quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Após teto de gastos, cresce urgência por Previdência

Limite para aumento de despesas públicas entrará em vigor em 2017

Se mudanças na aposentadoria não forem aprovadas, Orçamento para outros setores deve ficar comprometido

O Senado aprovou, em segundo turno, a emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos do governo por 20 anos. Economistas veem a medida como importante para equilibrar as contas públicas, mas destacam que, agora, será preciso aprovar a reforma da Previdência para evitar que os gastos com aposentadoria continuem crescendo e, assim, comprimam ainda mais outras despesas. O teto de gastos foi alvo de protestos em 14 estados e no Distrito Federal.

Depois do teto, a Previdência

Sem reforma nas aposentadorias, PEC dos gastos poderá comprometer outras despesas

Marcello Corrêa, João Sorima Neto, Ana Paula Ribeiro Cristiane Jungblut - O Globo

-RIO, SÃO PAULO E BRASÍLIA- Embora vista como positiva para garantir o equilíbrio das contas públicas, a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) 55, que estabelece um teto para os gastos públicos só terá efeito se atrelada à reforma da Previdência. Na avaliação de economistas, também será necessário um remanejamento extenso do Orçamento que consiga, de um lado, cumprir as novas regras (crescimento das despesas limitado à inflação) e, do outro, atender a necessidades em áreas como saúde, educação e investimento em infraestrutura.

Principal medida econômica do governo de Michel Temer, a PEC foi aprovada em segundo turno ontem pelo Senado, com placar abaixo do esperado — 53 votos a 16, apenas quatro além do necessário. No primeiro turno, haviam sido 61 votos a favor. A medida já havia passado pela Câmara e será promulgada em sessão do Congresso marcada para amanhã. O texto determina que os gastos públicos só poderão crescer o equivalente à inflação do ano anterior por um prazo de 20 anos.

A sessão foi marcada por bate-boca entre parlamentares da base e da oposição, que apresentou várias emendas para tentar mudar o texto. Para conseguir acelerar a votação, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aplicou um verdadeiro “rolo compressor” e bloqueou as tentativas de obstrução da oposição. A sessão começou às 10h44m, e o texto principal da matéria foi aprovado às 13h32m. Mesmo assim, o clima foi tenso em alguns momentos, com a oposição acusando Renan de “rasgar a Constituição” para aprovar a PEC.

‘SEM AS MEDIDAS DE AJUSTE, SERIA PIOR’
O Palácio do Planalto comemorou o resultado, mas especialistas alertam que a PEC é só uma parte do ajuste fiscal. Isso porque ela não dá conta de controlar gastos que têm regras específicas, sendo as despesas com a Previdência as mais preocupantes. Pela regra, uma alta em determinado gasto deverá ser compensada por cortes em outras áreas. O risco, portanto, é que o Orçamento seja monopolizado pelas despesas previdenciárias.

— A primeira coisa é ter uma reforma dura o suficiente para evitar que as despesas com Previdência continuem crescendo 4% ao ano. Se continuar, os outros gastos vão ter que diminuir. Ao longo de 20 anos, não vai sobrar nada para saúde, segurança, políticas sociais... — resume José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio e economista da Opus Gestão de Recursos.

Essa disputa orçamentária impactará em cheio o investimento público. Na avaliação de Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B, o governo só irá recuperar espaço para investir no segundo semestre do ano que vem, mas, ainda assim, condicionado à aprovação da reforma da Previdência no primeiro semestre, algo cada vez mais difícil devido ao ambiente político.

— Ainda assim, é pequeno, porque a expansão fiscal com os gastos obrigatórios vai durar ao menos até 2017. Só em 2018 devemos começar a ter uma restrição orçamentária mais dura nesses gastos — avaliou.

Contudo, Frischtak considera positiva a aprovação da PEC, principalmente pelo efeito sobre as expectativas:

— Os investimentos públicos, em especial em infraestrutura, são pequenos, porque os gastos correntes e as transferências são muito grandes. A maior parte do investimento é privado, e os empresários precisam acreditar que o país tem um rumo. Por isso, a trajetória fiscal é importante.

Julio Mereb, pesquisador do Ibre/FGV, ressalta que, mesmo que as medidas de ajuste sejam aprovadas, a recuperação será gradual:

— O investimento caiu muito no terceiro trimestre deste ano, e a base fica muito baixa para 2017. Com a aprovação das medidas de ajuste, cria-se um ambiente de investimento mais favorável. Para este ano, nossa projeção é de uma queda de 10,4% do investimento e, para 2017, ainda projetamos uma queda de 0,15%. Embora fraco, já é menos ruim. Sem as medidas de ajuste fiscal, seria pior.

Alexandre Chaia, professor do MBA executivo do Insper, diz que, para a PEC do teto dos gastos funcionar, será necessário fazer a reforma da Previdência. Ele avalia que a reforma trará credibilidade à PEC 55, numa sequência de expectativas positivas, que estimulam o investimento e fazem o PIB voltar a crescer:

— A PEC 55 mostra que o governo terá de ser comedido em seus gastos e parcimonioso sobre onde colocar o dinheiro. Terá de gerar uma melhor estrutura do gasto. Com a aprovação da reforma da Previdência, o governo ganha mais credibilidade, atrai o investimento e reativa o crescimento do PIB. Sem a reforma, a PEC 55 não funciona e torna-se inviável.

A melhora das expectativas tem até potencial para reduzir os juros e, assim, o montante que o país paga mensalmente sobre a dívida, observa Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria. Em julho, a dívida pública bruta chegou a 73,7% do PIB, segundo o Banco Central (BC). Esse percentual pode chegar a 80% já no ano que vem, apontam projeções do mercado.

— Mesmo que a conta previdenciária só se equilibre daqui a 20 anos, os efeitos positivos já começam a aparecer nos preços dos ativos — afirmou Klein.

‘VAI SER UMA GUERRA DE FOICE
Para o presidente do BC, Ilan Goldfajn, a aprovação da PEC é um passo fundamental para o país ter “juros estruturais menores”. Durante seminário na sede da FecomercioSP, ele chegou a pedir à plateia aplausos para a aprovação da medida.

— A crise fiscal precisa ser resolvida como condição necessária, e a PEC do teto vai na raiz do problema — disse Ilan. — Parece que agora há espaço para uma queda dos juros mais sustentável que no passado. Todos nós queremos juros mais baixos. Esse também é um desejo do BC.

Ilan reconheceu, porém, que o país está “vivendo mais incertezas do que gostaríamos no campo político”.

A PEC determina que o novo regime fiscal terá duração de 20 anos. A partir do décimo ano, no entanto, o presidente da República poderá rever os critérios uma vez a cada mandato presidencial. Cada um dos três poderes e seus órgãos terá limites específicos para despesas. O Executivo poderá compensar excessos de gastos dos demais Poderes em até 0,25% do seu limite, nos três primeiros anos de vigência das novas regras.

Segundo estimativas da consultoria de Orçamento, o teto do Executivo para 2017 ficaria em R$ 1,232 trilhão; o do Judiciário, em R$ 39,7 bilhões; o do Legislativo, em R$ 11,5 bilhões, sendo R$ 5,6 bilhões para a Câmara e R$ 4 bilhões para o Senado; o do Tribunal de Contas da União (TCU), em R$ 1,9 bilhão; e o do Ministério Público, em R$ 5 bilhões.

Com esse desenho, definir o que é prioridade vai ser mais difícil, principalmente enquanto as mudanças na Previdência não surtirem efeito. Pelas contas do governo, a reforma só terá impacto a partir de 2018, quando se espera uma economia de R$ 4,6 bilhões. Em dez anos, o valor está projetado em R$ 738 bilhões, caso a reforma seja aprovada nos termos em que foi proposta.

— (O governo) vai contingenciar, vai fazer tudo. Vai ser uma guerra de foice. Uma guerra diária do Ministério da Fazenda com cada item do gasto — afirmou Raul Velloso, especialista em contas públicas.

A maior preocupação, segundo Julio Hegedus Netto, economista-chefe da consultoria Lopes & Filho, é em relação ao ambiente político, que deve dificultar a aprovação de medidas complementares à PEC, como a reforma da Previdência e a melhora do regime tributário:

— Os problemas nas áreas sociais não são de aporte, mas de como eles são aplicados. O governo não está cortando recursos. Saúde e educação são consideradas prioritárias. Os outros gastos terão de ser readequados, e talvez caiba uma revisão dos programas sociais, que são, em alguns casos, mal gerenciados.

Klein, da Tendências, avalia que, do ponto de vista econômico, até faria mais sentido aprovar a reforma da Previdência antes de propor o limite de gastos. Mas a conta política não fecharia. Agora, deve ser mais fácil aprovar as mudanças:

— A reforma da Previdência é mais sensível, e é mais fácil identificar ganhadores e perdedores. Por isso, é mais fácil marcar gol com a PEC do teto. Mas, uma vez que está um a zero, deve ser mais fácil, agora, fazer dois a zero com a reforma da Previdência.

Camargo, da PUC-Rio, concorda. Ele destaca que a aprovação da PEC do teto cria uma necessidade para a aprovação da reforma da Previdência, que deve ser considerada pelos parlamentares.

— Provavelmente não vai ser tão difícil aprovar a reforma da Previdência, porque todos os outros interessados vão se juntar para aprovar uma reforma que seja minimamente razoável, para evitar que os gastos com Previdência dominem todo o cenário. No Brasil, 41,5% do Orçamento federal são para Previdência e assistência social. É um disparate — criticou. — Isso é o começo do processo. Se quisermos crescer de forma sustentável, serão necessárias outras reformas, como trabalhista, tributária, educacional.

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