- O Estado de S. Paulo
Não importa se você acha que a PEC 241 é uma bomba-relógio para saúde e educação, ou acredita que ela é indispensável para desarmar a explosão dos gastos públicos – ou ambas. No pragmatismo autista de Brasília, não é sua opinião que importa. A agenda econômica não se submete à agenda eleitoral. Como diz o ministro Henrique Meirelles, o mais importante é que a aprovação da emenda agradará às agências de classificação de risco.
Meirelles não é o primeiro nem será o último a fazer reverência à elite financeira internacional. Dilma Rousseff reelegeu-se com proposta econômica antagônica à que tentou, sem sucesso, implementar. Ao renegar seu discurso de campanha, deu razão às acusações da oposição de que aplicara um estelionato eleitoral. Perdeu seu apoio na população e, ato contínuo, no Congresso.
Tampouco importa que o discurso eleitoral – depois renegado – de Dilma fosse a continuidade da política econômica que engatilhou o desastre. O que preocupa é que política e economia estão divorciadas. Aquilo que é debatido em uma campanha eleitoral não tem nada a ver com o que vem a ser discutido no Congresso e aplicado depois. Quem está pagando o preço da separação é a fé no processo eleitoral e, em última instância, na democracia.
“É possível haver um sistema político sem confiança?”. A pergunta do búlgaro Ivan Krastev é a questão-chave de seus livros In Mistrust We Trust e Democracy Disrupted. O sociólogo observa que o fenômeno se repete com maior intensidade ao redor do globo desde a crise financeira de 2008.
Começou com o Occupy Wall Street, passou pelos indignados da Espanha, atravessou o Mediterrâneo para deflagrar a Primavera Árabe (que virou pesadelo), o inverno russo reprimido por Putin, o verão turco (que deu no autogolpe recente) e o desmembramento da Ucrânia. Tudo isso sem falar na tragédia da Síria.
A crise de representação é global e cresce com a expansão da democracia. De protestos e revoluções na África à abstenção na América, passando pela indignação sem objetivo na Europa. Em toda parte, fatias expressivas da população se julgam à margem da política, dos partidos e sem nenhum poderoso para defendê-la.
A Etiópia decretou estado de emergência por causa de protestos que se arrastam desde 2015 e já são os maiores em 25 anos. Quem cruza os braços sobre a cabeça como se algemados – gesto repetido pelo maratonista Feyisa Lilesa após ganhar medalha de prata na Rio 2016 – são 38 milhões de Oromos. Apesar de serem 40% da população etíope, não têm representantes no governo.
Nos EUA, a mais recente pesquisa Gallup mostra que apenas 18% dos americanos confiam no Congresso. E um terço dos eleitores hispânicos registrados não pretende aparecer para votar porque não gosta nem de Hillary Clinton nem de Trump. Não se sentem representados. E quem pode culpá-los?
No Brasil, o junho de 2013 destampou uma insatisfação contida nos anos Lula. A desconfiança com os governantes de todas as esferas de governo teve seu efeito mais visível no movimento que levou ao impeachment de Dilma, mas não parou por aí. No último dia 2 de outubro, produziu a mais baixa taxa de reeleição de prefeitos em muitos anos, e recorde de votos nulos e em branco.
Até quando um sistema baseado na desconfiança e marcado pela falta de representatividade conseguirá se manter estável?
Há um ano, Michel Temer dizia – com razão – que com popularidade inferior a 10%, Dilma não duraria muito tempo no cargo. Hoje presidente, Temer diz que respeita, mas não leva em conta pesquisas de opinião. Não são elas que derrubam presidentes, mas o que detectam. A PEC 241 não é o Plano Real de Temer, é sua única ponte para o futuro. Se aprová-la era vida ou morte, fazê-la funcionar também será. Mas não do jeito que ele imagina.
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