• Esquerda vai dos goles aos vitupérios contra o golpe
- Valor Econômico
Com a economia fornecendo dados contraditórios sobre a saída do fundo do poço da recessão, a política também emite sinais erráticos sobre o realinhamento das forças partidárias e dos discursos.
O PT - assim como o PSDB nos anos seguintes à passagem para a oposição, em 2003 - encontra-se desnorteado, amuado, sem saber o que fazer. A expectativa de que o partido, uma vez fora do governo, teria uma atuação aguerrida, combativa, não se confirmou. Pelo menos até agora. E não se pode atribuir ao recesso parlamentar, aos Jogos Olímpicos ou à proximidade das eleições municipais a perda de agressividade.
A virulência da tese do golpe foi estratégica para a coesão das hostes ligadas ao petismo - especialmente no campo da esquerda - no período de luta decisiva contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff, ou seja, até seu afastamento.
A partir daí, sem os cargos na administração federal e com a fadiga de um combate sem trégua desde a campanha de reeleição à Presidência, as fileiras do PT se dispersaram ou tentam reunir energias.
No momento mais evidente de novo embate político, na eleição do presidente da Câmara, o PT, primeiramente, apoiou - se não urdiu - a candidatura de um filiado ao partido do governo de plantão e alegadamente golpista. Tudo bem que Marcelo Castro (PMDB-PI), ex-ministro de Dilma, votou contra o impeachment. Mas a antiga tática de dividir o inimigo mostrou-se a única possível, num cenário de larga desvantagem. No segundo turno, os petistas preferiram um adversário - Rodrigo Maia (DEM-RJ) - a um inimigo - Eduardo Cunha (PMDB-RJ) - representado pelo preposto e "carrasco" presidente da comissão do impeachment, Rogério Rosso (PSD-DF).
Com a adesão a Maia, costurou-se a sobrevivência em ambiente menos beligerante do que o travado até então sob os ataques contínuos de Cunha. Embora o presidente da Câmara indique que não a retomará com a mesma obstinação, a tendência é que a agenda conservadora encontre terreno fértil no revés do petismo.
É duvidoso o poder de mobilização que a legenda dispõe dentro e fora do Congresso para barrar avanços em reformas como a previdenciária ou a trabalhista, alçadas pelo presidente cada vez menos interino Michel Temer à condição de prioridades.
A correlação de forças é desfavorável, já que o grande bloco de partidos governistas - o Centrão - foi aparentemente domado, depois de viver seu momento de glória como fiel da balança na votação do impeachment na Câmara. A eleição de Rodrigo Maia pôs a corrente em seu leito normal, no lugar de sempre, a do fisiologismo sem protagonismo.
Temer conta com a boa vontade de agentes políticos e econômicos, mesmo que sua ascensão não tenha levado ao prometido choque de confiança, à reversão de expectativas. Como se diz, não chegou chegando. É certo que só chegará, de fato, depois de aprovado o impeachment. Mas é verdade também que já disse a que veio e nem assim foi capaz de reanimar a economia.
Temer também se beneficia de um refluxo da Operação Lava-Jato. Depois de um início turbulento, no qual delações derrubaram ministros e aliados próximos como Romero Jucá e Henrique Alves, o pemedebista navega em águas bem menos agitadas. A realização de um grande evento internacional como a Olimpíada - e a Paralimpíada - no Rio, daqui uma semana, será mais uma oportunidade para se verificar se a operação arrefeceu, ou se calcula, politicamente, quando e se dará um próximo passo.
Somente bombas vindas da Lava-Jato teriam o potencial de mudar o resultado esperado da votação do impeachment no Senado. O desfecho já causa impactos na relação entre Dilma e o PT. O tom usado pela presidente afastada - ao afirmar que eventual caixa dois em sua campanha, como assumido pelo marqueteiro João Santana, deve ser creditado ao partido e não a ela - passa a impressão de um salve-se quem puder para preservar a própria imagem.
A narrativa futura do PT, provavelmente, dará menos ênfase à ideia de golpe do que ao reconhecimento de que Dilma foi uma má presidente - em contraste com a bonança e liderança política dos anos Lula.
O descolamento entre PT e Dilma tende a ser uma das alternativas para a travessia durante o período na oposição. No primeiro momento, a tese do golpe ainda renderá resultados, arregimentará parte de um eleitorado que girou em torno dos 30% em seguidas pesquisas de opinião sobre o impeachment. Mas o fortalecimento do partido só virá com a derrocada no novo status quo. Quanto pior o país chegar em 2018, maiores são as chances de Lula se viabilizar para voltar à Presidência.
Mesmo assim, o PT mede o quanto de oposição deve pesar sobre Temer e sobre o PMDB. Para os petistas, o impeachment criou uma situação difícil, na qual sabem que, para retomar o poder, precisarão novamente do apoio daqueles que hoje chamam de traidores. No padrão de competição política brasileira, tão fragmentado, não dá para dispensar um parceiro tão grande e central quanto o PMDB. Não dá, por exemplo, para baixar uma norma de proibição nas eleições municipais, como o PT tradicionalmente faz ao vetar coligações com PSDB, DEM e PPS. Vai ser caso a caso, tendo como critério mínimo quem apoiou ou não o impeachment de Dilma. Pela sobrevivência, vai ter que conversar com os pemedebistas. Vai ter que ser menos radical do que gostaria. Talvez uma oposição moderada como a que exerceu contra Itamar Franco.
Com uma diferença relevante: depois de 13 anos no poder, o PT e seus aliados passaram pelo típico processo de aburguesamento à semelhança do identificado por Michels no SPD alemão, há 105 anos. É o que faz, por exemplo, que os salões de uma casa noturna carioca acostumada a receber descontraídos turistas do mundo inteiro sejam o cenário de pré-campanha da chapa PCdoB/PT à Prefeitura do Rio, com a presença do prefeito de São Paulo. Militantes teimam em preferir a conversa e os goles do drinque no bar aos vitupérios do discurso contra o golpe. O tempo para a esquerda é infeliz, mas não dispensa a "happy hour".
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