domingo, 3 de abril de 2016

Tempo de extremos - Míriam Leitão

- O Globo

Polarização radical na política. Ao longo da última semana os humores oscilaram de um lado e de outro do embate político. Em alguns momentos, se dava o impeachment como certo, em outros, o governo se sentia tão bem que já falava em se refundar. O mais importante não é que lado está mais forte, mas sim que, em ambiente de polarização radicalizada, não há espaço para negociação.

Uma conjuntura tão estressada indica que a paralisia política e econômica se prolongará no tempo. Qualquer vento passageiro é enganoso e não indica a direção de coisa alguma. No mercado financeiro, quando o impeachment parece o cenário mais provável, as ações sobem e o dólar cai. Isso não reflete a economia real, que permanece em situação dramática. As empresas continuam dando baixas contábeis em seus ativos e seguem demitindo, e isso piora com a crise política.

Na economia, olha-se estupefato para a política à espera de uma solução, mas ela não virá em um ambiente tão polarizado. Na política, a solução só poderia se encontrar nos espaços de negociação. A presidente Dilma decidiu transformar o Palácio do Planalto num centro de mobilização, como se fosse uma sede partidária. E está escalando. Os adversários eram chamados de golpistas, agora, diz ela, parecem-se aos nazistas. Dilma está convencida de que a sua estratégia de radicalizar ainda mais o conflito está dando certo, porque a cada momento que fala do seu “golpe” ganha mais espaço na imprensa e aumenta os seus seguidores. Colhe, no fim, mais polarização.

O conflito estourou dentro da coalizão e não entre o governo e a oposição. Na verdade, a oposição liderada pelo PSDB não conseguiu ser um polo de atração nem oferecer um projeto alternativo. Tem sido apenas reativa e hoje orbita em torno do PMDB. O PT, por seu lado, com os seus gritos só consegue revelar que teme não conseguir 171 votos para barrar o impeachment, o que é espantoso porque quem não tem sequer essa minoria não conseguirá mesmo governar, ainda que permaneça na Presidência.

Hoje, muitos brasileiros se perguntam que risco a democracia corre, estejam eles de um lado ou de outro do conflito político. E são sinceros na sua dúvida. Parecem mesmo assustadores os rugidos da extrema direita, como a que é simbolizada por Jair Bolsonaro. O que precisa ficar claro é que uma parte da extrema direita sempre esteve entre nós. Tanto que o Brasil, após 21 anos de ditadura militar, não conseguiu sequer esclarecer os crimes que ela praticou, muito menos puni-los. Todos os governos civis foram constrangidos a deixar o assunto de lado para evitar o conflito. Hoje, o bisonho Bolsonaro tem seus seguidores e consegue reunir até uma claque. Mesmo numa democracia madura pessoas exóticas com ideias extremas prosperam, basta ver Donald Trump.

O mais importante elemento que nos protege de qualquer nova aventura autoritária é o fato de que o país tem instituições sólidas. Elas estão sendo testadas ao limite no meio do extremado ambiente político. A política perdeu seus espaços de negociação. Isso leva à ruptura, mas não à ruptura com a qual a presidente Dilma tem ameaçado o país, mas a do sistema de governabilidade.

O que assusta não são rugidos da direita, nem a manipulação dos nossos medos pelo governo. O inquietante é a sensação de que não há qualquer proposta para depois de resolvido o conflito político. Quando o ex-presidente Collor caiu, o presidente Itamar Franco errou muito na condução da economia. Desperdiçou sete meses com três ministros que não tinham ideia de como enfrentariam o problema mais agudo da época, que era a hiperinflação.

O quarto ministro foi Fernando Henrique Cardoso, mas ele só conseguiu entregar uma solução, o Plano Real, porque esse projeto estava pronto para ser aplicado. As ideias tinham nascido dentro da PUC do Rio, haviam sido debatidas intensamente, versões do plano foram testadas e a proposta foi aperfeiçoada. Mesmo assim, não foi fácil a negociação política para que a solução se tornasse realidade. Os problemas econômicos hoje são mais complexos, não há solução pronta, nem espaços de diálogo. Quem imagina que tudo estará resolvido quando o seu grupo político estiver mais forte não entendeu ainda a gravidade da crise.

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