interessa às grandes empresas, por exemplo. Pelo menos 50 empresas, bancos e Estados também foram rebaixados pela S & P, no rastro da perda do grau de investimento. O caos não ajuda ninguém, muito menos Dilma. O que a presidente precisa é evitar a uma nova queda da nota soberana. Neste caso sim, as coisas se tornarão incontroláveis no Congresso e o mandato de Dilma estará seriamente ameaçado pelo impeachment.
A primeira reação em áreas do PT próximas ao governo é que o pacote vai "detonar" o pouco de base social que o governo ainda tem e não vai agregar nada, a não ser o apoio do sistema financeiro. Isso porque o governo ainda não anunciou outras coisas "bem pesadas" para a base social petista, como uma reforma previdenciária "na veia" que estaria já engatilhada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário