- O Estado de S. Paulo
• Teto para o gasto pode ser um bom começo, mas é preciso buscar reforço da receita
Quem tiver disposição para pesquisar todas as estimativas sobre o impacto da PEC do teto de gastos, aprovada com folga em primeiro turno na Câmara, certamente chegará àquela conclusão atribuída a Sócrates e que ainda faz grande sucesso na literatura de autoajuda: só sei que nada sei. São números e mais números, que num extremo chancelam a PEC como a salvação do País, e no outro, tacham sua aprovação como a extinção do Estado social. E essas avaliações discrepantes não partem de leigos nem de palpiteiros em geral, mas de especialistas.
Alguns exemplos:
1)Pelos cálculos do governo, o Brasil precisaria de R$ 350 bilhões para conter a explosão da dívida pública. Algo impensável para um País que “confessou” no Orçamento de 2017 a previsão de um rombo de R$ 170,5 bilhões neste ano e de R$ 139 bilhões no ano que vem.
2) Com a PEC do teto, o déficit primário de 2,7% do PIB daria lugar a um superávit de 2% em 2019/2020. E, na esteira desse “ajuste suave”, o governo reforçaria sua credibilidade, os investimentos produtivos desembarcariam no País e o crescimento, enfim, teria uma retomada consistente.
3) De acordo com uma nota técnica do Ipea, com a PEC a chamada assistência social perderia quase R$ 200 bilhões em 10 anos e R$ 868 bilhões em 20 anos; o adiamento para 2018 do teto para saúde e educação ainda não estava considerado nesses cálculos.
4) Segundo o economista Amir Khair, em artigo para oEstadão de domingo, mesmo com a proposta do governo, a relação dívida pública/PIB pode subir dos atuais 70% para mais de 100%, caso não haja uma forte redução das taxas de juros e uma recuperação das receitas com a reversão do ciclo recessivo.
Como sempre, a verdade está no meio do caminho – e pode combinar, sim, todas essas faces. Tudo indica que a PEC funcionará mais como uma demonstração de que o governo está determinado a controlar gastos públicos e a impedir que o Brasil seja submetido a um “efeito ouzo” e vire a Grécia amanhã. Mas, sozinha, ela não terá condições de recolocar a economia nos trilhos. Para começar, sem a reforma da Previdência, corre-se o risco de que daqui aos 20 anos abrangidos pela PEC, a economia a ser obtida com o corte de gastos mal dê conta de pagar as aposentadorias.
Além disso, mesmo com a decisão de adiar para 2018 a entrada em vigor do teto para despesas de saúde e educação, isso não significa que as duas áreas conseguirão se safar do aperto fiscal. Mais ainda: elas já estão operando “no prejuízo”. Na educação, segundo especialistas, a ameaça maior é o não cumprimento do Plano Nacional, que prevê, por exemplo, o aumento de 1,8 milhão de matrículas da pré-escola ao ensino médio, além de políticas de valorização dos professores. Embora não seja afetado diretamente pela PEC, o quase colapso do programa de financiamento estudantil, o Fies, por falta de recursos – depois da “farra” patrocinada pelo governo anterior –, é um alerta dos problemas que podem castigar ainda mais a área de educação.
No caso da saúde, a situação se repete. Teme-se pelo estrangulamento do SUS, que atende a 75% da população. Especialmente levando-se em conta o envelhecimento da população, que resulta no aumento das doenças crônicas e, em consequência, na exigência de tratamentos mais longos e mais custosos.
O governo vem recorrendo a comparações com o orçamento doméstico para fazer a população entender a lógica da PEC. Simples assim: não dá para gastar mais do que se arrecada. Para isso, vale até mexer em áreas consideradas intocáveis, como as sociais.
Pelo mesmo raciocínio, talvez seja a hora de olhar para o lado das receitas, ainda que parte da população considere uma heresia até mesmo pensar em aumento de impostos. Que tal retirar alguns benefícios fiscais de setores “eleitos” pelo governo? Uma revisão cuidadosa das desonerações fiscais seria bem-vinda. Seria mais um sinal da determinação de Temer de enfrentar o ajuste a qualquer custo.
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