quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

O desafio de se cumprir a PEC 55 - Cristiano Romero

- Valor Econômico

Gasto discricionário terá que cair a menos da metade em 10 anos

Em meio à mais grave crise do Estado brasileiro, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que institui um teto para as despesas pelo prazo de 20 anos, é um avanço extraordinário. A PEC tem como objetivo estancar o aumento real (acima da inflação) dos gastos federais, que nos últimos 25 anos, principalmente desde 2008, tornou insustentável o financiamento das contas públicas. O desafio, porém, de assegurar o cumprimento do teto é gigantesco.

A pesquisadora Vilma Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getulio Vargas, fez um exercício para saber, afinal, qual o volume de despesas que precisará ser cortado com a adoção do teto. Seguindo o que determina a PEC 55 e aplicando o cenário-base do Ibre para o comportamento do PIB real, do deflator do PIB, do PIB nominal e da inflação (medida pelo IPCA) entre 2016 e 2026, o gasto total do governo federal terá que cair, nesse período, de 19,7% do PIB para 14,9% do PIB.

Como se sabe, uma das dificuldades de se controlar gasto no Brasil está no fato de os legisladores terem inscrito na Constituição uma série de despesas obrigatórias. Em sua análise, a pesquisadora do Ibre considera gastos rígidos as despesas com aposentadorias e pensões do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica de Assistência Social (Loas), saúde e educação.

As despesas com o RGPS e o BPC são determinadas pela demografia do país - a população está envelhecendo e pressionando esses gastos - e por suas regras de correção. O piso dos benefícios é atrelado ao salário mínimo e os demais, pela inflação. Na proposta de reforma da previdência enviada pelo governo ao Congresso, o BPC perde essa vinculação, o que já é uma boa notícia. Não se teve coragem política, todavia, para propor também o fim da vinculação do piso previdenciário ao salário mínimo.

As despesas com saúde e educação estão vinculadas à receita corrente líquida, sendo que no primeiro caso estão incluídas nas receitas as contribuições sociais e no segundo, apenas os impostos. A PEC 55 assegura apenas a esses dois itens proteção contra a corrosão inflacionária - o piso aumentará anualmente de acordo com a variação da inflação. É bom lembrar, e esse é um aspecto que o governo não comunica bem, que atualmente esses gastos estão cerca de 1% do PIB acima do que a Constituição determina. É falso, portanto, dizer que a PEC foi feita para reduzir os dispêndios nessas duas áreas.

Na próxima Carta da Conjuntura, o diretor do Ibre, Luiz Guilherme Schymura, observa que a definição de gasto rígido feita por sua colega é "benevolente", uma vez que se atém ao que determinam as leis. Há um conjunto de despesas, de fato, de difícil controle e compressão por razões políticas. Estão nessa categoria gastos com pessoal, benefícios previdenciários do funcionalismo, benefícios de tipo "auxílio" do RGPS, abono salarial, seguro-desemprego, o programa Bolsa Família, subsídios, subvenções, investimentos e o subsídio de crédito concedido a pequenos e médios produtores rurais (Proagro).

Entre 2008 e 2016 (estimativa), o gasto federal saltou de 16,2% para 19,6% do PIB. Nesse período, os gastos rígidos (ou obrigatórios) cresceram dois pontos percentuais do PIB, enquanto os demais avançaram 1,4 ponto percentual do PIB. No total, despesas rígidas e não obrigatórias estão quase empatadas: respectivamente, 9,9% do PIB e 9,7% do PIB.

Aplicando-se novamente a PEC 55 e os parâmetros do cenário-base do IBRE, os gastos rígidos chegam a 10,1% do PIB em 2017 e a 10,5% em 2026, mais uma vez comprovando-se que essas despesas não perderão um centavo com a instituição do teto. Daí, conclui-se que, para que o teto seja respeitado, os demais gastos terão que ser reduzidos, nos primeiros dez anos de vigência da PEC 55, de 9,5% para 4,4% do PIB. Não é brincadeira. "Considerando-se que os demais gastos compreendem despesas de pessoal (ativos e inativos), alguns benefícios previdenciários, diversos programas sociais, subsídios e subvenções, além de investimentos, uma redução a menos da metade como proporção do PIB em período de tempo tão curto parece, à primeira vista, difícil de ser alcançada", diz Schymura.

No caso dos salários do funcionalismo, os acordos fechados pelo governo com diversas categorias asseguram aumentos nominais, entre 2016 e 2019, entre 10% e 40%. No médio e longo prazo, esse gasto exercerá sempre forte pressão sobre o orçamento por causa da estabilidade dos funcionários no emprego - um anacronismo que precisa acabar - e da força política de algumas carreiras. A regulamentação do direito de greve dos servidores públicos, com corte de ponto em caso de greve, precisa entrar na ordem do dia, assim como a eliminação de vantagens injustificáveis de juízes e procuradores, que têm direito a dois meses de férias por ano e a auxílio-moradia (superior a R$ 7 mil por mês).

Schymura diz que mudanças recentes no abano salarial podem ajudar minimamente o esforço fiscal pretendido, mas ele alega que, mesmo que o governo simplesmente acabasse com o seguro-desemprego e o abono, a adequação dos gastos ao teto da PEC 55 não estaria assegurada. Esses itens representam somente 5% do gasto primário total. O mesmo diz respeito a outros gastos não obrigatórios, como subsídios, subvenções e Proagro (3% da despesa primária).

Restam as despesas com custeio (exceto, as das áreas de saúde e educação), que somam 13% do gasto primário e que em tese podem ser comprimidas. O problema é que há limites de natureza política. Quem terá coragem, por exemplo, de propor cortes no Bolsa Família?

"O cumprimento da PEC 55 exige que os gastos rígidos deixem de ser rígidos, pelo menos durante uma etapa em que sejam adaptados à realidade fiscal do país. Sem mudanças constitucionais profundas que alterem os critérios de elegibilidade e de reajustes de valor dos benefícios previdenciários e de programas sociais como o BPC, o teto dos gastos parece fadado ao fracasso. Da mesma forma, na área de saúde e educação, será preciso uma racionalização dos gastos, incluindo os de pessoal, de tal forma que se possa continuar ampliando a oferta desses serviços e a sua qualidade com um ritmo menor de expansão das despesas", sugere Schymura.

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