- Valor Econômico
A mudança da engrenagem, de eleição em eleição
Presidentes de todos os partidos, que arrecadam e distribuem verbas de campanha eleitoral, estão no esquema, seja da super Odebrecht, seja da mini empresa de recolhimento de lixo no interior do Brasil. Tesoureiros que são os controladores do caixa para preservar presidente de fato e de honra da sigla, acionam parte substancial do mecanismo que faz rolar o dinheiro eleitoral de mão em mão. Senadores, deputados, deputados estaduais, vereadores, secretários, ministros, todos os que se candidataram nos últimos anos, tendo sido eleitos ou não, são parte da engrenagem do poder construído pelas mesmas regras.
Não há maior significado em uma pesquisa eleitoral que, hoje, situe Lula em primeiro lugar para a disputa presidencial, ou Marina Silva vencendo-o no segundo turno. Ambos seriam recusados tanto pelo critério da transparência da ficha (tiveram campanhas cimentadas com o mesmo barro), quanto da rejeição pelos movimentos populares se houver coerência nos protestos. É inegável que desfilaram nas mesmas passarelas contaminadas por onde passaram todos.
Políticos que nunca disputaram eleições pelo desenho ainda parcialmente em vigor foram testados na última pesquisa do Instituto Datafolha. O melhor desempenho entre virgens eleitorais teria o juiz símbolo da repulsa à corrupção no meio político, Sergio Moro.
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, também não faria feio. Mas ninguém desse grupo experimental se destaca mais que Jair Bolsonaro, o representante da direita nos elencos submetidos ao escrutínio preliminar do eleitorado. Bolsonaro, aliás, está virando um fenômeno: viajante em périplo recente pela Europa ouviu mais perguntas sobre quem é mesmo esse Jair Bolsonaro do que sobre qualquer outra novidade em teste.
O sistema foi amalgamado por dentro, entrelaçou todos os partidos, seus dirigentes e soldadesca. Um exemplo cristalino da inexorabilidade desses fatos é o que ocorreu na presidência e vice-presidência do Senado, aos olhos de todos. Renan Calheiros (PMDB-AL) desafiou o STF ao se recusar a receber a ordem de afastamento do cargo em liminar do ministro Marco Aurélio Mello. O primeiro vice-presidente, Jorge Viana (PT-AC), desafiou o STF e rompeu dogmas do seu partido ao não aceitar, também, apor assinatura na ordem para assumir o cargo de presidente do Senado e, portanto, do Congresso Nacional.
Ciro Nogueira (PP-PI) não é pior que Lindbergh Farias (PT-RJ); os baianos Jaques Wagner (PT) e Geddel Vieira Lima (PMDB) podem sair em ala da mesma micareta. É o sistema, amarrado pelas entranhas.
Diante de tal engrenagem de um corpo político construído na ilegalidade daquilo que, sob o título de financiamento de campanha, abriga desde os que embolsaram para o próprio deleite, os que fizeram a troca da verba pela aprovação de interesse do financiador, aos que pagaram gastos eleitorais agora chamados de "apenas" ou "simplesmente" diante da enormidade do resto, não há o que discutir. Existe alguma urgência na deposição de um grupo pelo outro?
Os Três Poderes estão abraçados. Embora os movimentos populares que vão às ruas peçam a deposição de todos sem medir os fundamentos, é bom lembrar uma ideia do ex-presidente Fernando Henrique, exposta em entrevista recente: as ruas são muito, muito importantes, mas há também a lei. Esse é um elemento fundamental a se considerar no teorema.
Ontem, o senador Ronaldo Caiado (DEM) começou a fazer coro à oposição e pediu renúncia do presidente Michel Temer. É óbvio que Caiado sabe que Temer jamais renunciará, e a não ser por decisão em contrário do tribunal eleitoral, chegará ao fim do seu curto mandato. Mas o senador goiano é candidato a presidente, está tirando uma casquinha na geleia geral para agradar as ruas e tentando transformar sua baixa rejeição em uma pelo menos tênue aprovação. Ainda não se pode falar de convicção política nesse caso, Caiado não debandou. A base congressual do presidente Temer continua forte e ampla, como mostrou a votação, ontem, da PEC do teto de gastos públicos. Os números totais do quórum atingido foram menores no segundo turno do que os do primeiro (esses foram exagerados), pelas ausências, não pelas defecções. Votação segura, calculada, para correr com a agenda.
Numa chuva de partículas condicionantes, se o cargo ficar vago, se a eleição for indireta com a escolha por parlamentares, se a eleição for direta caso ouça os apelos da oposição para renunciar, se houver uma grandiosa e magnânima renúncia coletiva de todos que detêm cargos e mandatos, ainda assim não há garantia de que o país estará livre de apenas trocar uns por outros.
Qual a solução para que o Brasil possa girar a chave e desmontar o sistema, ainda que seja daqui a dois anos? Haverá certeza de que os que foram não voltam pelo voto dos seus conterrâneos? Uma eleição para ampla renovação, sob o signo da Lava-Jato, não muda o panorama.
O cientista político americano David Fleischer, professor da Universidade de Brasília, vê algumas saídas para, devagar, ao longo de vários processos eleitorais, o país fazer a depuração. Uma delas é a que chama de "juiz final", numa analogia com "juízo final", referência a um voto da Suprema Corte americana que, em 2010, tirou limitação às doações de campanha. Uma forma de legalizar a bandalha. Outra seria chamar pessoas de reputação ilibada e levá-las a disputar eleições. E procurar antídoto para que os mesmos grupos, fregueses da prática da política com as vísceras à mostra na delação das empreiteiras, não voltem aos cargos pelos braços do eleitorado.
Para Fleischer, há uma alternativa: Justiça Eleitoral forte, atuante, que impeça definitivamente a candidatura ficha-suja. Com obstáculo às sucessivas apelações. Existem hoje 312 fichas-sujas na Câmara, e 40 no Senado, segundo pesquisa do professor. Ele concorda ser impossível fazer uma renovação de 100% de uma só vez. Mas lembra que, nas últimas eleições, a renovação do Congresso foi alta. Aos poucos, quem sabe?
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