Desde a grande recessão de 2008, o protecionismo vem crescendo, embora com menos intensidade do que se esperava ou temia. Mas em alguns setores há uma dura guerra comercial em curso - o do aço é um deles. O Brasil está entre seus protagonistas, ao aplicar sobretaxas antidumping em produtos chineses e por ter sido alvejado pelos Estados Unidos, junto com a China e meia dúzia de países. O mais recente episódio dessa guerra, prestes a se concretizar, é a imposição de sobretaxas aos laminados da CSN (11,3%) e da Usiminas (11,09%). O Brasil ameaça levar a questão à Organização Mundial do Comércio após a decisão.
A enorme oferta de aço no mercado global é, em primeiro lugar, uma obra chinesa. A China oferta metade do 1,6 bilhão de toneladas consumido anualmente. A predominância não vem de ontem, mas o que mudou foi a drástica redução da demanda global. Após um período de aumento da capacidade de produção global generalizada, restou uma oferta instalada de 2,4 bilhões, ou cerca de 800 milhões de toneladas excedentes - 50 milhões de toneladas no Brasil, segundo o Instituto Aço Brasil (Valor, 27 de julho).
As empresas do setor fizeram um dramático emagrecimento, sob o golpe de preços cadentes, que atingiram seu menor valor em uma década em setembro de 2015, de US$ 280 por tonelada. Altos fornos foram desativados e muitas unidades siderúrgicas desapareceram do mapa. Mas a China não enxugou sua capacidade, ou o fez com muito mais comedimento do que a situação de mercado requeria. Depois que medidas compensatórias começaram a se abater sobre o aço chinês, o governo anunciou um plano para cortar a produção em 150 milhões de toneladas em cinco anos, ou 30 milhões por ano, passo que dificilmente poderia receber a pecha de radical.
O governo chinês tem seus motivos para agir assim. Em meio a uma mudança de modelo econômico, bolha de ativos e excesso de capacidade em vários setores, estabeleceu como meta não deixar a economia esfriar demais antes que os novos motores de expansão estejam funcionando. Mas o setor de aço, como quase tudo na China, é controlado por empresas estatais ou é subsidiado ou recebe benefícios dificilmente discerníveis que tornam a formação de preços um suspeito enigma para seus concorrentes.
A União Europeia, que consome 20% do aço mundial e os EUA, que consomem 10%, apontaram todas suas baterias de defesa comercial contra a China. As empresas siderúrgicas locais aproveitaram a onda e lançaram sob suspeição outros fornecedores, com ou sem razão. Em junho, a USTR apenas sobretaxou o aço inoxidável proveniente da China, Índia Itália e Coreia do Sul. No caso de laminados a frio, impôs sobretaxas que variam de 3 a 92% para os produtos Índia, Coreia do Sul e Taiwan.
A magnitude das sobretaxas que possivelmente serão aplicadas à CSN e Usiminas são baixas perto das penalidades à China. No caso dos laminados a frio, houve a imposição de sobretaxa anti-subsídio de 256,4% e outra, anti-dumping, de 265,4% - mais de 500% de proteção. E, se não fosse pouco, o USTR abriu em junho uma investigação sobre práticas desleais de comércio contra ligas de aço provenientes da China, suspeita de falsear a origem de suas exportações, entre outras coisas.
Ao Brasil resta se proteger da China com a intensificação das sanções contra dumping e se contrapor às investidas insensatas dos EUA. As causas apontadas para atestar o subsídio brasileiro são contestáveis. Até mesmo a desoneração da folha de pagamentos foi citada, ao lado de mecanismos decanos, como draw back e ex-tarifários, e o recente Reintegra.
A disputa será, como sempre, resolvida entre os gigantes do mercado, União Europeia, EUA e China. Há um argumento convincente para dissuadir a China a persistir em suas contestadas práticas comerciais - seu reconhecimento como economia de mercado em dezembro. O Parlamento Europeu já decidiu que ela não é. A União Europeia argumenta que ela pode ser se mostrar com palavras e atos que deixará de inundar os mercados europeus com produtos abaixo do custo. Os EUA, em meio a uma dura propaganda protecionista do candidato republicano, Donald Trump, promete jogar duro. O Brasil, que tem na China o seu maior mercado, terá também de tomar uma decisão a respeito, e poderia igualmente usá-la como instrumento de barganha para defender seus interesses.
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