A inflação medida pelo IPCA deu sinais positivos em agosto. Marcou o primeiro recuo em oito meses e poderia representar o ponto de inflexão em direção à esperada volta ao centro da meta, de 4,5%, prometida para o fim do próximo ano, após longa trajetória de alta. Mas o governo nem teve tempo para comemorar. No mesmo dia do anúncio do IPCA de agosto, a agência internacional de avaliação de risco de crédito, Standard & Poor's (S&P), rebaixou o rating do Brasil, que perdeu a classificação de "investment grade", e ainda pregou a perspectiva negativa, o que significa um terço de possibilidade de novo rebaixamento.
A Standard & Poor's justificou o rebaixamento pela decisão do governo de mudar a meta fiscal da proposta orçamentária de 2016, sinalizando a possibilidade de o Brasil apresentar três anos consecutivos de déficit primário, em ambiente de crescentes dificuldades políticas. Tornou-se provável que as outras duas principais agências de rating sigam o exemplo da S&P. Pela Moody's, o Brasil está no primeiro degrau do "investment grade"; e pela Fitch, dois degraus acima.
O dólar disparou imediatamente após o anúncio da S&P, trazendo mais pressão sobre os preços, o que pode comprometer os tímidos progressos obtidos na contenção da inflação em agosto, quando o IPCA ficou em 0,22%, abaixo dos 0,62% de julho, a menor taxa mensal desde julho de 2014 e a menor para o mês desde 2010. Alimentos e passagens aéreas mais baratas contrabalançaram a elevação da gasolina, etanol e tarifas de ônibus. Sete dos nove grupos retratados pelo IPCA desaceleraram. O índice de difusão - o percentual dos produtos em alta -, diminuiu de 65,7% para 65,1%.
No acumulado em 12 meses, o IPCA de agosto passou de 9,56% para 9,53%, o primeiro recuo em oito meses. Ainda há um grande descompasso entre os preços livres e administrados. Os livres subiram 0,18% em agosto e acumulam 7,7% em 12 meses, a mesma taxa de julho. Já os administrados, com elevação de 0,32% no mês passado, acumulam 15,8%, ligeiramente menos do que os 16% de julho. A energia elétrica continua sendo o destaque negativo com aumento de 54,4% em 12 meses.
Apesar da desconfiança em relação ao cumprimento da promessa do Banco Central de trazer a inflação para os 4,5% do centro da meta no fim de 2016, as previsões para o comportamento dos preços vinham melhorando, beneficiadas inclusive pelo desligamento das usinas térmicas, que permitirá um alívio no custo da energia. Mas o cenário mudou definitivamente após a decisão da Standard & Poor's.
De um lado, a disparada do dólar provocada pelo rebaixamento renova as pressões sobre os preços, neutralizando parcialmente os efeitos da menor atividade econômica e do aumento do desemprego na contenção da alta. De outro, o esforço do governo para ampliar as receitas fiscais pode igualmente provocar algum aumento de preços.
Ontem, o governo apresentou suas propostas de cortes de gastos e aumentos de impostos, que poderão ter impacto nos preços. A medida de maior efeito será a recriação da CPMF, com alíquota de 0,2% e previsão de arrecadação de R$ 32 bilhões. A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda das empresas terão suas alíquotas elevadas de 15% para 18%. A volta da Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os combustíveis, com divisão da receita com Estados e municípios, a medida que mais teria efeitos inflacionários diretos, aparentemente foi descartada.
As projeções colhidas pela pesquisa Focus divulgada ontem já refletem essa expectativa. A taxa de câmbio em relação ao dólar para o fim deste ano subiu de R$ 3,60 para R$ 3,70; e a de 2016, de R$ 3,70 para R$ 3,80. A inflação estimada para este ano ficou quase estabilizada em 9,28%, mas a de 2016 passou a 5,64% em comparação com 5,44% há quatro semanas. Há no mercado estimativas mais elevadas do que essas. Estudo feito pelo Itaú aponta que a perda do "investment grade" pode aumentar em dois pontos a inflação no ano do rebaixamento do país atingido. Apesar das indicações de que a inflação pode ganhar fôlego, não há espaço político para novas elevações da taxa de juros pelo Banco Central. O que parece mais provável é que os juros não serão reduzidos tão cedo, apesar do grave quadro de recessão.
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