O governo obteve uma imponente vitória na primeira votação da Proposta de Emenda Constitucional que limita a evolução dos gastos públicos à variação da inflação do ano anterior - 366 deputados foram favoráveis a ela, 111 contrários. Principal medida da equipe econômica para conter o endividamento descontrolado do setor público, legado do governo de Dilma Rousseff, a PEC 241 é a principal arma do presidente Michel Temer para restaurar a confiança e obter a volta do crescimento. A confiança já foi conquistada e a recuperação econômica deve surgir logo. Os efeitos positivos da PEC, porém, demorarão a surgir, mesmo com a aprovação da reforma da Previdência. Será preciso muito mais empenho para colocar as contas públicas no azul.
A PEC é engenhosa e faz sentido. Ela acaba com o faz de contas da discussão orçamentária no Congresso, onde estimava-se receitas inatingíveis para justificar gastos excessivos. O mecanismo fixa um teto para as despesas e caberá aos congressistas discutir, dentro dessa limitação, quais gastos são vitais e quais secundários. Além disso, ele acaba com o caráter procíclico, em que o crescimento das receitas no ciclo ascendente da economia tornava-se automaticamente em mais gastos, que não podiam ser cortados como deveriam quando a arrecadação declinasse, na fase de baixa do ciclo.
A longo prazo, a PEC pode disciplinar as contas públicas, já que as receitas tendem a crescer acima da inflação. Como instrumento de emergência, é respeitável. A curto prazo tem a vantagem - acompanhada de algumas desvantagens - de não aprofundar uma recessão severa com contração nos gastos.
Há problemas orçamentários sérios que foram encaixados com solução provisória na PEC. Para a saúde foi adotada uma saída especial, antecipando-se o percentual (20% da receita) que seria destinada ao setor em 2020 já para 2017 e incorporando-o à regra de variação. Como ponto de partida, os gastos com saúde, que eram inferiores à necessidade, saem perdendo. A mesma coisa não se pode dizer da educação. Mas a rigor, dispêndios com saúde e educação podem crescer, se outros forem contidos. O galope das despesas previdenciárias, porém, torna essa flexibilidade uma opção teórica.
A PEC não é a única forma de consertar as contas públicas, mas foi a que o governo escolheu - e não apareceu outra opção. E sem complementos não vai funcionar como poderia. A fixação de um prazo de contenção de aumento real de gastos por 20 anos é uma homenagem que a virtude presta ao vício. Em dois anos haverá eleições e um novo Congresso poderá derrubar, se houver uma maioria de dois terços, todas as restrições agora acordadas.
O objetivo da PEC não é cortar gastos. Os limites impostos partem de despesas perto de seu pico histórico. O governo Temer produzirá déficits até o fim de seu mandato - o rombo previsto para 2017 é de R$ 139 bilhões, ou -2,04% do PIB. A fórmula da PEC é, assim, também politicamente engenhosa. Criou-se espaço no orçamento para acomodar as tensões previsíveis - como os reajustes do funcionalismo e o alívio temporário às dividas estaduais - e para tranquilizar o cenário político, premissas para que o Planalto possa criar candidatura própria ou influenciar decisivamente uma coalizão sucessória.
O problema é que a PEC exige muito mais e não para em pé sozinha. Mesmo se a reforma previdenciária for aprovada em 2017, os gastos continuarão crescendo em termos reais por mais alguns anos e em 2019 eles já abalroarão outras despesas do orçamento. Com sorte, um minúsculo superávit primário aparecerá em 2019. Só ao redor de 2027, dez anos depois, o país obterá superávit pouco superior a 2%, insuficiente já hoje para estabilizar a dívida pública. É por isso que o FMI julga que o superávit precisaria chegar a 3% do PIB em cinco anos e mais ajustes seriam necessários.
Benefícios de prestação continuada (Loas), abono e seguro desemprego, que consumirão R$ 109 bilhões este ano terão de ser contidos. Há ganhos possíveis com reonerações e outros, expressivos, com a revisão geral de subsídios. É meritória a intenção de não se lançar mão dos impostos em primeira instância, mas eles poderão ser incontornáveis no fim das contas.
O governo Temer terá de trabalhar muito na mesma direção e até o final. A agenda que tem pela frente dificilmente renderá dividendos eleitorais. Se eles forem perseguidos, a PEC desabará - também sobre a cabeça dos próximos governos.
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