Governo propõe cortes de R$ 26 bi e insiste em nova CPMF para adequar Orçamento
• Planalto sugere redução de despesas com reajustes de servidores, saúde, Minha Casa Minha Vida e PAC; pacote prevê volta do imposto do cheque por quatro anos com alíquota de 0,2% para cobrir rombo da Previdência
Tânia Monteiro, Isadora Peron e Vera Rosa - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - Cinco dias depois de o Brasil ter perdido o selo de bom pagador, o governo anunciou corte de R$ 26 bilhões nas despesas, adiou reajustes a servidores públicos, elevou vários impostos e propôs a volta da CPMF por quatro anos com alíquota de 0,2%. Sob a justificativa de que o novo imposto do cheque ajudará a cobrir o rombo da Previdência, o Planalto decidiu enfrentar a resistência de empresários e do Congresso para obter R$ 32 bilhões da CPMF com uma roposta de emenda à Constituição (PEC), que exige três quintos dos votos em dois turnos na Câmara e no Senado.
No lado dos cortes, serão atingidas áreas sensíveis, como a saúde, além de bandeiras importantes de Dilma Rousseff, como o Minha Casa Minha Vida e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Bolsa Família foi preservado. Na tentativa de atenuar atritos com o Congresso, Dilma apresentou as medidas e pediu apoio aos presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), pouco antes do anúncio no Planalto. Ela também informou o vice-presidente Michel Temer, em viagem à Rússia.
As medidas devem ajudar o governo a reverter um déficit de R$ 30,5 bilhões no Orçamento de 2016. As propostas transformam o rombo de 0,5% do PIB em um superávit de 0,7% no próximo ano ou R$ 34,4 bilhões.
‘Último recurso’. A volta da CPMF foi uma espécie de “último recurso” do governo, segundo um interlocutor da presidente, ao explicar que Dilma queria evitar “a todo custo” o novo tributo. A discussão sobre a medida gerou embates entre a presidente, ministros e assessores, mas ela acabou concordando com a volta do imposto por ser a solução com menor impacto inflacionário do que o imposto dos combustíveis (Cide), por exemplo.
Pela proposta do governo, Estados e municípios não receberão nenhum centavo da CPMF. A reação dos governadores já estava sendo ensaiada. No jantar de ontem com Dilma, no Palácio da Alvorada, eles pretendiam exigir sua parte do bolo, para ajudar a fechar suas contas, o que implicará mudanças do texto no Congresso. Ou seja, a alíquota da CPMF pode ser ainda maior para garantir a divisão.
Dilma também resistiu, segundo relatos, a cortar as despesas e adiar aumentos nos salários do funcionalismo.
Antes de enviar ao Congresso, no fim de agosto, o projeto de lei do Orçamento para 2016 com rombo de R$ 30,5 bilhões, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse a ela que, se o Executivo cortasse gastos de pelo menos R$ 15 bilhões, congelasse salários do funcionalismo, programas sociais e apresentasse outras medidas de austeridade agregadas a esse pacote, seria possível fechar as contas sem déficit primário. A presidente, porém, recusou o plano de Levy. “Não posso cortar gastos nessa ordem de grandeza”, desabafou ela, segundo um auxiliar que testemunhou a conversa. “Vamos enxugar um pouco, mas o País não suporta um corte dessa magnitude”, afirmou.
Diante da reação do Congresso e dos empresários, porém, Dilma foi obrigada a recuar após duas semanas, aumentando ainda mais a tesourada nas despesas do governo e ainda criando o novo imposto.
Empresários e políticos avisaram à presidente que ela tinha pouco tempo para retomar o controle do governo. Com o cenário político e econômico se deteriorando cada vez mais, o recado foi claro: ou Dilma mostra que tem como conter a sangria ou perderá ainda mais apoio, correndo risco de um processo de impeachment. Sem saída, aceitou os cortes e os impostos.
Porta-vozes. Coube aos ministros Levy e Nelson Barbosa (Planejamento) detalhar o pacote elaborado pelo governo. Barbosa listou nove medidas que, segundo ele, irão resultar num esforço fiscal total de R$ 64,9 bilhões, valor suficiente para cobrir o déficit de R$ 30,5 bilhões anterior. Para fechar as contas, Barbosa anunciou o corte de R$ 26 bilhões. Em seguida, foi a vez de Levy detalhar elevação de R$ 38,9 bilhões nas receitas.
A conta é complexa e confusa: R$ 32 bilhões virão da CPMF. Há ainda R$ 1,8 bilhão do aumento do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre ganhos de capital, mais R$ 6 bilhões vindos do sistema “S” que irão cobrir uma parte do aumento do déficit da Previdência, além de outros R$ 5,9 bilhões de redução de benefícios tributários.
A economia será um pouco menor que os valores anunciados porque o governo previu uma frustração de receita de R$ 5,5 bilhões em relação ao previsto na proposta orçamentária de 2016 e aumento dos gastos com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em R$ 1,3 bilhão.
A exemplo do que foi feito no passado, o governo deverá isentar da cobrança da CPMF as movimentações para compra de ações em bolsa e aplicação em renda fixa, por exemplo. Saques de FGTS e seguro desemprego também não deverão ser onerados. Os ministros anunciaram ainda que, para compensar a cobrança da CPMF, vão reduzir o IOF, imposto sobre operações financeiras, mas não explicaram de quanto será esta diminuição da alíquota./
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